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Ivan Guimarães

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Como produzir chips no Brasil

Governo deve retomar política industrial inspirada em Vargas e Lula para garantir soberania tecnológica e aproveitar oportunidades geopolíticas

Funcionária trabalha na linha de produção de uma empresa de chips semicondutores em Suqian, província de Jiangsu, China, 28 de fevereiro de 2023 (Foto: China Daily via REUTERS)

Na confusão causada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro para achacar o país, algumas ações não foram bem compreendidas. Como, por exemplo, aquelas dirigidas a privar nosso país de produzir localmente os semicondutores que sua indústria necessita, especialmente para a produção de automóveis e caminhões. Isso criaria um caos logístico, que é o que ele busca.

Chips são fundamentais na produção industrial contemporânea. As tecnologias de produção são razoavelmente conhecidas, ao menos no design e processamento. Mas o ciclo completo custa bilhões e somente grandes grupos industriais possuem essas plantas industriais. No Brasil existem pequenas plantas, que fazem partes do chip e – algumas – seu fechamento.

No tarifaço, os chips oriundos dos EUA passaram a custar 50% a mais, e a exportação dessa tecnologia desapareceu da agenda. O contragolpe chinês veio a seguir, proibindo a exportação de chips, em defesa da “indústria nacional” (a deles).

Nesse cenário, sem qualquer alarde, a indústria automotiva brasileira preparava-se para um cenário semelhante ao ocorrido durante a pandemia. Mas, na última sexta-feira, o governo chinês explicitou sua posição, afirmando que grupos industriais instalados no país terão seus pedidos atendidos, mesmo para fábricas localizadas em outros países.

Se ao ler esse texto você teve uma sensação de déjà vu, saiba que não foi o único. É assim que os países agem, cuidam de seus interesses. E, a meu ver, é assim que o Brasil deve agir.

Não basta dinheiro para desenvolver o país. Nossa história ensina isso. É preciso aproveitar as brechas políticas. Vargas jogou muito antes de declarar apoio aos aliados, celebrando com os EUA acordos que cediam 25.000 soldados, a base aérea de Natal, o acesso a produtos agrícolas, especialmente o acesso ao látex usado para fabricação de pneus de aviação e, discretamente, a “minerais estratégicos”. Em troca, recebeu a tecnologia de produção do aço (através da CSN) e outros investimentos em mineração e logística, investimentos americanos na borracha amazônica, para substituir a borracha asiática, essencial para pneus de aviões. E nos minerais estratégicos, assunto tratado com muito sigilo.

Por trás dessa fachada de interesses de guerra, os EUA tiveram livre acesso às jazidas de minerais do país, em particular as de cristais de quartzo, fundamentais para todos os aparelhos de radiocomunicação. Eles foram levados de avião, às pressas e em grandes quantidades, para fábricas nos EUA, onde se transformaram em moduladores de frequência, o “cérebro” do equipamento.

No período da guerra, os rádios comunicadores definiram a sorte de batalhas, integrando navios, aviões, bases em terra, tropas e tanques. Quando portáteis, eram chamados de walkie-talkies, e foram fundamentais para a vitória aliada, integrando tropas de infantaria. Permitiam que os comandantes estivessem informados sobre seus adversários e orientassem seus soldados.

Essa aposta nos rádios foi um dos maiores acertos estratégicos dos aliados. E os historiadores militares o consideram a mais importante arma dessa guerra. Não só pelos rádios, mas por toda a tecnologia desenvolvida, como a dos radares. Os cristais de quartzo brasileiros foram a base da indústria de transmissão de dados dos EUA. Na guerra, foram produzidos 60 milhões de rádios militares SCR-300, pela Galvin, atual Motorola. E estavam presentes no radar SCR-584, primeiro radar de alta precisão para abater bombardeiros.

Nesse momento em que o governo dos EUA tem interesse nos minerais estratégicos brasileiros, é preciso negociar. E uma fábrica local com a tecnologia completa da fabricação dos chips pode cumprir um importante papel. Essa é uma meta política que, acredito, o governo pode abraçar. Através do BNDES já houve significativos investimentos no Rio Grande do Sul, no CEITEC, que vem formando profissionais altamente especializados. E, diferentemente do habitual, aqui as indústrias devem participar da gestão.

Esse tipo de política industrial está ao alcance do país hoje. Resta ter a ousadia de Vargas ou, melhor ainda, a de Lula, que vem tendo sucesso em suas políticas moderadas e abrangentes.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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