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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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Divagações sobres casas de vidro

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Na semana em que concluía a releitura de A casa de vidro (1979), do Ivan Ângelo, eis que o The Intercep Brasil publica uma matéria intitulada “O cara da casa de vidro”. A matéria, disponível em https://theintercept.com/2021/04/24/grampos-comparsas-miliciano-adriano-da-nobrega-bolsonaro/  ,teria balançado todas as estruturas do governo em um país sério, e cabeças teriam sido guilhotinadas. Por aqui, no entanto, os poderosos veículos de mídia e seus miquinhos amestrados ignoraram solenemente a reportagem de Sérgio Ramalho e, como de costume, fizeram cara de paisagem. Paisagem que a cada novo dia fica mais tenebrosa, como se uma terrível tempestade estivesse a caminho. O pior para eles é que por aqui não se tem o hábito de colocar tapumes nas portas e janelas, muito menos descer aos porões, pois porões já não os temos. Mudando o rumo dessa prosa, mas ainda sem mudar totalmente, deixo a sugestão de leitura dos dois textos mencionados e, de Ivan Ângelo, um autor cuja atualidade da obra nos diz muito sobre um Brasil, recorrentemente distópico, sugiro também a (re)leitura de A Festa (1976). Pois bem. De onde venho, não lembro de notícias acerca da existência de casas de vidro, embora muitos por lá tenham telhados que não resistiriam a um tiro de baladeira (alguns chamam de estilingue) disparado por uma criança caçando passarinho. Dizem que por acolá, onde João de Santo Cristo ficou bestificado vendo as luzes de Natal também é assim. Logo, nada de meninos caçando passarinhos nas imediações do lago Paranoá. A insistência pode implicar em indiciamento na draconiana Lei de Segurança Nacional. É assim que as democracias morrem.

De onde venho, as praças estão ocupadas por aqueles que não possuem um teto que os abriguem nem contam com a proteção e os cuidados de um Júlio Lancellotti. Estão largados à própria sorte sob as marquises históricas de Luiz Severiano Ribeiro, de frente para a Coluna da Hora. De onde venho, tem gente circulando em carros que custam um milhão de reais. Por lá, comemora-se que a cidade terá seu primeiro prédio com elevador para carro e vaga na sala. Ainda não sei como será o prédio, mas bem que poderia ser todo de vidro esverdeado, imitando aqueles prédios cafonas de Miami, porque a crise, como se diz, também é estética. Mas, “deixemos de coisas, cuidemos da vida”. 

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Quando li a manchete “O cara da casa de vidro”, embora sabendo de quem pudesse se tratar, desviei meus pensamentos para outras paragens, para outras pessoas. Assim, minha imaginação criou asas e, primeiramente, pensei em Lina Bo Bardi e sua casa de vidro no Morumbi. Mas a matéria dizia “O cara da casa de vidro”. Então me veio à mente Philip Johnson e sua Glass House, em New Canaan, Connecticut e, na sequência, a Farnsworth House, casa de vidro projetada por Mies van der Rohe, em Illinois, também nos Estados Unidos. Gosto de casas de vidro, pois acredito que enquanto residências, objetivam, entre outras coisas, a manutenção do contato dos seus moradores com o entorno, em uma espécie de comunhão. Parece haver, na idealização e construção desse tipo de casa, um exercício de liberdade que não se costuma observar nas residências tradicionais erigidas em puro concreto. Divagações, divagações. Nada além.

Oscar Niemeyer, por sua vez, aliou concreto e vidro à maioria das suas obras tanto no Brasil quanto no exterior. E assim são exemplos o Palácio do Planalto e o Palácio da Alvorada, casas de vidro na essência. Sob o céu de Brasília, o vidro, no traço do arquiteto comunista aponta, conscientemente, para a transparência que deveria existir entre os habitantes dos palácios e o povo. Muitas vezes, no entanto, e disso sabia o arquiteto, os caras que habitam as casas de vidro que projetou nada mais são do que prisioneiros das suas próprias histórias e suas verdades falseadas.

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Assim, para encerrar tais divagações, afirmamos que aquilo que mais deve ser levado em consideração por aqueles que habitam casas de vidro é o que bem nos diz o músico jamaicano Peter Tosh, que na canção “Glasshouse” (Casa de vidro) lembra: “Se você vive em uma casa de vidro, não atire pedras”. (In)felizmente, nem todos levam essa máxima em consideração, de tão convencidos que estão da sua impunidade. E aqui, obviamente, não falamos de Bo Bardi, Johnson ou van der Rohe. O problema para tais “caras” é que ainda há muitos meninos andando pelos cerrados, armados de bodoque, caçando passarinhos; sabedores eles de que toda e qualquer casa um dia pode cair, principalmente as de vidro. 

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