De quando eu conheci Tiago Leifert e a miopia meritocrática da direita liberal brasileira
"As ideias e as falas de Leifert são os sintomas mais representativos da racionalidade que permeia toda a atuação da direita liberal nacional"
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Por Cesar Calejon
Após refletir sobre o tema deste artigo, cheguei à conclusão de que valeria a pena redigir sobre o assunto por um motivo pertinente: as ideias e as falas de Tiago Leifert, jornalista e ex-apresentador da Globo, são os sintomas mais representativos da racionalidade que permeia toda a atuação da direita liberal nacional, o que inclui amplas parcelas da “classe média”, toda a alta burguesia e, infelizmente, até algumas camadas mais empobrecidas da população brasileira.
Ou seja, resolvi escrever esses parágrafos não por conta de uma personalidade específica, mas pelo tipo de ideologia que as convicções desta pessoa demonstram no nível estrutural considerando a organização da direita liberal brasileira.
Para os meus propósitos neste artigo, o termo “ideologia” não representa um mero conjunto sistemático e encadeado de ideias ou uma trama simbólica de ideias e valores. Neste contexto, “a ideologia é um ideário histórico, social e político que é utilizado para ocultar a realidade material dos fatos a fim de conquistar e garantir a exploração econômica, a desigualdade social e a dominação política”, conforme a definição da escritora Marilena Chaui.
Recentemente, Leifert disse que preferiria levar um tiro na cabeça do que ser obrigado a votar em Lula ou em Bolsonaro. “Pode atirar. Não dá, essa é a posição solitária, não dá. (...) O Bolsonaro foi muito mal e o Lula não dá. Fez um bom governo em 2002, entendo a figura que ele é, a importância que ele tem, mas não consigo fazer o malabarismo mental de tudo o que aconteceu”, disse o jornalista, que, há alguns meses, protagonizou outra polêmica, desta vez com o ator Ícaro Silva.
Na ocasião, Silva chamou o BBB de “entretenimento medíocre” e Leifert respondeu afirmando, via Instagram, que “(...) não só não te fizemos mal como, provavelmente, pagamos o seu salário”.
Por fim, durante o próprio BBB, Leifert citou a política do Big Stick (Grande Porrete) do presidente estadunidense Theodore Roosevelt Jr.: “(...) tinha um presidente americano de muitas décadas atrás que falava, um dos lemas dele, 'fale manso, mas carregue um grande porrete'. Era só falar manso e carregar um grande porrete, que todo mundo ia automaticamente respeitar você, porque as pessoas sabem da sua força”.
Neste contexto, é fácil compreender a mentalidade de Tiago Leifert. O apresentador enaltece todos os principais argumentos do liberalismo clássico (vitoriano) que embasaram a atual racionalidade neoliberal vigente na maior parte do mundo: na teoria, uma doutrina que luta pela liberdade e pelos direitos individuais, pela igualdade perante a lei, pela proteção da propriedade privada e pelo livre comércio. Na prática, manda quem pode (o pagador do salário), obedece quem tem juízo (os que recebem e precisam dos salários como única forma de sobrevivência). Caso contrário, o grande porrete entra em ação!
Tal miopia meritocrática forma-se por conta, fundamentalmente, dos aspectos acríticos e a-históricos correlatos aos seus respectivos desenvolvimentos.
Para cidadãos como Tiago Leifert, toda a vida foi uma preparação para ocupar os primeiros cargos da sociedade do capital, que lhe pertencem “por direito”. Neste caso, foi o próprio Leifert quem me afirmou este raciocínio.
Em 2004, ambos tínhamos 24 anos. Naquele ano, eu trabalhava para o jornal Imprensa Livre, que cobre a região do Litoral Norte de São Paulo, e Leifert atuava como repórter iniciante da TV Vanguarda, que abrange o Vale do Paraíba e o próprio Litoral Norte do estado.
Após uma matéria sobre a cultura caiçara, durante a qual dividimos a mesma embarcação com um nativo que nos concedeu a entrevista, Leifert sugeriu que tomássemos uma cerveja. Sentados, de frente para o mar, ele me disse que estava no “júnior da rede Globo”, que tinha feito faculdade “fora do país” e já estava com o seu “caminho garantido” dentro da emissora por conta da atuação do seu pai.
Nesta medida, o jovem Tiago Leifert, com apenas 24 anos, já sabia que o mundo conspirava, fortemente, a favor do seu sucesso e das suas pretensões. Qual é o estímulo para que alguém que está navegando absolutamente a favor da corrente desta forma repense os valores históricos que criaram o atual modelo de sociabilidade no sentido de desenvolver uma visão crítica com relação à vida e à própria atuação?
Nenhum, muito pelo contrário: essas pessoas se esforçam para sustentar uma visão de mundo que seja capaz de justificar os seus privilégios, disfarçando-os sob a égide do “empenho”, do “esforço” e do “talento”. Uma miopia meritocrática que, por deliberação ou pura ignorância, procura esquecer que os seus benefícios foram construídos com base em violência, pilhagem e usurpação ao longo dos séculos.
Exatamente por este motivo, Tiago Leifert (e a classe que ele tão eloquentemente representa) afirma que “Lula não dá”, mesmo reconhecendo que o petista “fez um bom governo” e que entende “(...) a figura que ele é, a importância que ele tem”.
Após toda uma vida de confortos, títulos, holofotes, aplausos e privilégios, torna-se impossível reconhecer que o seu sucesso é fruto de um modelo de sociabilidade que massacra a maior parte dos seres humanos.
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