Paulo Paim avatar

Paulo Paim

Senador pelo PT do Rio Grande do Sul

74 artigos

HOME > blog

Direitos humanos em tempos de indiferença

É terra firme que impede que pessoas sejam tragadas pela crueldade do nosso tempo. Defendê-los é responsabilidade coletiva

Residentes de uma comunidade no Rio de Janeiro recebem comida de voluntários (Foto: REUTERS/Ricardo Moraes)

Neste 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebremos a dignidade — esse valor tão exigido e, ao mesmo tempo, tão agredido. A dignidade é a base da vida. Todos têm direito a ela. Contudo, até que ponto, de fato, ela está presente no cotidiano das pessoas?

Zygmunt Bauman já alertava que vivemos em um mundo movido pelo medo, pelo descarte humano, pelos individualismos extremos, por relações líquidas. Tudo escapa pelas mãos. Para ele, o maior perigo das sociedades contemporâneas é a indiferença — na política, no mundo do trabalho, nas instituições.

A partir desse prisma, pergunto: como o Brasil tem se sustentado diante de um cenário tão hostil à dignidade? Não podemos naturalizar a fome, o racismo, as discriminações, o abandono dos idosos, a desumanização dos pobres, as desigualdades, as injustiças, a intolerância digital e política, o feminicídio, a violência e a insegurança. Vivemos, sim, em um mundo “louco”, desconexo, marcado por extremos.

Segundo a FAO, o mundo produz 9,9 bilhões de toneladas de alimentos. Ainda assim, cerca de 733 milhões de pessoas passam fome. O problema não é de produção, mas de distribuição, de acesso, de desigualdade, de conflitos e guerras, de escolha política. O Brasil voltou a sair do Mapa da Fome da ONU, um avanço importante, mas ainda temos um longo caminho.

Não somos contra a inteligência artificial, a robótica, a cibernética, as novas tecnologias. Defendemos, sim, que estejam a serviço da humanidade: que melhorem a vida dos trabalhadores, protejam os vulneráveis e incluam — e não excluam. O avanço tecnológico é inevitável, mas os caminhos que ele seguirá dependem de debate e escolhas sociais. Algumas atividades serão automatizadas, outras não; algumas profissões se transformarão, outras desaparecerão. O que não pode desaparecer é o compromisso com o ser humano.

Um levantamento da Central dos Sindicatos Brasileiros, com base em estudo da UFRJ, estima que até 27 milhões de trabalhadores brasileiros podem ter alguma função automatizada por robôs ou sistemas de inteligência artificial até 2040. E isso é uma tendência global. Mesmo com a queda no desemprego e o aumento de renda dos trabalhadores no Brasil, é preciso vigilância constante. A precarização está crescendo. A desregulamentação fragiliza direitos, expande a uberização e a pejotização, e enfraquece a Previdência Social.

A Constituição Cidadã de 1988 é um dos textos sociais mais avançados do mundo. Ali estão direitos capazes de transformar vidas: saúde, educação, moradia, emprego e renda, transporte, previdência social, segurança, proteção à maternidade e à infância, entre tantos outros. Quando efetivados, esses direitos constroem cidadania e fortalecem a dignidade.

É nesse contexto — entre avanços, desafios e incertezas — que emergem os direitos humanos no mundo “líquido” de Bauman. Eles não são bandeira ideológica. São fundamentos civilizatórios. É terra firme que impede que pessoas sejam tragadas pela crueldade do nosso tempo. Defendê-los é responsabilidade coletiva.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Artigos Relacionados