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Alex Solnik

Alex Solnik, jornalista, é autor de "O dia em que conheci Brilhante Ustra" (Geração Editorial)

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Comedores de terra

"A história do genocídio que abalou o Brasil"

Comedores de terra

Capítulo 13

Quando acontece um caso como esse, com sangue, polícia, governo, ouro, tudo em profusão, todo tipo de repórter pinta na área. Tem aquele mau caráter, como o Chuck Tatum, personagem de Kirk Douglas n’ “A Montanha dos Sete Abutres”, um repórter decadente que descobre um acidente numa mina e faz de tudo para adiar o salvamento da vítima para continuar nas manchetes.

Tem também, é claro, aquele repórter que não sai do quarto do hotel, mas manda para o jornal um texto como se estivesse no front da guerra. E tem os repórteres mesmo, de verdade, em busca de esclarecer os fatos, procurar todos os ângulos da questão, que dão a vida pela notícia. 

A competição é  acirrada, sobretudo numa grande cobertura como essa. São tubarões disputando a mesma presa. Quem dá a notícia primeiro leva o grande prêmio. Dar em segundo lugar é o mesmo que dar em último. Cabeças podem rolar. 

Um repórter não pode levar “furo” do colega do jornal concorrente. Essa é a lei da selva. Se algum fato novo sai primeiro na “Folha de S.Paulo”, a chefia do “Estadão” come o rabo do seu correspondente. E vice-versa. No Rio, dava-se o mesmo entre O Globo e o Jornal do Brasil. 

Um repórter não identificado, a serviço da “Tribuna da Imprensa”, do Rio de Janeiro, puxa conversa com um taxista enquanto faz a corrida do aeroporto ao hotel.

   “E aí, dá pra ficar rico com o garimpo”?, pergunta.

 José Raimundo (ou Zezão) conta que mudou da Paraíba para Roraima em companhia do pai. Andou 13 dias a pé pela selva. Em pouco tempo, juntou 1,7 quilo de ouro. Deu para comprar uma casa em Mossoró e outra em Natal. E ainda sobrou para o carro de praça.  

Quem deu primeiro o massacre de Haximu foi a “Folha de São Paulo”, dois dias depois da carta da Irmã Aléssia, a 19 de agosto de 1993. 

“Funai acusa massacre de Yanomamis” dizia a manchete. “Pelo menos 19 índios Yanomamis foram assassinados na reserva em Roraima, anunciou a Funai. A Folha entrevistou, via rádio, um dos sobreviventes, o índio Antônio, 25. Ele contou que dez crianças, cinco mulheres e dois homens foram mortos e tiveram braços, pernas e cabeças cortadas por garimpeiros. O ataque, segundo Antônio, ocorreu há quatro dias. Em Brasília, o presidente da Funai, Cláudio Romero, disse que os garimpeiros fizeram represália à operação que tenta expulsá-los da reserva. O representante dos garimpeiros, José Altino Machado, atribui as mortes aos próprios índios”.

O enviado especial da Folha de S.Paulo, Efrém Ribeiro, consegue chegar ao local do crime.  “Parece ter havido bombardeio”, relata. “Panelas e frigideiras com marcas de balas e cartuchos que não foram detonados espalhados pelo chão. Balas de espingarda calibre 12 e 23 e de revólveres calibre 38. Um esqueleto e um crânio. Vegetação destruída, indício de ter sido pisoteada por muita gente”.   Em Homoxi, a 600 km de Boa Vista, o garimpeiro Antônio Pereira Aurélio, 36, tenta convencer o correspondente da Folha que índios e garimpeiros vivem numa boa, tanto é que um índio o chamava de ‘meu pai’”. A conversa segue amistosa, até que o fotógrafo faz menção de fotografá-lo. Ele pega a espingarda e aponta para ele:  “Tira foto que lhe meto um chumbo na barriga porque vocês repórteres só fazem falar que a gente maltrata índio”.   A Folha de Boa Vista de sexta-feira, 20 de agosto de 1993 já aponta o culpado, antes da polícia investigar e da Justiça julgar:

   “Grupo liderado por João Neto matou os Yanomamis”

“Fontes fidedignas garantem que o motivo alegado para o crime é o de que os índios guiavam a Guarda Nacional Venezuelana contra o  grupo de garimpeiros. Segundo as primeiras informações, no mês de junho um índio matou um garimpeiro a flexada (sic), contribuindo para aumentar o ranso (sic) dos garimpeiros. Informações garantem que o episódio aconteceu quando João Neto deslocou-se para Boa Vista. Aproveitando a ausência do líder, os garimpeiros decidiram matar os índios. Os Yanomamis foram mortos no dia 7 de agosto. Os informes iniciais garantem que ainda não pode ser precisado o número de chacinados”.  A rapidez é quase sempre inimiga da perfeição, e a consequência da velocidade acima dos limites é que cada veículo publica um número diferente de vítimas, motivações e suposições e de datas. Nenhum outro jornal falou em flechada. Essa história da Guarda Nacional da Venezuela ninguém mencionou, nunca foi provada. Mas, naquela urgência de dar primeiro, antes que o concorrente dê, papel aceita tudo.   Os moradores de Roraima são surpreendidos por um estranho anúncio, no intervalo do Jornal Nacional, o telejornal da Rede Globo de maior audiência no país e o minuto mais caro da televisão brasileira. O locutor, em off, chama o chefe da Funai, Cláudio Romero de “insano” e acusa o bispo Dom Aldo Mogiano de ter inventado o massacre. O cheque de Cr$95 mil para pagar o espaço comercial foi assinado pelo garimpeiro João Alberto Dias, comerciante de máquinas agrícolas.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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