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Pedro Benedito Maciel Neto

Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

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Do pó viemos e ao pó voltaremos?

"Nenhum de nós tem como destino o pó, pois temos uma tarefa fundamental, transformar a realidade através do amor e combater o mal e a mentira"

Do pó viemos e ao pó voltaremos? (Foto: Prensa Latina-arquivo )

"Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó e ao pó voltará". Gênesis 3:19

Confesso não ter o hábito de ler a Bíblia, gosto do evangelho de Mateus, das Cartas de Paulo e da perspectiva histórica que ela contém. Dito isso, outra confissão: sonho e lembro de todos eles; sou capaz de, me levantar, tomar um copo d’água, voltar a dormir e seguir o sonho do ponto que ele havia parado.

Essas duas coisas se entrelaçaram, como vou tentar explicar ao compartilhar essa história.

Uma noite dessas sonhei que eu estava no ginásio do Vitor Meireles, escola estadual onde cursei o ensino médio; encontrei muita gente que não vejo faz muito tempo senti um “frio na barriga”, um misto de surpresa e tristeza; me dei conta do tempo que se passou desde que deixei o colégio em 1981, sem festa ou álbum de formatura e sem olhar para trás, tamanha era a pressa de chegar à faculdade; quarenta e dois anos voaram e eu não sei bem o que aconteceu nessas mais de quatro décadas, não tenho certeza se fiz o que deveria ou se fiz, pelo menos, o que poderia ter sido feito.

Acordei ofegante, angustiado e o que me veio à mente: “Lembra-te que és pó da terra e à terra hás de voltar”. Não me deixei pegar no sono novamente e essa frase do Gênesis não saiu mais da minha cabeça: “o pó sobre a cabeça faz-nos ter os pés assentes na terra: recorda-nos que viemos da terra e, à terra, voltaremos; isto é, somos débeis, frágeis, mortais”.Peguei a bíblia que fica na mesinha ao lado da cama e, pé ante pé para o Marreta não acordar, fui até a sala para procurar o versículo. Um esclarecimento: Marreta é o nome do Schnauzer que meu filho Lucas “foi deixando” lá em casa, ele dorme no quarto conosco e é, em tese, o meu primeiro neto e como tal tem censuráveis privilégios.

O sonho me deixou de fato com a sensação de que o tempo passou em vão, que a caminhada não teve, não tem e não terá, pois não há mais tempo, nenhuma importância.

Passei pela cozinha, esquentei um leite desnatado para tomar com Nescau. Encontrei o versículo e li uma outra parte “somos o pó amado por Deus. Amorosamente o Senhor recolheu nas suas mãos o nosso pó e, nele, insuflou o seu sopro de vida”, ao terminar de ler um outro sentimento foi tomando conta de mim, pois a ordem correta da nossa existência percorre o caminho inverso: é do pó à vida e, se nos deixarmos plasmar pelas mãos de Deus, tornamo-nos uma maravilha, porque nascemos para ser amados, nascemos para ser filhos de Deus. Não sou “uma maravilha”, a Celinha que o diga, mas nenhuma existência é irrelevante.Mais leve, ou melhor, mais aliviado, fui até o Google e lá encontrei uma homilia do Papa Francisco sobre a Quaresma (sei que não estamos na Quaresma), na qual Francisco, um Papa tão Pop quanto São João XXIII afirmou: “A Quaresma não é o tempo para fazer cair sobre o povo inúteis moralismos, mas para reconhecer que as nossas míseras cinzas são amadas por Deus. É tempo de graça, para acolher o olhar amoroso de Deus sobre nós e, assim contemplados, mudar de vida. Estamos no mundo para caminhar da cinza à vida.”.

A minha interpretação do sonho, colocando-o em perspectiva com o versículo, é de que não podemos esquecer que somos nada além de cinza, mas somos amados como filhos desde antes do nosso nascimento e, sendo assim, nossa tarefa é seguir esse movimento de amor, não retribuição, mas como comunhão necessária e exercício pleno da nossa humanidade.

Francisco alerta que devemos estar atentos para não cairmos no segundo percurso: o percurso contrário, da vida ao pó, ou seja, só seremos pó, só teremos a nossa vida reduzida a uma indesejada insignificância se aplaudirmos, mesmo que secretamente a estupidez humana, a destruição e as guerras. As boas guerras são aquelas que buscam reconhecer o direito de cada um a uma vida digna, as que combatem o individualismo sistêmico, individualismo que corrói a possibilidade de relações verdadeiras e fraternas.

Aquele “frio na barriga”, misto de surpresa e tristeza, foi sendo substituído por outro sentimento, uma certa alegria...

O leite desnatado com Nescau estava acabando quando o Ditão latiu e, apesar do friozinho que faz em Sousas pela manhã, fui ao encontro dele. O Ditão é um labrador que o Carlinhos Barreto encontrou abandonado, me presenteou e o adotamos (adotamos o Ditão, não o Carlinhos, esse é problema da Adriana); o Ditão morou algum tempo no escritório, mas, em razão da pandemia, mudou-se para casa “provisoriamente”).

Gostaria de entender o que são e os significados dos meus sonhos.

Alguém me disse que para compreender os sonhos, é necessário que entender sua origem e que ele possui uma natureza distinta dos produtos da consciência; o sonho não é conteúdo da consciência, não é algo lógico, mas resíduo de alguma outra experiência.

De qualquer forma o susto e o “frio na barriga” serviram para eu perceber que nenhum de nós tem como destino o pó, pois temos uma tarefa fundamental, qual seja, transformar a realidade através do amor e combater o mal e a mentira tendo como escudo e aríete apenas a verdade.

Essas são as reflexões.

Pedro Benedito Maciel Neto, 59, advogado e pontepretano – www.macielneto.adv.brpedromaciel@macielneto.adv.br

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.