Castro mãos de sangue
Que não nos acostumemos ao barulho das sirenes de políticos oportunistas em vez do som das soluções
Alguém minimamente inteligente neste país - o que, de saída, exclui aqueles que acham que a Terra é plana - acredita que a operação desastrada da última terça-feira no Rio de Janeiro fará cócegas na estrutura do crime organizado? Que a morte de mais de uma centena de pessoas, entre elas inocentes - e aqui é sempre essencial registrar: policiais enviados para a morte pelo governador Cláudio Castro e moradores sem qualquer envolvimento com o crime, atingidos pela morte que lhes foi imposta pelo mesmo governador - reduzirá o tráfico ou a violência no estado?
É óbvio que não. E Cláudio Castro sabe disso. É impossível que sua convivência com figuras como o ex-deputado TH Joias - aquele flagrado deitado em uma cama milionária, preso sob acusação de ser “relevante membro do Comando Vermelho” e de facilitar a lavagem de dinheiro para chefes do tráfico, além de intermediar venda de armas, munições e drogas para facções do Rio e de outros estados - não lhe tenha ensinado nada.
Enfrentar organizações criminosas passa, necessariamente, por asfixia financeira, quebra de logística e inteligência integrada. O dinheiro não está no morro, na casa dos pretos, do pobre, mas no asfalto: em imóveis de luxo, laranjas bem-vestidos, empresas de fachada, bancos, fintechs e cadeias logísticas que fazem o dinheiro sujo circular. O tráfico de drogas é só uma fatia do negócio; milícias, grilagem, extorsão, controle de serviços, contrabando e fraudes diversas compõem um portfólio que se espalha por vários setores da economia, da bebida, passando pelo cigarro e imóveis. Operações meramente bélicas, sem investigação patrimonial, viram espetáculo: alto custo humano, baixa eficiência estratégica.
A operação de terça-feira escorregou ainda na linguagem, com o uso de “narcoterrorismo” - termo que serve mais à retórica do extremismo do que à precisão técnica. Terrorismo é conceito jurídico e político específico; colá-lo ao narcotráfico vira atalho para justificar agendas políticas e, historicamente, até intervenções externas em nosso continente, sob pretextos “securitários” e interesses econômicos nada disfarçados.
Não é aceitável que a parte lúcida da sociedade assista a isso como se fosse normal. O que houve no Rio não foi política séria de segurança pública - que é necessária e urgente. Foi um show: 2.500 agentes empurrados para a linha de tiro, comunidades inteiras sob mira, nenhuma cadeia financeira desarticulada, nenhuma liderança estratégica capturada com lastro probatório robusto, nenhum mecanismo de reposição criminosa efetivamente interrompido. Pesquisa após pesquisa em segurança pública no Brasil já mostrou que operações letais sem inteligência nem ocupação social não reduzem o crime de forma sustentada e, muitas vezes, pioram indicadores no curto prazo por efeito de revide e reorganização criminal.
Se quisermos mudar o enredo, o caminho é outro: integração federativa, bases de dados unificadas, rastreabilidade de armas e munições, investigação financeira com confisco de bens, controle de fronteiras e portos, inteligência penitenciária, presença permanente do Estado com serviços públicos e urbanismo, metas auditáveis e transparência. Sem isso, repetiremos a mesma coreografia trágica - manchete hoje, luto amanhã, e o crime contando o dinheiro no dia seguinte.
Como diz a canção, “eu só peço a Deus que a dor não me seja indiferente”. Que não nos acostumemos ao barulho das sirenes de políticos oportunistas em vez do som das soluções.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




