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Marcelo Gruman

Doutor em Antropologia Social (MN/UFRJ); especialista em Gestão de Políticas Públicas de Cultura (UnB); atualmente é administrador cultural da Funarte/MinC

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Bye bye, Brasil

De repente, sinto alguma coisa bater em mim e, por reflexo, consigo segurar o telefone sem deixá-lo cair ao chão. Quando dou por mim, percebo que havia acabado de sofrer uma tentativa de assalto por um "menor em situação de vulnerabilidade social"

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Então tá. Vinha caminhando de volta do trabalho por volta de seis e meia da noite, noite porque nesta época do ano o céu já está escuro e, no escuro, todos os gatos são pardos. Falava com meu pai ao telefone celular, no dia seguinte era feriado e combinávamos uma visita do Miguel à casa dos avós. De repente, sinto alguma coisa bater em mim e, por reflexo, consigo segurar o telefone sem deixá-lo cair ao chão. Quando dou por mim, percebo que havia acabado de sofrer uma tentativa de assalto por um "menor em situação de vulnerabilidade social", que passava ao meu lado numa bicicleta assessorado por outra vítima da sociedade, também devidamente "bicicletado".

Certo da impunidade, olhavam para trás com um sorriso à Monalisa nos lábios e eu, meio estupefato, também os encarava com os braços abertos como quem pergunta "Por quê? Para quê? Pelo simples gosto de roubar?". Claro, ou alguém acredita que o pobre diabo venderia o aparelho para comprar uma cesta básica pra mãe desempregada? Minha vontade era sair correndo atrás dos delinquentes, enchê-los de porrada pelo simples prazer de enchê-los de porrada, se eles têm direito de roubar pelo simples prazer de roubar eu tenho direito de esculhambá-los, assessorado por quem também quisesse participar da brincadeira, a covardia que venta lá, venta cá. Mas o medo de tomar um tiro e deixar Miguel órfão de pai falou mais alto, ademais tinha a certeza de que não seria assessorado por ninguém, cada um sabe de si e Deus (para quem acredita) por todos.

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A cidade do Rio de Janeiro está entregue às baratas, e a responsabilidade não é exclusiva dos desgovernantes corruptos e incompetentes, é compartilhada com animais travestidos de habitantes com certos traços humanos. Já não basta caminhar por calçadas esburacadas e cobertas de tudo quanto é tipo de dejeto, do papel de bala ao escarro, passando por garrafas de vidro estilhaçadas porque os beberrões não conhecem um equipamento público chamado lixeira, colocando em risco as crianças que brincam de bola ou andam de skate; escapar da morte ao atravessar a faixa de pedestres transgredida pelo motorista desavisado das leis de trânsito porque não frequentou as aulas da autoescola e pagou um "faz-me rir" para ter a carteira de habilitação sem ter de passar pela aporrinhação da burocracia do Estado que qualquer cidadão teria a obrigação de passar; participar involuntariamente de uma verdadeira corrida de obstáculos quando chove, e não precisa ser um dilúvio bíblico não, evitando bueiros transbordando merda para tudo quanto é lado; ser obrigado a cobrir-se de repelente porque, consequência da inépcia da administração pública e da ignorância e falta de senso de responsabilidade com o outro, total falta de consciência cidadã dos moradores da cidade, um mísero mosquito pode te derrubar por dias a fio, com sorte, ou te levar para o cemitério, com azar; depender de um transporte público de quinta categoria, cuja malha é de fazer corar padre de batina; aguentar o mau-humor e falta de princípios básicos de civilidade dos outrora (e ainda, por muita gente ingênua) conhecidos por sua amabilidade e acolhimento; depender da rede de saúde privada, ela mesma deixando muito a desejar, porque o sistema público está falido; depender da rede privada de ensino, porque a rede pública é uma piada de mau gosto; estar pronto para ser passado para trás, porque impera mesmo é a lógica do "levar vantagem em tudo"; não ter a liberdade de ir e vir, porque não se sabe se ao ir, se vai voltar. Falar ao telefone, no espaço público, agora é perigo de morte.

Para uns, sou fascista. A classe média é fascista. Para outros, sou coxinha. É verdade, prefiro coxinha à mortadela, mas gosto não se discute, se lamenta. A culpa da situação em que vivemos é minha e de meus asseclas, dos golpistas e conspiradores. Não serve de muita coisa saber que o Brasil é o país do futuro, porque vivemos no presente e o presente é escabroso. E não adianta ter esperança, dizer que temos de lutar, que a acomodação e a resignação não levam a lugar algum. Isso aqui já era. O noticiário é, na verdade, uma mistura de crônica policial e casos de corrupção e roubalheira endêmica e institucionalizada. A qualidade de vida se deteriora paulatinamente, e isto porque falo do trono dos afortunados da classe média, sorry periferia. Se não há presente, como haverá futuro? A descoberta desta terra foi um erro, lamento pelos povos autóctones. Miguel não será feliz aqui, tenho certeza disso. A melhor saída, como disse Tom Jobim (ao menos lhe é atribuída a frase), é o aeroporto do Galeão e no estilo "dando banana" do inesquecível Marco Aurélio, interpretado por Reginaldo Faria. Afinal, nesta terra de ninguém, Vale Tudo.

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