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Augusto Taglioni

Jornalista argentino

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Condenado

Hoje, temos um STF fortalecido, Forças Armadas em silêncio, envergonhadas e sem papel político, e Lula crescendo nas pesquisas. Enquanto isso, Bolsonaro chora

Ex-presidente Jair Bolsonaro em sua casa em Brasília onde cumpre prisão domiciliar - 03/09/2025 (Foto: REUTERS/Diego Herculano)

27 anos e três meses de prisão. Uma condenação exemplar que marca um marco na democracia brasileira e latino-americana. É o preço de brincar no limite, flertar com a ruptura da convivência democrática e deixar circular ideias como o fechamento do Congresso, a fraude eleitoral ou mesmo a implementação direta de um golpe de Estado.

É natural focarmos no que ocorreu após a vitória de Lula em outubro de 2022. Foi ali que se concentrou a investigação da Polícia Federal, que resultou na condenação anunciada nesta segunda-feira.

Mas é preciso retroceder no tempo. Bolsonaro sempre se apresentou como o ex-capitão do Exército defensor da ditadura militar e não demonstrou respeito pelas vítimas da tortura. Não hesitou em exaltar o torturador de Dilma Rousseff. Quase dez anos depois, ele está preso e ela preside o Banco dos BRICS, com crescente influência global.

Durante seu governo, tanto ele quanto seus aliados — especialmente o filho Eduardo Bolsonaro — foram os primeiros a afirmar que tinham condições de fechar o Congresso e intervir no Supremo Tribunal Federal. As bravatas foram constantes.

O segundo semestre de Bolsonaro

As manifestações se tornaram outra tribuna de provocações. Bolsonaro jamais desautorizou o pedido de seus apoiadores para retomar o Ato Institucional Número Cinco (AI-5), decreto que concedeu poderes ditatoriais durante a ditadura militar e que levou tanques à Praça dos Três Poderes como demonstração de força. Sempre, ao recuar, fazia a ressalva de que se movia “dentro das quatro linhas da Constituição”.

Exemplos não faltam, mas o essencial é isto: as ameaças atravessaram todo o seu mandato. O que aconteceu antes, durante e depois das eleições foi apenas a conclusão desse processo. Fake news sobre o sistema eleitoral, a recusa em reconhecer os resultados das urnas e um plano golpista alimentado por quatro dias de silêncio ensurdecedor após a derrota no segundo turno, que culminou na invasão de Brasília.

Bolsonaro foi a porta de entrada para os militares no centro do poder do Estado, em uma reivindicação que as Forças Armadas encararam como vitória histórica, ao se verem como garantidores da Constituição e moderadores da democracia brasileira.

Condenado

Os militares decidiram, planejaram e evitaram que o governo Bolsonaro colapsasse no auge da pandemia. Ao mesmo tempo, acreditaram-se invencíveis e acabaram envolvendo uma instituição de grande prestígio em um plano golpista que deixou uma mancha indelével difícil de apagar.

Para as Forças Armadas, ter oficiais condenados é uma desonra, motivo pelo qual não há qualquer apoio público nem a Bolsonaro, nem a dois de seus pesos pesados: o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e o ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice, Walter Souza Braga Netto. Foram entregues porque entraram em um jogo que nunca deveriam ter jogado.

A condenação é também uma derrota categórica para o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que não conseguiu fazer ninguém recuar na decisão de mandar Bolsonaro à prisão. Tarifas e sanções apenas ativaram o estilo soberanista brasileiro e alimentaram uma potência disposta a enfrentar pressões externas. Até quando Trump seguirá sustentando a cruzada de Eduardo Bolsonaro é um dos grandes mistérios da humanidade.

Eduardo mantém o mesmo discurso e chega a propor que as Forças Armadas dos Estados Unidos invadam o Brasil para resgatar o pai.

O dia seguinte

Pensando no pós-condenação, a direita é quem enfrenta as maiores dificuldades. O governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas, é o preferido do establishment político e de grande parte do Partido Liberal, que deseja virar a página e apostar em uma candidatura competitiva.

Mas, para isso, é preciso superar o obstáculo da família Bolsonaro, que ameaça sabotar outras candidaturas de direita. Por isso, Tarcísio exagera em seu bolsonarismo para conquistar a bênção, mas não basta: Eduardo quer ser candidato no exílio ou, em última instância, estimular o voto nulo para deslegitimar o processo eleitoral.

Há quem defenda que uma eventual bênção de Bolsonaro a Tarcísio, com o compromisso de indulto, poderia se transformar em dor de cabeça para um eventual governo do paulista.

De fato, os Bolsonaro não querem abrir mão do protagonismo e se dividem entre Eduardo e a ex-primeira-dama, Michelle, apesar da pressão da direita tradicional, que tende a fechar com Tarcísio.

Hoje, temos um Supremo Tribunal Federal fortalecido, Forças Armadas em silêncio, envergonhadas e sem papel político, e Lula crescendo nas pesquisas. O quadro se completa com uma direita fragmentada e sem rumo.

O poder supremo do Brasil

Não há sinais de que a situação se resolva tão cedo, pois o restante do ano será consumido por uma proposta de anistia já nascida morta. Um cenário ideal para Lula e seu governo.

Enquanto isso, Bolsonaro chora. Mas o choro deveria ser de arrependimento por acreditar que poderia brincar com a democracia sem enfrentar consequências. A condenação é a resposta categórica de um sistema que decidiu cortar o mal pela raiz. Uma mensagem clara, que deveria ecoar para além das fronteiras do Brasil.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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