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      Sara York

      Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior é bacharel em Jornalismo, licenciada em Letras Inglês, Pedagogia e Letras vernáculas. Especialista em educação, gênero e sexualidade, primeiro trabalho acadêmico sobre as cotas trans realizado no mestrado e doutoranda em Educação (UERJ) com bolsa CAPES, além de pai, avó. Reconhecida como a primeira trans a ancorar no jornalismo brasileiro pela TVBrasil247.

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      Dupla face: o falso ativista ecológico e os abismos da crueldade digital

      'A internet, com todo seu potencial para democratizar o conhecimento, também se tornou palco de violências extremas', escreve a colunista Sara York

      (Foto: Divulgação)

      Nos últimos anos, Bruce Vaz de Oliveira construiu uma imagem pública cuidadosa e, até certo ponto, sedutora. Nas redes sociais, se apresentava como ativista ambiental, defensor dos direitos dos animais e até "mediador de conflitos" em zonas de guerra no Oriente Médio - uma autodeclaração que jamais encontrou respaldo em instituições oficiais, mas que foi suficiente para lhe render prestígio simbólico em determinados círculos virtuais. Chegou, inclusive, a se dizer ligado à ONU, título que a própria Organização das Nações Unidas se apressou em desmentir após os acontecimentos que viriam a público em 20 de abril de 2025.

      A prisão de Bruce, durante a Operação Desfaçatez, desmonta o personagem que ele mesmo fabricou. Junto a outros três jovens - dois adultos e um menor de idade - Bruce foi apontado como chefe de uma rede que operava na deep web, especialmente via Discord, incitando e organizando crimes de extrema violência. O que mais choca nas investigações é o contraste entre sua persona pública - o "ecologista" - e as práticas que liderava no anonimato virtual: sessões de tortura a animais, transmissões ao vivo de dissecação de gatos, incitação ao assassinato de pessoas em situação de rua, e estímulo à violência contra grupos vulneráveis, como negros, mulheres e adolescentes.

      Bruce era o proprietário do servidor onde esses horrores eram cometidos e compartilhados. Não só participava, como liderava essas práticas, incentivando outros membros da rede a ultrapassarem limites cada vez mais brutais. Segundo a delegada Maria Luiza Arminio Machado, que conduz a investigação, o grupo chegou a planejar um assassinato para o dia 20 de abril, "coincidentemente" o aniversário de Adolf Hitler, que seria transmitido ao vivo para pagantes.

      A operação foi batizada de Desfaçatez, nome que ilustra com precisão a contradição entre o discurso e a prática desses jovens: a fachada da militância, da defesa de causas justas, enquanto nos bastidores promoviam atos abjetos com requintes de sadismo e exibição pública. O secretário de Polícia Civil do RJ, delegado Felipe Curi, classificou Bruce como "um verdadeiro psicopata", revelando ainda que há documentos do governo americano que relacionam o brasileiro a células terroristas - o que amplia ainda mais a gravidade do caso.

      A história do jovem é um espelho sombrio do nosso tempo: em uma era de hipervisibilidade e disputas simbólicas por causas públicas, a figura do "ativista performático" se tornou um personagem facilmente encenável. Mas, como mostra a operação, a desfaçatez tem seus limites. A pessoa que deveria me proteger é justamente aquela que me ataca, apaga e exclui. A verdade, por mais escondida que esteja nos becos da internet, uma hora vem à tona.

      A internet, com todo seu potencial para democratizar o conhecimento e fomentar a cidadania, também se tornou palco de violências extremas .  Para a professora Glenda Melo, da UFRJ, a violência física que choca a sociedade é apenas o ápice de um processo que começa no discurso de ódio, disseminado com audiência e naturalizado nas redes. Estudar e compreender essas manifestações linguísticas pode ser chave para a prevenção.

      Já o hebiatra Dr. Felipe Fortes alerta para o papel fundamental das famílias e da urgência em regulamentar as redes sociais. Ele destaca a hiperconexão e a busca juvenil por validação online como ingredientes de um cenário perigoso, onde a ausência de limites contribui para comportamentos transgressores. É dever dos adultos - mesmo daqueles que não cresceram com a internet - estabelecer essas fronteiras.

      Sophia La Banca, jornalista e doutora em neurociência comportamental, reforça que não basta responsabilizar as famílias: é preciso reconhecer o poder manipulatório das redes, construídas por engenheiros e psicólogos para prender atenção e moldar o comportamento. Mesmo adultos são vulneráveis, e é ingênuo esperar que apenas o monitoramento parental dê conta da complexidade dos riscos digitais.

      Para a psicanalista Teresa Pinheiro, o que está em jogo é a erosão do mundo interno. A incapacidade de elaborar, refletir e dialogar consigo mesmo nos torna seres de estímulo e resposta. A violência nasce quando o outro é destituído de subjetividade - como já ocorreu historicamente com judeus, hoje ocorre com moradores de rua e, neste caso, com animais. Quando faltam palavras, sobra o corpo: a dor psíquica se inscreve na carne.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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