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Margarida Montejano

Margarida Montejano reside em Paulínia/SP. Poeta e escritora feminista; Doutora em Educação pela Unicamp; Func. Pública na Secretaria Municipal de Educação de Campinas. Membra do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Campinas; Coordenadora do Projeto Bem-Me-Quero: Empoderamento Feminino e Igualdade de Gênero e, autora dos livros "Fio de Prata" - Ed. Siano (2022); "Chão Ancestral", TAUP Editora (2023) e dos livros infantojuvenis, de engajamento feminino, "A Poeta e a Flor" e "A Poeta e a Sabiá", pela Editora Siano. (2024). @margaridamontejano.escritora

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E, por que nos matam?

Uma denúncia poética e política contra o feminicídio, a misoginia estrutural e a violência cotidiana que atinge mulheres e meninas no Brasil

Brasília (DF) - 07/12/2025 - O Levante Mulheres Vivas realiza ato na área central de Brasília para denunciar o feminicídio e todas formas de violência contra mulheres (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Não estamos sozinhas!

somos uma rede e em rede,

 enredadas estamos (...)  

quando ferem a mim, ferem elas.  

quando ferem elas, ferem a mim (...)

(Margarida Montejano)  

  Uma menina, uma mulher, duas mulheres, três, quatro, dez...  De acordo com o Mapa da Violência de Gênero, no primeiro semestre de 2025, 718 feminicídios foram registrados em todo o país  — uma média de cerca de 4 mulheres mortas por dia pelas mãos de um homem, um feminicida. No mesmo período foram contabilizados 33.999 estupros contra meninas e mulheres, na média de 187 casos por dia, realizados no interior de suas próprias casas e, na sua maioria, por familiares e conhecidos da família. A cada minuto, microviolências ocorrem sobre a vida, a mente e o corpo de uma mulher.


E, por que nos matam? Porque somos mulheres. Porque ousamos pensar e desafiar a ordem estabelecida que enfatizou e enfatiza que sempre foi assim e que assim deve ser. Recusamos a ideia de que existem papeis específicos para cada gênero e que estes devem ser propalados e perpetuados, pelos séculos dos séculos.


Essas pseudocertezas, repetidas ao longo do tempo de maneira intencional pelas instituições, família, igreja e sociedades, produziram e produzem, o empoderamento dos homens, engendrando uma estrutura social baseada no modelo patriarcal hierarquizante. Nesta forma de atuar historicamente sobre as gerações, foram e vão se solidificando as convenções, tendo como base formativa a misoginia, sustentada pela prática de ações sexistas e machistas de homens frágeis e fracos emocionalmente. Forjados para serem fortes, são eles educados para não desenvolverem em si o afeto, a empatia, o cuidado. Homens que, seduzidos por um suposto poder e força, não conseguem lidar com contrariedades e, por isso, violam a consciência, ferem, estupram, desqualificam, desfiguram o corpo e o rosto e, por fim, assassinam as mulheres com requintes de perversão e crueldade.


Violência abjeta, praticada na maioria das vezes contra aquelas as quais eles, valendo-se de um pronome possessivo que lhes garante uma pretensa superioridade, as chamam de “sua”: “sua mulher”, “sua filha”, “sua mãe”, “sua irmã”, “sua amiga”, “sua colega”... Parece que submetê-las às formas mais vis de violência configura-se num direito, porque as consideram um mero “objeto de posse”, algo de sua propriedade, de modo que lhes é permitido fazer o que bem entenderem com elas, sejam maridos, namorados, filhos, parentes, amantes...

Sem escrúpulos, muitos compartilham nas redes sociais sua valentia desprovida de qualquer traço de empatia e de humanidade, expondo a crueldade do ato em si, gratuito na aplicação e rentoso na execução, pois algoritmos sobem e monetizam. Assim quanto mais brutal e degradante for a ação criminosa sobre o corpo da mulher, mais rentável será e maior repercussão terá entre os grupos de homens que propagam o ódio às mulheres.  

É uma realidade amedrontadora, que se articula com base no interesse econômico, visando a manutenção do patriarcado e é amplamente disseminada pela força midiática. Em 2023, num evento em Campinas, a atriz e cantora, Elisa Lucinda, comentou sobre esses acontecimentos: “Colocamos filhos no mundo para nos matar”. Esta afirmação contundente encontra eco na literatura e na voz feminina gritando que, quando uma mulher é assassinada, todos, de algum modo, morrem!   

Assim, somos todos os dias sacudidas pelo noticiário de mais mulheres sem vida. Nos assustamos e nos indignamos com a atrocidade desses atos e com os vergonhosos índices de feminicídio, denominando aqueles que os praticam como monstros e insanos. Contudo eles não são nem uma coisa nem outra: eles nada mais são do que homens com a masculinidade exacerbada e com dificuldade em gerir a própria sexualidade. Apoiam-se na toxidade das ideias neles incutidas como verdades e se portam como se naturalmente lhes coubesse o papel de dominar. Entretando, por trás dessa virilidade intensificada pelo machismo escondem-se sujeito débeis, frágeis e impotentes que não suportam o direito de uma mulher ser, estar, existir e ter autonomia para dizer “sim” e “não”. Logo, precisam se valer da força física e da intimidação. Segundo a advogada criminalista, Erika C. Furlan, “O avanço em direitos e garantias para as mulheres incomoda o público masculino hétero, porque hoje a mulher não aceita mais qualquer tipo de relacionamento [...]”. Ela reage.  


Por isso essa estrutura misógina, diz Virginia Woolf, teme o Feminismo, porque sabe que este movimento social, político e ideológico reivindica a igualdade social, econômica e política entre homens e mulheres, a autonomia feminina e o fim da violência contra a mulher. Essa luta carrega em seu ventre o sangue e a força ancestral de mulheres que resistiram às atrocidades por eles já cometidas e que, por conta disso, tem o poder de vislumbrar relações que reconheçam incondicionalmente os direitos da mulher.  


Nesse cenário desafiador não tem como não apostar na educação, pois o conhecimento esclarecedor se transforma no instrumento eficaz para combater o ódio. Erika C. Furlan acrescenta que “O importante é sempre prevenir, o que é muito difícil numa sociedade em que o machismo é estrutural e a disseminação de grupos conservadores misóginos alimentam o imaginário e o ideário de homem macho varão provedor e mulher submissa. Deste modo, a formação de crianças desde cedo é o caminho mais seguro para se desconstruir, através do desenvolvimento da consciência histórica e, sobretudo crítica, o quanto essas práticas seculares nos violentaram e subjugaram.  

Não se pode omitir que a misoginia é o preconceito contra as mulheres mais antigo que existe na trajetória da humanidade. Mais que ódio às mulheres, é um sentimento que emerge como uma construção histórica pautada na hierarquia dos sexos, em que os homens são tidos como seres superiores e, por conta dessa crença, as mulheres que colocassem em risco essa estrutura hierárquica deveriam ser punidas. Diante dessa perspectiva calcada no ressentimento, na raiva e medo de perder privilégios, práticas como o machismo e o sexismo tornaram-se seus principais difusores.  

É preciso entender bem esses conceitos. O machismo se revela por comportamentos, opiniões e sentimentos que consentem e validam a desigualdade de direitos entre os sexos. Por isso admite que a mulher, por ser considerada inferior ao homem, possa ser subjugada motivando a violência contra ela e a sua repetição, via de regra, pode conduzir ao feminicídio. Por sua vez, o sexismo é a crença de que homens e mulheres devem ocupar papéis específicos, os quais são determinados com base no sexo, envolvendo brinquedos, atividades, cores e tipos de roupa etc. Ao se desobedecer ou contrariar esses padrões, se reforça e se estimula o ódio às mulheres, justificando condutas amparadas na convicção de que elas necessitam ser controladas e punidas.  

Diante da tragicidade que esses episódios representam, torna-se indispensável que a misoginia seja considerada crime hediondo inafiançável e que o controle rigoroso das redes sociais possa se constituir num instrumento capaz de neutralizar e combater os estímulos à violência de gênero. Porém, mais importante é a implementação nas escolas de projetos educacionais que vise, desde a infância, uma sólida formação quanto à proteção dos direitos da mulher.

E a nós mulheres, cabe-nos estar coletivamente em contínua vigilância na luta por salvaguardar direitos já conquistados e por assegurar aqueles que ainda estão e estarão em pauta, a fim de que nossa dignidade seja integralmente reconhecida. Daí a importância de se fazer valer o fato de que somos maioria e eleger candidatas e candidatos efetivamente comprometidos com políticas afirmativas que visem a justiça e equidade social e o combate à desigualdade de gênero.

Não se pode baixar a guarda jamais, pois a estrutura patriarcal é ardilosa, não dorme nunca e está sempre à espreita para nos devorar e submeter com as ferramentas de que dispõe.  O demônio que estupra e mata mulheres e crianças é um homem que teme a convivência em condições de igualdade, a empatia nos relacionamentos e a força feminina. Nossas Ancestrais estão em vigília constante nos inspirando a renovar nosso poder intuitivo e a força vital de nossas entranhas!  Não desanimemos! 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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