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Marconi Moura de Lima Burum

Mestrando em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, pós-graduado em Direito Público e graduado em Letras. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Trabalha na UEG. No Brasil 247, imprime questões para o debate de uma nova estética civilizatória

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Domínio do Fato à brasileira e a auto-destruição do Judiciário

A Teoria do Domínio do Fato foi aplicada no Brasil sem jamais compor o ordenamento jurídico pátrio. Isto é, nunca foi aprovada uma lei que fizesse estatuir esse programa no Direito brasileiro. Trata-se de instituto zumbi, ou seja, tendo brotado do mundo dos mortos para se fazer vivo a um propósito destrutivo

A Teoria do Domínio do Fato foi aplicada no Brasil sem jamais compor o ordenamento jurídico pátrio. Isto é, nunca foi aprovada uma lei que fizesse estatuir esse programa no Direito brasileiro. Trata-se de instituto zumbi, ou seja, tendo brotado do mundo dos mortos para se fazer vivo a um propósito destrutivo (Foto: Marconi Moura de Lima Burum)
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A Teoria do Domínio do Fato [1] foi aplicada no Brasil sem jamais compor o ordenamento jurídico pátrio. Isto é, nunca foi aprovada uma lei que fizesse estatuir esse programa no Direito brasileiro. Trata-se de instituto zumbi, ou seja, tendo brotado do mundo dos mortos para se fazer vivo a um propósito destrutivo, morto está, entretanto, vagante, assustando a existência do próprio Direito e da segurança jurídica das coisas.

Ora, falamos do Brasil. O Domínio do Fato não poderia ser senão um instrumento tático. Devemos analisar seu fracasso (ou sucesso, a depender da perspectiva que se observe) com a lupa sociológico-antropológica brasileira, ademais, acrescentar a lupa filosófico-política das convenções de nosso País[2]. Trata-se de uma cultura esquizofrênica e consequente institucionalização controversa. Melhor dizendo (didaticamente), esse País foi “feito” para ricos, para cuidar e proteger as elites, as castas que descendem de Pedro Cabral, do Marquês de Pombal, de Dom João VI e a turma de exploradores que com eles vieram formar a cultura e a política brasileira. Esse País é na verdade um bibelô que serve à Superestrutura global.

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Porém, retomando o tema principal, vamos analisar mais minunciosamente o fiasco da Teoria do Domínio do Fato aplicada no Direito brasileiro. Primeiramente, não se trata do Domínio do Fato, entretanto, de Seletividade de Fatos à luz da composição de interesse que formam o juízo (e o juízo de valor). O magistrado escolhe “o que” deve analisar e aceitar como conteúdo fático, portanto, como fundamento de crime. Monta-se o cenário fático e o julga no devir (movimento) hermenêutico que brota da sensação de crime preexistente. A Teoria, neste caso, é aplicação do Direito em conotação autoritária, segmentado, enviesado, portanto, persecutório, porque somente o é um juízo de valor subjetivo com atenuantes concretos em suposição.

Segundo, estamos diante de uma Justiça – a brasileira – que assumidamente o é política e elitista, isto é, não há penetração de tese da tutela da pessoa fragilizada em termos aplicados. Para melhor dizer, em cenário hipotético, um homem, desempregado (com seus 42 anos aproximadamente) opta desesperadamente por roubar no supermercado um pacote de biscoito para alimentar seus filhos. Embora furto (deve ser julgado), i) o Domínio dos Fatos não é levado em consideração para uma interpretação do “crime” à luz do razoável (uso da razão do julgador); ii) o sujeito passa três anos no presídio aguardando a letargia da Justiça (que só tira o pé do frio quando lhe convém); iii) e não tem um julgamento justo, pois não tem condições de constituir um caro escritório de advogados, ou mesmo um olhar isento do magistrado e seus contracenandos no processo (MP, Defensoria etc.).

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Terceiro, o Direito brasileiro é analítico[3] e prolixo, isto é, o conjunto de normas pátrio, por uma cultura (que não significa obrigatoriamente ser ruim), foi elaborado de forma a gerar múltiplas interpretações. São artigos de leis (e a própria lei) extensos, largos, contendo inúmeras informações dentro de um mesmo dispositivo, portanto, acessível às brechas e, sobretudo, às variadas e diferenciadas intepretações. Vide, a exemplo, que normalmente os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) “penam” para decidir se se deve levar à prisão um condenado em 2ª instância, ou se é obrigatório o diploma de jornalista para quem exerça a atividade de jornalismo. São normas dúbias quase sempre. O Direito, sua Norma é, por conseguinte, de Interpretação e não de Compreensão.

E quarto (na verdade seria o pré-primeiro), como eu disse no começo desse artigo, não existe Lei regulamentando a Domínio do Fato. Destarte, quando um juiz brasileiro resolve aplicar esse instituto, ele não está somente sendo inconveniente (cultura da manutenção do status quo), ou inconsequente (uso do “jeitinho” brasileiro para fins possivelmente torpes), no entanto, pratica ele ato ilegal. Não há fundamento na norma brasileira, repito, para uso desse instrumento. Somente se explica esse uso quando o Estado de Direito se anulou para que se assuma em definitivo o Estado Autoritário. Não é somente caracterizar como abuso de autoridade; é autoritarismo mesmo.

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Agora o que os membros do Poder Judiciário não estão vendo é que essa tirania judicial usando de instrumentos estratégicos, todavia, fragmentados (seletividade dos fatos e uso de trechos de doutrinas, ou trechos de leis para montagem de um mosaico fático), o que não vêm esses juízes é que o feitiço pode se voltar contra o feiticeiro. E se hoje perseguem sob o manto da conveniência jurisprudencial, déspotas verdadeiramente clássicos podem ressurgir dos cemitérios “caravélicos” dos portugueses e encerrar tribunais, mudar as regras do jogo, acabar com as suas regalias e inclusive com as suas competências. Destituir sua supremacia insurgente. Ou seja: não se assustem se os que verdadeiramente mandam nesse País desde a narrativa imperiosa de Pero Vaz de Caminha, em 1500, resolverem calar suas bocas e fechar os tribunais inferiores, sucumbindo poder e estrutura dos superiores.

Preciso lhes alertar que vocês, Juízes, não são os verdadeiros donos do poder fático no Brasil. São apenas usados para devolver o poder a quem dele se apossou originalmente e quem com ele permanecerá até que a sociedade um dia de fato acorde para invocar seu pertence. Dessa forma, não entrem nessa briga do lado errado. Vocês (Judiciário), parece que não, mas são a parte frágil desse processo. Um dia o povo decidirá que tipo de ordem deve ser posta. Até lá, quem comanda o jogo é a Superestrutura, o Mercado, que usa os políticos (mais fortes, inclusive), a mídia e vocês, os tolos de toga.

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Essa é minha percepção, ou possivelmente o verdadeiro Domínio do Fato brasileiro. Aguardem – e não se surpreendam com as consequências fáticas.

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[1] A tese foi melhor desenvolvida pelo jurista alemão Claus Roxin, que criticou o nosso STF (em entrevista à Folha de S. Paulo no dia 11/11/12) sobre o uso “errado” da Corte quanto à teoria.

Doutor em Direito Penal, professor Cezar Roberto Bitencourt, ouso nele, trazer uma síntese acerca da Teoria do Domínio do Fato, que pode ser acessada integralmente por meio do sítio:

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https://www.conjur.com.br/2012-nov-18/cezar-bitencourt-teoria-dominio-fato-autoria-colateral (Acesso em 06/02/18)

Assim assevera: “Claus Roxin reconheceu que o que lhe preocupava eram os crimes cometidos pelo nacionalsocialismo. Na ótica, do então jovem professor alemão, ‘quem ocupasse uma posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um crime, tem de responder como autor e não só como partícipe’, ao contrário do que entendia a doutrina dominante na época.

(...) Autor, segundo essa teoria, é quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato. Mas é indispensável que resulte demonstrado que quem detém posição de comando determinou a prática da ação, sendo irrelevante, portanto, a simples ‘posição hierárquica superior’”.

[2] Não me atenho em detalhes a essas “lupas”, no sentido conceitual, para não esticar demais o texto nas ramificações. Creio que seja melhor uma autointerpretação por parte do Leitor, a partir de seu acúmulo sobre o conhecimento da formação da população brasileira (portugueses, exploradores de riquezas naturais, negros africanos, escravos, índios e etnias diversas), e da formação do Estado brasileiro, com sua tipologia política, seu sistema eleitoral-institucional, suas regras e direitos cidadãos, e sua pseudo-democracia.

[3] Entendimento por extensão conceitual a partir das tipologias textuais das Constituições dos países. Quanto à finalidade, a Carta Magna brasileira é considerada “analítica”.

Deixo claro minha opinião pessoal. Não acho que o texto normativo analítico seja algo penoso ao País. Faz parte de nossa cultura a expressão, de língua escrita, falada, corporal, gestual. Isso não é problema. O mal reside no uso leviano dessa cultura para proteger a partir das normas os interesses das elites. Ou seja: o Direito vira uma ferramenta maleável, reclinável ao serviço das castas e quando o risco de atingimento de seus interesses. Portanto, um Direito que, tendo de um lado o dominador e do outro o dominado, é usado sempre à luz da interpretação – porém, esta feita pelo/ao dominador, tão pouco ao dominado.

 

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