Pedro Benedito Maciel Neto avatar

Pedro Benedito Maciel Neto

Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

202 artigos

HOME > blog

Derby 212, significados e significantes

Derby 212 entre Ponte Preta e Guarani vai além do futebol e se transforma em memória afetiva e símbolo de amor entre gerações

Derby 212, significados e significantes (Foto: Fernando Torres/CBF)

Fui assistir ao derby com meus filhos, é sempre mágico.

Derby (ou dérbi?) é o confronto entre o time lá de baixo, a Associação Atlética Ponte Preta, a minha Nêga Veia, a Macaca Querida de tantos.

O jogo não é apenas um clássico provinciano, é mais que um clássico “da cidade”: é o clássico mais antigo do futebol paulista e um dos mais antigos do Brasil. São mais de 100 anos se enfrentando, já que o primeiro confronto aconteceu no longínquo ano de 1922, ainda no campo da Vila Industrial, bairro operário de Campinas, onde fica a Igreja de São José, meu santo de devoção.

De lá para cá, muita coisa mudou.

Os times se profissionalizaram, ganharam cada vez mais torcida, alcançaram sucesso no cenário nacional e a rivalidade só cresceu.

Um dos jogos mais emocionantes foi a decisão do primeiro turno do Paulistão de 81: as equipes fizeram um jogo eletrizante.

Primeiro, Osvaldo, que depois foi campeão do mundo com o Grêmio, fez um golaço de cobertura para abrir o placar. O time lá de baixo empatou, após um bate-rebate na área, mas o goleiro deles cometeu um erro na linha de fundo e Serginho voltou a colocar a Macaca na frente. Eles empataram novamente com Jorge Mendonça, aquele craque que tomou a posição do Zico na Copa de 1978, mas a Ponte aproveitou uma nova desatenção da zaga deles e Odirlei bateu para fazer o terceiro e garantir a vitória. Como no derby 212, garantimos a nossa ida para uma final de campeonato.

Assisti a esse jogo ao lado do meu pai, pela TV em “preto e branco”, era assim lá em casa.

Há outros tantos dérbis, como o 2 x 2 de 1994, quando o time deles era muito melhor que o nosso; há também os dois 4 x 2 para a Macaca, um lá em baixo e um no Majestoso, em 2002 e 2008.

Hoje não quero escrever sobre estatísticas, até porque, pasmem, ninguém sabe o resultado de uma das partidas. Nem por isso é um jogo sem significado. Vou escrever — ou tentar escrever — sobre afeto transcendente, sobre amor. Vou compartilhar com o leitor tanto a forma material dos fatos e atos, o “significante”, quanto o “significado”, representação mental daquelas duas horas no Majestoso.

No “plano da expressão”, ou do “significante”, o 212 foi um jogo de futebol no qual a minha Macaca Querida fez o suficiente para vencer. O Majestoso estava lindo, cheio, como nos tempos de “Carlos, Jair, Oscar, Polozzi e Odirlei; Wanderley, Marco Aurélio e Dicá; Lúcio, Rui Rei e Tuta”.

Contudo, é no plano do “significado” que esse jogo entra na “prateleira” dos meus grandes jogos, pois eu estava lá com meus filhos, Lucas e Caio. Faltou o Mateus, que nos honrava em uma de suas atividades de formação política e doação de si para tantos.

Por que é tão importante? Porque, além do resultado, pude, no "plano de conteúdo", do conceito mental que o signo representa, observar meus filhos homens adultos, casados, pais, profissionais e cheios de bons amigos que vinham até o camarote do Ítalo Barioni — que nos acolheu com generosidade — apenas para abraçá-los e, em sorrisos eufóricos, reconhecer neles o que sempre desejei para eles: honra, lealdade, amizade e, naturalmente, serem pontepretanos de corpo e alma.

Ir ao campo da Ponte com meus filhos representa não apenas assistir a um jogo de futebol: são as duas horas mais felizes dos meus tantos dias. Não é um ideal, uma representação mental do objeto ou ideia, é a própria realidade, é a certeza de que o que vale a pena são as coisas mais simples. As maiores coisas da nossa vida são as nossas memórias afetivas e o afeto que conseguimos semear em nossas relações e interações sociais.

Juntos, o “significante” e o “significado” formam o signo linguístico, que é a unidade básica de sentido na linguagem — e a linguagem é a força que movimenta, transforma e revoluciona.

A relação entre eles (significante e significado) é arbitrária, ou seja, não há uma conexão natural entre a forma (significante) e o conceito (significado); a associação é estabelecida socialmente. Por exemplo, a expressão "jogo de futebol" (significante) representa um tipo de esporte ou entretenimento (significado), mas o significante varia e, naquele momento, o significante era, para mim, a concretização do amor maior do mundo que sinto pelos meus filhos — por Lucas, Caio e Mateus, pelos homens, cidadãos, profissionais, maridos e pais que se tornaram.

Muita gente me pergunta se o amor de avô é maior que o amor de pai. Eu respondo, sem pestanejar, que amo minhas netas, minhas irmãs e Celinha de forma irrestrita, mas pelos meus filhos eu daria a minha vida. Por isso, o “jogo de futebol” ontem foi mais, muito mais que entretenimento.

Essas são as reflexões.

E.T.: não poderia deixar de registrar que o meu “filho de intercâmbio”, Henrik Sandelin, que vive em Gotemburgo, imediatamente após o primeiro gol da Macaca, postou em suas redes sociais a notícia do gol com alegria e indisfarçada euforia.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.