Cúpula da Celac em Honduras é um marco na afirmação do Sul Global e no reforço da multipolaridade
A 9ª cúpula da Celac é a oportunidade para retomar em nível superior a luta pela definitiva independência das nações latino-americanas e caribenhas
Por José Reinaldo Carvalho - Com o lema “Unidos pela Pátria Grande”, realiza-se nesta quarta-feira (9), em Tegucigalpa, capital de Honduras, a 9ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). O encontro marca um momento decisivo na retomada da integração regional e ocorre em um cenário global de crescente questionamento ao protecionismo nas relações econômicas e ao modelo de relações internacionais baseado na força, em imposições e no unilateralismo.
A reunião conta com a presença de chefes de Estado e de Governo de vários países da região, entre eles o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que tem se destacado por sua atuação ativa em fóruns internacionais,em defesa do mundo multipolar e da democrarização das relações internacionais.
A Declaração de Tegucigalpa, expressa o posicionamento comum dos países da América Latina e do Caribe diante de temas centrais para o futuro da região, como a consolidação da soberania, o combate à desigualdade, o fortalecimento da democracia e a busca por uma ordem internacional multipolar e mais equilibrada.
O espírito da cúpula pode ser sintetizado em cinco pilares: integração, soberania, paz, democracia e multipolaridade. Tais princípios expressam o desejo coletivo de superar décadas de fragmentação e interferência externa, pavimentando um caminho de cooperação regional e autodeterminação.
Além de Lula, outros líderes regionais de peso participam do encontro, como Miguel Díaz-Canel (Cuba), Nicolás Maduro (Venezuela), Gustavo Petro (Colômbia), Daniel Ortega (Nicarágua) e a anfitriã Xiomara Castro (Honduras), entre outros.Todos defendem um papel mais assertivo da Celac na geopolítica mundial e o fortalecimento da comunidade como alternativa às instituições tradicionais, frequentemente dominadas pelos interesses imperialistas dos Estados Unidos e da União Europeia.
O caráter multipolar da cúpula torna-se evidente nas principais preocupações já manifestadas anteriormente pelos líderes reunidos em Honduras, que se refletem na agenda adotada, que rejeita a lógica hegemônica de dominação e promove a articulação entre os países em desenvolvimento do Sul Global. Trata-se de uma reafirmação do que a Celac representa desde sua fundação: um mecanismo autônomo, livre da tutela de Washington, em contraste com organizações como a OEA (Organização dos Estados Americanos), historicamente associada à intervenção estrangeira na política interna dos países latino-americanos.
A presidenta hondurenha, Xiomara Castro, declarou que esta cúpula é a prova viva de que nossa região caminha para a segunda independência e já não aceita ser o quintal de ninguém.
No momento em que se reúne a cúpula da Celac e diante das graves ameaças à paz e à segurança coletiva, vale lembrar momentos marcantes da história da organização, como a proclamação da América Latina e Caribe como zona de paz, firmada em Havana, em 2014, durante a 2ª Cúpula. Aquela decisão — resultado da iniciativa da liderança cubana — reafirmou o compromisso com a não intervenção, o respeito à soberania e a solução pacífica de controvérsias.
Referências históricas também estão na memória coletiva dos povos latino-americanos e caribenhos, como José Martí: “De Nuestra América se sabe menos de lo que urge saber”, uma advertência que segue atual diante das tentativas de desinformação e manipulação promovidas por interesses externos.
A própria origem da Celac remonta à insatisfação com os limites do pan-americanismo tradicional e à necessidade de um novo modelo de cooperação. Criada formalmente em 2011, em Caracas, após um processo iniciado em 2008 na Bahia, a organização tornou-se o mais significativo espaço de diálogo e articulação entre os 33 países independentes da América Latina e do Caribe.
A consolidação da Celac como ator global ocorre em um momento de declínio do poder unipolar estadunidense. A ascensão de novos polos de poder, como a China, Rússia, Índia, África do Sul, Irã e outros países do Sul Global, cria um cenário propício para que a América Latina e o Caribe assumam maior protagonismo na formulação de uma nova configuração de forças internacional multipolar, baseada em justiça, equilíbrio e solidariedade.
Ao longo de suas nove cúpulas, a Celac demonstrou capacidade de resistir a retrocessos e de se renovar conforme os desafios contemporâneos. A atual cúpula em Honduras confirma esse papel e sinaliza que os povos da região não estão dispostos a abrir mão de seus direitos, sua soberania e seus projetos de desenvolvimento autônomo.
A frase do líder histórico da Revolução Cubana, Fidel Castro, ressoou nos bastidores da cúpula. O líder histórico da Revolução Cubana dizia que a criação da Celac é o fato institucional mais importante da América Latina em dois séculos de independência. Ao reunir lideranças com visões diversas, mas unidas pelo compromisso com a autodeterminação, a Celac reafirma sua relevância e potencial transformador.
O evento de Tegucigalpa, portanto, vai muito além de um encontro diplomático. Ele representa um passo firme na consolidação de um projeto de futuro baseado na unidade latino-americana, no respeito às diferenças e na construção conjunta de um destino comum — um destino livre das amarras do imperialismo, voltado para a paz, o progresso social e o protagonismo popular.
A Cúpula da CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) representa um marco significativo na afirmação do Sul Global e no fortalecimento da multipolaridade.
Este evento evidencia a crescente disposição dos países da região em desempenhar um papel proativo na política internacional com base na soberania, autodeterminação e cooperação Sul-Sul. A CELAC, por reunir todos os países da América Latina e do Caribe sem a presença dos EUA e do Canadá, simboliza a vontade de construir uma agenda própria, desvinculada dos ditames da hegemonia norte-americana.
Num cenário em que potências emergentes como China, Rússia e demais países do BRICS têm se articulado para redefinir as estruturas de poder global, a Celac vem se posicionando como representação latino-americana dessa tendência mundial. O diálogo com esses blocos amplia a densidade política internacional da Celac e marca sua inserção num mundo cada vez mais multipolar e policêntrico.
A realização da Cúpula de Honduras neste momento é uma oportunidade para reforçar um discurso comum entre os países da região de rejeição às sanções unilaterais, ao bloqueio contra Cuba e à interferência nos assuntos internos da Venezuela, Nicarágua e outros países soberanos. Ao rechaçar a ingerência imperialista, a Celac se fortalece como uma plataforma de defesa coletiva do direito internacional e do multilateralismo verdadeiro, em contraposição à lógica das intervenções e imposições vindas das potências imperialistas.
O momento da Cúpula coincide com a presença de governos progressistas em muitos países da região, como Brasil (Lula), Colômbia (Petro), México (Claudia Sheinbaum), Bolívia (Luís Arce), Venezuela (Maduro), Cuba (Díaz-Canel) e Honduras (Castro), todos comprometidos com uma visão anti-imperialista, patriótica e voltada para o desenvolvimento nacional e progresso social. A Cúpula da Celac é mais um estímulo a que esses governos reafirmem as opções que fizeram.
A Cúpula também abre espaço para diálogos com blocos como o BRICS, a União Africana, a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e a Liga Árabe, fortalecendo uma diplomacia intercontinental entre países do Sul Global, que compartilham desafios semelhantes e aspiram a um sistema internacional mais inclusivo, justo e representativo.
A Cúpula da Celac se inscreve, assim, no contexto histórico da luta dos povos do Sul Global por autodeterminação e desenvolvimento soberano. Ao avançar no fortalecimento de suas soberanias, intensificar o diálogo com outros blocos do Sul Global e afirmar sua vocação integracionista e pacífica, a Celac reforça a multipolaridade e desbrava novos caminhos para a ampliação das lutas emancipadoras dos povos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



