China e América Latina: parceiras em uma nova era compartilhada
A parceria sino-latino-americana poderá servir de modelo ao mundo: uma parceria não de conveniência, mas de convicção
Em todo o Sul Global, as nações estão encontrando causas comuns na abertura, sustentabilidade e reforma. Do fortalecimento das relações comerciais com Brasil e Argentina a uma nova e confiante fase de integração com a China por meio das indústrias verdes, da transformação digital e da conectividade Sul-Sul, o mundo em desenvolvimento está desenhando um novo mapa de cooperação. Um exemplo marcante dessa transformação é a oitava Exposição Internacional de Importação da China, onde os países latino-americanos se destacam como protagonistas, refletindo seu papel crescente nessa parceria em evolução.
Há poucos meses, chanceleres e chefes de Estado de todo o continente se reuniram em Pequim para a 4ª Reunião Ministerial do Fórum China-CELAC, que marcou o 10º aniversário do mecanismo. O discurso principal do presidente Xi Jinping e a presença de líderes como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o colombiano Gustavo Petro e o chileno Gabriel Boric sinalizaram uma convicção compartilhada: a relação entre a China e a América Latina amadureceu de uma cooperação pragmática para uma parceria de longo prazo.
O encontro resultou na Declaração de Pequim e no Plano de Ação Conjunto China-CELAC (2025-2027), abrangendo mais de 100 projetos em energia limpa, economia digital, agricultura, comércio, infraestrutura e educação. Foram anunciadas também uma linha de crédito de 66 bilhões de yuans (US$ 9,23 bilhões) para o desenvolvimento regional e o início da isenção de vistos para cidadãos de cinco países — Brasil, Argentina, Peru, Chile e Uruguai — a partir de junho de 2025. São medidas que evidenciam uma parceria multidimensional, baseada em tecnologia, sustentabilidade e intercâmbio entre os povos.
Indústria verde e modernização regional
Essa nova energia é visível no Brasil. Em São Paulo, durante a conferência do Conselho Empresarial Brasil-China, empresários e autoridades discutiram investimentos em mobilidade verde, infraestrutura digital e reindustrialização. Em Bahia, a BYD iniciou a montagem do primeiro carro elétrico Dolphin Mini produzido localmente. Em Iracemápolis, a Great Wall Motors investe em um polo de veículos híbridos — exemplos concretos de uma transição industrial verde.
Em Lima, o chanceler peruano Elmer Schialer Salcedo apresentou com entusiasmo o megaporto de Chancay, projeto que reduzirá em até 12 dias o tempo de transporte marítimo e aproximará a América Latina das cadeias produtivas asiáticas. Essa visão expressa um sentimento comum na região: conectar, comercializar e modernizar com soberania.
Um novo modelo de desenvolvimento
Da triângulo do lítio — entre Argentina, Bolívia e Chile — aos portos do Peru e corredores tecnológicos do México, empresas chinesas e locais estão investindo em energia eólica e solar, agrotecnologia inteligente e logística impulsionada por inteligência artificial. Gigantes como Huawei e Alibaba Cloud estão ajudando a construir a infraestrutura digital da região, enquanto a cooperação financeira — incluindo liquidações em moedas locais e compensação em renminbi (RMB) — reforça a estabilidade macroeconômica.
Esses avanços mostram que as relações sino-latino-americanas estão superando o paradigma tradicional de “comércio + infraestrutura”, evoluindo para uma parceria abrangente de modernização sustentável. Ambas as partes reconhecem que, num mundo volátil, o crescimento deve se apoiar na abertura, resiliência e responsabilidade compartilhada.
Cooperação civilizatória e inclusão
O novo plano conjunto menciona uma “parceria de civilizações”, conceito que reflete um propósito mais profundo: conectar não apenas bens e capitais, mas também ideias, culturas e formas de governança. Essa visão promove uma cooperação inclusiva, regional e estratégica.
Com mais de 3.500 bolsas de estudo, 10 mil oportunidades de capacitação e 300 intercâmbios partidários previstos, uma nova geração de líderes latino-americanos e chineses passará a compreender melhor as realidades de ambos os lados do Pacífico.
O Sul Global mais confiante
O fortalecimento dessa relação reflete também uma nova confiança do Sul Global. A China anunciou que deixará de reivindicar tratamento especial e diferenciado em futuras negociações da OMC — gesto que reafirma sua força econômica e seu compromisso com regras mais justas, sem abrir mão de sua condição de país em desenvolvimento e de sua solidariedade com outras economias emergentes. Na América Latina, cresce a mesma aspiração: ter voz e peso proporcionais ao seu potencial na reformulação das instituições internacionais.
Uma agenda de futuro
Para transformar essa visão em resultados concretos, seis áreas demandam atenção imediata:
- Infraestrutura e conectividade — ampliar portos, rodovias, redes elétricas e o corredor ferroviário entre São Paulo e Rio de Janeiro, encurtando as cadeias produtivas com a Ásia.
- Inovação financeira — expandir o uso de moedas locais e fortalecer os bancos de compensação em RMB em São Paulo, Buenos Aires e Santiago.
- Transição verde — aprofundar as parcerias em energia renovável, mobilidade elétrica e hidrogênio verde, tornando a América Latina líder em industrialização sustentável.
- Economia digital e IA — promover cooperação em 5G, computação em nuvem, robótica e fintechs, garantindo que os benefícios da inovação cheguem a todos os setores.
- Diálogo acadêmico e de think tanks — consolidar fóruns permanentes, como o entre o Centro para a China e a Globalização, o CEBRI e o Conselho Empresarial Brasil-China, para desenvolver políticas baseadas em pesquisa e entendimento mútuo.
De uma relação comercial a uma parceria de convicção
Há meio século, a relação entre a China e a América Latina se resumia a trocas de soja, cobre e delegações de amizade. Hoje, envolve veículos elétricos, pesquisa em inteligência artificial e financiamento para o desenvolvimento. À medida que novos projetos China-CELAC se concretizam e que líderes como Javier Milei se preparam para visitar Pequim, as duas regiões se aproximam em torno de valores comuns: inovação, sustentabilidade e benefício mútuo.
O Pacífico, que antes dividia, agora une. Se Brasil, Argentina, Peru e Chile aprofundarem suas vocações — indústria verde, inovação agrícola, conectividade e transição energética — a parceria sino-latino-americana poderá servir de modelo ao mundo: uma parceria não de conveniência, mas de convicção.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




