Dino, no STF: o estranho voto a condenar Bolsonaro e seus asseclas
Sim, Dino é o maior humanista que existe no Olimpo do Judiciário brasileiro
1) Flávio Dino é, de longe, o ministro mais experimentado do STF, isso porque já passou por todos os lugares da estrutura da República. Foi: i) juiz federal concursado; ii) deputado federal; iii) governador de estado; iv) senador; v) ministro de Estado da Justiça; vi) professor universitário; além outras tantas ocupações no arcabouço civilizatório brasileiro.
2) Dino é também, bem de longe, o mais progressista na Suprema Corte brasileira e, portanto, o que melhor representa um projeto de emancipação dos sujeitos e da defesa dos direitos humanos e de um humanismo do tipo dialético que defende correntes da teoria crítica do direito, como os herdeiros do pensamento de Roberto Lyra Filho [I].
3) No entanto, neste histórico dia 9 de setembro, a data do início das sentenças a serem dadas a Jair Messias Bolsonaro, o pior Presidente da República que o Brasil já teve, e também um projeto ignorante de ditador que tentou junto com seus asseclas de mesmo teor zurro, dar um Golpe de Estado, Dino “bugou”. Como assim? Por tudo mencionado acima, a esperança era que o voto do ministro mais à esquerda na Corte representasse um grito de todo brasileiro para defender a Justiça de Transição [II] e a Reparação Histórica aos crimes reiterados das elites a seu povo, especialmente no que se refere ao menos a duas dívidas muito graves e caras ao País: i) o processo de escravização do povo negro nos eventos da colonização; e ii) a Ditadura Militar de 1964.
4) Dino fez um voto muito professoral. Parecia estar na sala de aula de alguma disciplina do Doutorado na universidade que trabalha. O “Vingador” foi também muito técnico. Trouxe o direito em sua condição mais galvanizada, isto é, o direito positivado, aquele direito que não transborda os standards, as leis, as jurisprudências para chegar exatamente na vida real do movimento humano tantas vezes represado pelos cruentos processos de opressão e subjugação das classes dominantes às classes subalternizadas. Em síntese: não era um voto de um direito emancipatório, muito embora tenha trazido graça, poesia, filosofia e mesmo, piadas tentando quebrar um pouco o “gelo” do frio mármore dos palácios de Brasília. Era o voto de um “mero” juiz (intelectual, claro!) de qualquer Comarca nacional.
5) E ao final, a “cereja do bolo” veio com um gosto um pouco estragado. Condenou, sim, os golpistas e usurpadores. É a primeira vez na história, com 500 anos de atraso para o caso da escravidão, e 40 anos de letargia no caso dos crimes de torturas e assassinatos da Ditadura, que seres abjetos destes têm como destino a cadeia. No entanto, Dino fez um estranho discurso para afirmar que três, dos oito réus, poderiam ter sua pena minorizada em relação aos demais por não ter encontrado nos autos mais provas de um crime individualmente continuado (muito embora, este, por essência axiológica e tautológica, seja um crime elástico, que não se encerra, ao menos quando aqueles que tentaram o primeiro ato para um Golpe, permanecem soltos, inspirando e continuando, ainda que simbolicamente, os eventos para a culminância da maior das tragédias humanas que é o fim da democracia civilizatória).
6) Recuso-me, por força da devoção que nutri a Flávio Dino todos estes anos por sua sabedoria, grandeza, coragem e ternura sociológica e cognitiva, acreditar que o ministro esteja recuando um passo sequer em sua luta histórica contra todos os eventos que cheiram a autoritarismo e/ou à violação dos direitos humanos. Sim, Dino é o maior humanista que existe no Olimpo do Judiciário brasileiro. E somente posso imaginar um “drible da vaga” no seu discurso sobre dosimetria das penas atenuadas para generais permanente e historicamente golpistas (como Heleno e Paulo Sérgio), além do sujeito da “Abin Paralela” (o tal do Ramagem) que, se o Golpe tivesse tido êxito seria o novo SNI (lembram?). Quero dizer: Dino jogou a bola de um lado do adversário, correu pelo outro lado para buscá-la e fazer aquele golaço que tanto faz brilhar os olhinhos daquele torcedor apaixonado pelo time.
7) Resta-nos esperar para saber qual é essa jogada de mestre de Dino; quem ou quantos eles pretende driblar com esse arranjo que promoveu na maior audiência no STF até aqui; e, o mais importante: se realmente, ao pegar a bola do outro lado, o seu chute não errará um milímetro para que a bola não bata na trave e sai para a linha de fundo. O Brasil não aguentará outros “inocentes” soltos planejando o próximo Golpe...
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[I] O grande jurista Roberto Lyra Filho vai dizer que tantas vezes as leis (e as jurisprudências) não produzem Direito, mas o Antidireito.
[II] Sobre Justiça de Transição, procure entender do que se trata. É muito importante para a Memória e para a Reparação Histórica deste País que vive sofrendo [com] Golpes.
Assista a este pequeno vídeo produzido pela Universidade de Brasília (UnB). É sintético e didático. Clique aqui.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

