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Luis Cosme Pinto

Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 61 anos de idade e 35 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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Brasa apagada

Carro é filho da preguiça e, como o tabaco, mata. A gente pode escolher se pelo sedentarismo, poluição, acidente ou estresse

(Foto: Divulgação)
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Tinha jeito de ser apenas promessa de fim de ano, que nada, foi pra valer. Amigas, colegas e conhecidos apagaram o cigarro em dezembro de 2023 e não acenderam mais. Podem bater no peito e nos pulmões: são ex-fumantes.

Pra todos eles renascem olfato, paladar, fôlego e diminuem as chances de muitos tipos de câncer. Sem imprevistos, vão viver mais e melhor.

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Lembro do meu primeiro maço e não esqueço do último. A eles.

No dia de meu aniversário de 15 anos entrei no boteco da dona Isaura. Fui na dobradinha de Hollywood com Caracu. Voltei pra casa um pouco tonto e me sentindo adulto.

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15 anos depois, ali por 1991, jogava fora meus últimos cigarros. Arremessei um Carlton quase cheio para o outro lado da rua. Minha namorada na época, mais viciada que eu, ficou furiosa. Levantou da mesa do bar, atravessou a rua como se fosse salvar um bebê afogado, pegou o maço e soltou o esculacho.

“Por que parar assim, com o maço cheio, como você é radical.”

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Acredite, naquela época quem parava de fumar era radical.  

Ela acendeu mais um e jogou com raiva na mesa do bar o maço que eu pensara ter me livrado.

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- Sabe quantos cruzeiros (essa era a moeda) custa um desses?

Novamente, joguei do outro lado da rua. Dessa vez, dei sorte. A água suja que corria na sarjeta encharcou os 16 cigarros e levou o maço qual canoa rio a baixo. (Assim como faltava noção sobre o perigo do fumo, também tínhamos pouquíssima educação ambiental.)

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Apaguei e nunca mais acendi. Faz 33 anos.

Aprendi a fumar sozinho, em banheiros escuros e nas escadas do prédio em que morava. Tossi muito, me queimei várias vezes, quase vomitei.

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livro
Livro. Foto: Reprodução

Na escola, a tarefa principal era treinar tragadas, fazer bolinhas de fumaça e expelir pelas narinas a nuvem fedorenta.

A gente não achava, a gente tinha certeza que as meninas admiravam e prestavam mais atenção aos fumantes. Professores, inclusive o de educação física, também engoliam nicotina e alcatrão com gosto e pose.

Em filmes e novelas galãs e musas tragavam com elegância.

No futebol, Sócrates tinha fama de dar suas pitadas na concentração. Gerson, o Canhotinha de Ouro, fumava sem culpa no vestiário. Zito fumava pelo time todo.

Uma torrente de asneiras tratava o canudo envenenado como amigo: “cigarro faz companhia”, “cigarro emagrece”, “cigarro descontrai”.

Os fumantes mais velhos insistiam, entre acessos de tosse.

- Depois do café ajuda na digestão.

- Com piteira não tem problema.

- Com filtro protege.  

A propaganda nos contaminava com mentiras coloridas: “um raro prazer”, “ao sucesso”, “pra quem sabe o que quer”. 

Meu pai fumava no banho e sem molhar o cigarro. Abria o chuveiro e baforava dentro do boxe. Deixava o cigarro na beira da janela e dava as últimas puxadas enquanto se enxugava.

Até o fim dos anos 1980, fumantes tinham um confortável e exclusivo setor nos aviões. Empesteavam sem culpa também ônibus, cinemas e elevadores.

Hotéis, restaurantes, clubes, todos exibiam coleções de cinzeiros, que as pessoas levavam pra casa. “É só uma lembrancinha,” murmuravam com a cara de pau e a brasa entre os dedos.

Num Roda Viva do século passado, dois jornalistas contestavam o então prefeito de São Paulo. O político defendia a lei que proibiria o fumo em locais fechados e os entrevistadores discordavam. Diziam que a decisão era individual.

Gente séria e inteligente pensava assim naqueles tempos.

A lei passou pra sorte de todos, em especial das crianças e pessoas com alguma doença. Cidadãos desprotegidos que morriam aos poucos com a fumaça dos outros.

Esse cronista acredita que o carro é o cigarro de antigamente. A vida sobre quatro rodas prometia liberdade, rapidez, conforto. Pro comboio de lata passar, desfiguraram nossas cidades com viadutos, túneis e vias expressas. Tudo para o automóvel, quase sempre dirigido por um solitário

Hoje, a frota gigantesca nos leva de um congestionamento a outro, castiga pulmões e ouvidos. Assalta seus defensores com impostos, seguros e preços absurdos, mesmo quando o veículo está parado.

Carro é filho da preguiça e, como o tabaco, mata. A gente pode escolher se pelo sedentarismo, poluição, acidente ou estresse.

Ex-fumante e ex-motorista, uso o transporte público há quase dez anos. Fora do horário de pico, ônibus e trens dão conta do recado. Nós, os passageiros, lemos, conversamos e vemos o mundo passar pela janela, enquanto ajudamos a cuidar da saúde da nossa cidade. Sem contar que muitas vezes chegamos na frente.

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