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Luis Cosme Pinto

Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 61 anos de idade e 35 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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Desculpem o transtorno

Se você pudesse escolher, o bar da sua rua estaria perto ou longe de sua casa?

(Foto: Almir Padial)
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Quem tirou e mandou a foto foi o Almir, leitor e vizinho da casa que vai entrar em obras, na cidade de Santos. Ele detestou o aviso: “DESCULPEM-NOS PELO TRANSTORNO MAS NÃO SE PREOCUPEM, AQUI NÃO VAI SER UM BAR.”

Detalhe, BAR, escrito em letras vermelhas.

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O sobrado de esquina fez história no bairro como quitanda, tapeçaria, depois choperia e também casa de família.

Almir é curioso e descobriu o que vem por aí. Um café chique, que a vizinha já chama de café-gourmet.

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Meu leitor está preocupado porque adora bar e, pra ele, quanto mais perto de casa, melhor.

“Ali na esquina, seria perfeito.” Lamenta.

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Não sou tão apaixonado, mas alguns bares são como amigos, a gente quer sempre por perto. O dia em que conheci o primeiro bar de São Paulo é até hoje inesquecível.

A esquina já era verso e música. Sampa, porém, se mostrava terra estrangeira.  Meu amigo Sergio e eu nem sabíamos direito como tínhamos parado ali, no cruzamento histórico da cidade e da MPB. Ipiranga com São João. Que orgulho.

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Em 1988, a hiperinflação do governo Sarney assombrava o comércio, que rejeitava o cartão de crédito. Pagamento só à vista, com cheque ou dinheiro.

Ainda sem conta no banco, o que tínhamos era o cartão e, aliviados, vimos na parede de mármore a placa dourada informando que ali o dinheiro de plástico era bem-vindo.

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O primeiro chopp paulistano teve o bater de copos, o estalar de línguas e a alegria de dois jovens forasteiros.

Empolgado com a chegada, Sergio sugeriu novos brindes. Vieram infinitas tulipas e os croquetes. Mais elas do que eles.

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Sergio, o Sergio F.C., nem imaginava que a partir daquela tarde de inverno, São Paulo seria a sua cidade.  A dele, a minha, a de nossas famílias.  

O bar e a esquina permanecem vivos como a nossa amizade; resistentes como o velho centro.

Nem todos os botecos têm raízes tão firmes.

Quem diria que as portas altas e de madeira de lei do Supremo iam fechar pra sempre? Bem ali, numa outra esquina de respeito, da Consolação com a Oscar Freire. Pois não só fechou como foi derrubado a golpes inapeláveis de marreta e escavadeira. As janelas escuras, as paredes ocre, tudo pro chão. Que vazio.

Onde hoje se vendem sapatos e bolsas femininas, existia um dos melhores bares e restaurantes do Brasil. Os endinheirados compravam garrafas exclusivas de uísque escocês expostas em prateleiras logo atrás do balcão. Os clientes mais modestos saboreavam caipirinhas deliciosas e chopp bem servido por garçons impecáveis. A feijoada do sábado era suprema e os shows de música no pequeno palco do subsolo, divinos.

Parreirinha, Bar do Davi, padaria Sensação, Bartolo, por que fecharam? Como assim?

Bom de copo, dono de bar, Ricardo Amaral, o antigo Rei da Noite Carioca, surpreendeu o entrevistador num programa de televisão.

- Sabe qual o único ser que aguenta um bêbado?

- O cachorro?

- Não.

- A mãe?

- Mais uma chance.

- O melhor amigo?

- Não, claro que não.

- Quem, então?

- Outro bêbado. Só um bêbado é solidário na manguaça alheia. Tem bêbado que até é engraçado, generoso, mas passa uma hora, uma noite ao lado dele? Bêbado é chato, não tem jeito.

Voltemos à foto. Será que o dono do futuro café confundiu bar com uma reunião permanente de bêbados arruaceiros e quer acalmar a vizinhança?

Na rua em que moro não haveria problema. Um bar vizinho atende de segunda a domingo e durante 24 horas. Isso mesmo, não fecha.

Ali mata-se a fome, acalma-se a sede. Vizinhos se encontram, conversam. O camelô entra e troca dinheiro, o policial carrega o celular, a babá com o bebê no carrinho compra cigarro e isqueiro.

Comenta-se a rodada, sabe-se o resultado do bicho e a televisão muda distrai solitários. Jovens racham litrões. É o bairro inteiro que passa ali, concorda e discorda, se conhece, se informa.

Num sábado desses chega novidade. As mesas da calçada estão juntas, dez homens e mulheres com cavaquinho, tamborim, violão e gogós afinados embalam uma roda de samba e chorinho. Um dos casais rodopia na calçada. Será isso que assusta os vizinhos do Almir? Música no meio da noite, dança no meio da rua?

Pois aqui é antídoto pra zoeira de toda hora. Sofremos com a algazarra das britadeiras de um prédio em construção, com a tortura daquela máquina que desperdiça água nas calçadas, com a deselegância das buzinas.  

A gente acha normal, mas não é, não devia ser.

É noite de sábado, a balbúrdia está de folga. Da calçada sobem as vozes e o ritmo. Pixinguinha, Beth Carvalho, Paulinho. Ao vivo, a cores e de graça. Agora é a música de Dona Ivone Lara que visita nossa sala.

Sylvia me chama, boto uma bermuda e descemos para viver a alegria de ser vizinhos de um bar. Um bar feliz, como deviam ser todos os bares do mundo.

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