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Sara York

Sara Wagner York (também conhecida como Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior) é bacharel em Jornalismo, doutora em Educação, licenciada em Letras – Inglês, Pedagogia e Letras Vernáculas. É especialista em Educação, Gênero e Sexualidade, autora do primeiro trabalho acadêmico sobre cotas para pessoas trans no Brasil, desenvolvido em seu mestrado. Pai e avó, é reconhecida como a primeira mulher trans a ancorar no jornalismo brasileiro, pela TV 247

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Dia Internacional da Memória Transgênero

"A história revela exemplos de pessoas que desafiavam as normas de gênero", escreve Sara York

Marcha Trans em São Paulo (Foto: REUTERS/Carla Carniel)

No dia 20 de novembro, o mundo relembra e homenageia as vidas de pessoas transgênero, não-binárias e de gênero não-conforme que foram vítimas da violência transfóbica. Este Dia Internacional da Memória Transgênero nos convida a refletir não apenas sobre os desafios enfrentados, mas também sobre a força, a resiliência e as contribuições históricas dessas pessoas. É uma data de luta e de lembrança, buscando conscientizar e promover a empatia e a compreensão. 

Historicamente, diversas culturas e religiões reconheceram e acolheram pessoas de identidades de gênero diversas, mostrando que o respeito à pluralidade de gênero está longe de ser um fenômeno recente. Em muitos contextos, essas pessoas eram integradas e até reverenciadas, exercendo papéis espirituais, culturais e sociais de grande relevância. Esse olhar respeitoso é um ponto que contrasta com a discriminação e violência modernas e que inspira diálogos para fortalecer os direitos e a dignidade da comunidade trans.

Figuras Históricas e a Pluralidade de Gênero - A história revela exemplos de pessoas que desafiavam as normas de gênero, mesmo sem os termos e conceitos que conhecemos hoje. Alguns desses indivíduos são interpretados como possivelmente trans ou de gêneros diversos, cada um inserido em contextos sociais e culturais específicos. O Imperador romano Elegábalo (204-222 d.C.), por exemplo, desafiava as normas de gênero e chegou a expressar o desejo de modificar seu corpo, sendo frequentemente citado como uma figura não-binária na história. Outro exemplo é We’wha, uma pessoa Zuni dos EUA do século XIX que assumia papéis de gênero mistos na cultura Zuni, desempenhando importantes funções espirituais e políticas.

Na França do século XVIII, o diplomata e espião Chevalier d’Éon viveu como homem e mulher em diferentes momentos de sua vida, sendo uma das primeiras figuras europeias a expressar identidade de gênero fluida. E no século XX, figuras como Lili Elbe e Alan L. Hart deram visibilidade às questões de afirmação de gênero, com Elbe sendo uma das primeiras pessoas trans a buscar cirurgia de redesignação sexual e Hart, um médico trans, contribuindo significativamente para a saúde pública.

Inclusão Religiosa: Resgate de Identidades e Respeito ao Gênero - Além das figuras históricas, muitas tradições religiosas e culturais reconheceram identidades de gênero além do binário. Os Two-Spirit das culturas indígenas norte-americanas desempenhavam papéis espirituais sagrados e eram respeitados por seu papel que integrava o masculino e o feminino. Na Índia, as hijras são vistas como figuras espirituais e abençoadoras, integrando a sociedade com um reconhecimento cultural que data de milênios. Essas culturas exemplificam a coexistência e respeito à diversidade de gênero, onde as diferenças são integradas ao coletivo. Assim como as próprias travestis que se tornam conhecidas na América Latina a partir do segundo século e em razão da popularização da palavra na Itália. 

O Resgate e a Luta pela Memória e Dignidade - Apesar de avanços e exemplos históricos de inclusão, a violência contra pessoas trans persiste em muitos países. O Dia da Memória Transgênero destaca a importância de resgatar o respeito por essas identidades, fortalecendo a conscientização sobre a dignidade e segurança dessa comunidade. 

Este dia se torna, portanto, um chamado para que sociedades contemporâneas aprendam com as tradições de respeito e aceitação de gênero fluido e plural e, sobretudo, busquem políticas e práticas que garantam uma vida digna para todos.

E você, quantas pessoas trans estarão na sua lista de cumprimentos hoje?

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.