Dupla face: o falso ativista ecológico e os abismos da crueldade digital
'A internet, com todo seu potencial para democratizar o conhecimento, também se tornou palco de violências extremas', escreve a colunista Sara York
Nos últimos anos, Bruce Vaz de Oliveira construiu uma imagem pública cuidadosa e, até certo ponto, sedutora. Nas redes sociais, se apresentava como ativista ambiental, defensor dos direitos dos animais e até "mediador de conflitos" em zonas de guerra no Oriente Médio - uma autodeclaração que jamais encontrou respaldo em instituições oficiais, mas que foi suficiente para lhe render prestígio simbólico em determinados círculos virtuais. Chegou, inclusive, a se dizer ligado à ONU, título que a própria Organização das Nações Unidas se apressou em desmentir após os acontecimentos que viriam a público em 20 de abril de 2025.
A prisão de Bruce, durante a Operação Desfaçatez, desmonta o personagem que ele mesmo fabricou. Junto a outros três jovens - dois adultos e um menor de idade - Bruce foi apontado como chefe de uma rede que operava na deep web, especialmente via Discord, incitando e organizando crimes de extrema violência. O que mais choca nas investigações é o contraste entre sua persona pública - o "ecologista" - e as práticas que liderava no anonimato virtual: sessões de tortura a animais, transmissões ao vivo de dissecação de gatos, incitação ao assassinato de pessoas em situação de rua, e estímulo à violência contra grupos vulneráveis, como negros, mulheres e adolescentes.
Bruce era o proprietário do servidor onde esses horrores eram cometidos e compartilhados. Não só participava, como liderava essas práticas, incentivando outros membros da rede a ultrapassarem limites cada vez mais brutais. Segundo a delegada Maria Luiza Arminio Machado, que conduz a investigação, o grupo chegou a planejar um assassinato para o dia 20 de abril, "coincidentemente" o aniversário de Adolf Hitler, que seria transmitido ao vivo para pagantes.
A operação foi batizada de Desfaçatez, nome que ilustra com precisão a contradição entre o discurso e a prática desses jovens: a fachada da militância, da defesa de causas justas, enquanto nos bastidores promoviam atos abjetos com requintes de sadismo e exibição pública. O secretário de Polícia Civil do RJ, delegado Felipe Curi, classificou Bruce como "um verdadeiro psicopata", revelando ainda que há documentos do governo americano que relacionam o brasileiro a células terroristas - o que amplia ainda mais a gravidade do caso.
A história do jovem é um espelho sombrio do nosso tempo: em uma era de hipervisibilidade e disputas simbólicas por causas públicas, a figura do "ativista performático" se tornou um personagem facilmente encenável. Mas, como mostra a operação, a desfaçatez tem seus limites. A pessoa que deveria me proteger é justamente aquela que me ataca, apaga e exclui. A verdade, por mais escondida que esteja nos becos da internet, uma hora vem à tona.
A internet, com todo seu potencial para democratizar o conhecimento e fomentar a cidadania, também se tornou palco de violências extremas . Para a professora Glenda Melo, da UFRJ, a violência física que choca a sociedade é apenas o ápice de um processo que começa no discurso de ódio, disseminado com audiência e naturalizado nas redes. Estudar e compreender essas manifestações linguísticas pode ser chave para a prevenção.
Já o hebiatra Dr. Felipe Fortes alerta para o papel fundamental das famílias e da urgência em regulamentar as redes sociais. Ele destaca a hiperconexão e a busca juvenil por validação online como ingredientes de um cenário perigoso, onde a ausência de limites contribui para comportamentos transgressores. É dever dos adultos - mesmo daqueles que não cresceram com a internet - estabelecer essas fronteiras.
Sophia La Banca, jornalista e doutora em neurociência comportamental, reforça que não basta responsabilizar as famílias: é preciso reconhecer o poder manipulatório das redes, construídas por engenheiros e psicólogos para prender atenção e moldar o comportamento. Mesmo adultos são vulneráveis, e é ingênuo esperar que apenas o monitoramento parental dê conta da complexidade dos riscos digitais.
Para a psicanalista Teresa Pinheiro, o que está em jogo é a erosão do mundo interno. A incapacidade de elaborar, refletir e dialogar consigo mesmo nos torna seres de estímulo e resposta. A violência nasce quando o outro é destituído de subjetividade - como já ocorreu historicamente com judeus, hoje ocorre com moradores de rua e, neste caso, com animais. Quando faltam palavras, sobra o corpo: a dor psíquica se inscreve na carne.
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