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Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva: economista, pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY), com Mestrado na PUC-SP, e doutor em História Econômica pela USP

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Colaboracionismo e Dominação III

Os limites do poder imperial

Representação do trabalho escravo no porto colonial brasileiro, com engenhos e navios ao fundo (Foto: Gerada por IA/DALL-E)

A experiência brasileira mostrou que o poder externo só se sustentava graças a redes locais de colaboração. Esse padrão se repete em diferentes impérios: a dominação nunca se estabelece apenas pela força, mas pela capacidade de construir alianças estratégicas com elites locais que detêm poder político, militar e econômico.

Na Índia, o controle britânico não começou por um interesse colonial direto, mas por circunstâncias dinásticas: Catarina de Portugal casou-se com o rei da Inglaterra, levando Bombaim como dote. A partir dessa concessão política, os britânicos precisaram converter a posse em domínio efetivo sobre um território complexo. Para isso, estabeleceram alianças com marajás e seus exércitos, que detinham autoridade sobre vastas regiões, controlavam tributos e comércio interno e comandavam forças militares próprias. A colaboração desses marajás era indispensável; sem ela, os britânicos não teriam capacidade de manter segurança, arrecadação e administração. Produtos estratégicos como o índigo blue e o chá tornaram-se centrais, e a produção dessas mercadorias dependia da cooperação ativa das elites locais, negociando concessões e autonomia limitada para converter a dominação formal em um sistema funcional.

Na América do Norte, os produtores de algodão e tabaco desempenharam papel equivalente. Não eram meros subordinados: eram parceiros econômicos essenciais, cujas plantações e redes comerciais garantiam o fluxo de riqueza para Londres. Ao mesmo tempo, sua autonomia crescente gerou tensões com a metrópole, culminando na ruptura das treze colônias. Aqui, como na Índia, a colaboração era indispensável, mas continha em si a semente da resistência.

No Império Otomano, a dominação dependia de governadores provinciais, líderes tribais e comerciantes influentes. O sultão confiava a eles arrecadação de tributos, recrutamento militar e manutenção da ordem. A autonomia concedida aos colaboradores era limitada, mas necessária para a estabilidade interna; quando essas elites se fortaleciam ou se opunham ao centro, revoltas e crises surgiam.

Na China, a situação era diferente: a economia já era industrializada, e a balança comercial com a Inglaterra era superavitária, tornando inútil impor um modelo de mercado cativo como o da Índia ou das colônias americanas. Os britânicos centralizaram a produção de papoulas na Índia e exportaram o ópio para a China, criando uma relação coercitiva que não envolvia colaboração interna chinesa. A falta de alianças locais levou a resistência e às Guerras do Ópio, evidenciando que a dominação sem colaboração é insustentável.

Roma exemplifica o mesmo padrão em outro contexto histórico. A pax romana dependia de governadores provinciais, exércitos auxiliares e elites locais integradas ao sistema romano. A dominação era eficiente enquanto essas redes colaborativas funcionavam, mas a autonomia local podia transformar-se em desafio, levando a revoltas.

Portanto, a própria necessidade de colaboração é o limite estrutural da dominação. O colaboracionismo é a força invisível que sustenta o império, mas também define sua fragilidade: impérios não são eternos, porque depender de atores locais sempre implica riscos. Brasil, Índia, América do Norte, Império Otomano, China e Roma ilustram um padrão histórico universal: a dominação é sempre um equilíbrio instável entre colaboração e coerção, e a formação de elites locais, embora necessária, cria tensões que nenhum império consegue eliminar completamente.

Esse padrão evidencia uma lógica estrutural: o poder central, por mais absoluto que se julgue, nunca pode prescindir do assentimento e da cooperação das elites locais. Ao mesmo tempo, qualquer esforço de controle excessivo ou repressão direta tende a gerar resistência, mostrando que a vida de um império está condicionada à habilidade de negociar permanentemente com aqueles de quem ele precisa para governar.

No próximo capítulo, exploraremos o papel dos ruralistas e da Faria Lima na pretendida permanência da dominação estadunidense do Brasil.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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