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Jean Wyllys

Jornalista, doutorando em Ciência Política pela Universidade de Barcelona, pesquisador no ALARI at Hutchins Center de Harvard e escritor baiano

59 artigos

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Eduardo Leite é um sujeito corajoso

'O governador chegou ao cúmulo de apoiar uma cisão xenófoba no País. É evidente a desmesura de sua ilusão de poder', escreve o colunista Jean Wyllys

Eduardo Leite (Foto: Felipe Dalla Valle / Palácio Piratini)
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Publicado originalmente no Open Democracy

Em seu penúltimo livro “Diante da dor dos outros” a escritora norte-americana Susan Sontag revisita seus escritos de “Sobre a fotografia” após se deparar com as fotos das torturas perpetradas por militares dos EUA contra prisioneiros indefesos em Abu Ghraib. Essas fotos assustadoras foram tiradas pelos próprios algozes como diversão sádica. Sontag então se questiona sobre a coragem como virtude, se ela teria um valor em em si mesma. Para perpetrar um massacre numa escola ou lançar um avião contra um prédio há mesmo que se ter muita coragem - mas nem sempre ela está motivada por justiça ou um bem comum.

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É nesse sentido que reconheço que Eduardo Leite é corajoso.

Do pinkwashing às privatizações suspeitas, chegando ao cúmulo de apoiar uma cisão xenófoba no país, é evidente a desmesura de sua ilusão de poder; e inevitável imaginar o seu destino.

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20 anos após a sua filiação ao PSDB, Eduardo Leite teve a coragem de se assumir gay num programa de televisão de uma rede neoliberal e antipetista, num momento em que esta buscava consolidar seu apoio a um golpe civil. Era o investimento em um candidato que, ao mesmo tempo que representasse os interesses do mercado financeiro e os privilégios das oligarquias políticas, pudesse também garantir a repressão sobre os trabalhadores. Depois de anos no armário, gozando dos prazeres da homossexualidade sob o silêncio hipócrita liberal, Eduardo Leite foi realmente corajoso em sua absoluta insensibilidade à violência homolesbotransfóbica que ceifa a vida de centenas de LGBTs por ano no Brasil, especialmente os que não tem os seus privilégios de classe. O recém lançado presidenciável teve a coragem de usar sua identidade homossexual - o que ele, no mínimo, ignorou ao longo de sua vida política - para, extemporaneamente, fazer pinkwashing num talk show. Pinkwashing é uma variedade de estratégias políticas e de marketing destinadas a promover instituições, países, políticos, produtos ou empresas apelando para sua condição de LGBTs ou de simpatizantes de LGBTs com o objetivo de serem percebidos como “progressistas, modernos e tolerantes” com uma causa nobre. Quem recorre a esse expediente só pensa em lucro financeiro ou dividendo político. Estamos em plena era do Pinkwashing.

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Mas essa não é a sua única coragem. Leite teve também a coragem de perpetrar políticas neoliberais de privatização de ativos públicos a preços no mínimo suspeitos e com enorme prejuízo para a população local em termos de serviços prestados. As notícias sobre sua gestão evidenciam como ela está voltada para a garantia de privilégios dos mais ricos e corporações, em detrimento dos direitos dos mais pobres e da melhoria dos serviços públicos, de saúde e educação. É um neoliberal cuja gestão se resume a atender os ditames de quem financiou sua campanha contra o povo do Rio Grande do Sul. Quem votou nele está pagando um preço alto na forma do empobrecimento e do problema com o fornecimento de luz elétrica.

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Entendo e sou solidário aos que no segundo turno das eleições optaram por ele para não eleger alguém de extrema-direita e supostamente ainda pior. Entre esta e a direita extrema (da qual ele é um representante orgulhoso e vaidoso) a diferença é só o óleo de peroba que os meios de comunicação de massa põem em sua cara por meio de notas, colunas e reportagens assinados por sabujos asquerosos ou por jornalistas reféns da necessidade de botar comida na mesa.

Me dedico ao jornalismo desde 1996, conheço a classe por dentro. Sei como ela pode engendrar profissionais brilhantes, mas principalmente ratos de redação. Os que ralam nas redações e coberturas seguem fazendo textos sofríveis, por pressão do tempo e dos chefes, muitas vezes propagando desinformação, seja pelas condições precárias de trabalho, seja por incompetência - ou ainda por inveja, como no caso dos “jornalistas” que se dedicam a fofocas de “celebridades” das bolhas digitais sem qualquer interesse público, mas muito interesse do público.

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Leite teve a coragem de, em meio a escândalos que envolvem seu governo, assinar e mover junto com o procurador de seu estado um processo contra mim por “homofobia”, uma conveniente cortina de fumaça. Sim, ele teve essa coragem! Enquanto ele gozava tranquilo no armário construído pela classe social em que nasceu e viveu, que lhe deu o privilégio de estar “fora do meio” e de ter podido por anos se camuflar de hetero para vencer eleições como candidato da direita neoliberal, gananciosa, oportunista, hipócrita, elitista, anti-pobre e amiúde golpista, quando não abertamente fascista, do seu estado, eu estava lutando pelos direitos da população LGBT. Enquanto este sujeito construiu uma carreira política sobre o fingimento e a mentira sobre si mesmo na relação com seus eleitores, eu, vindo de baixo da linha de pobreza, filho de um pobre casal interracial - uma empregada doméstica branca e um pintor de automóveis preto -, que enfrentei as primeiras violências homofóbicas aos seis anos de idade, e aos 13 me tornei ativista dentro do movimento pastoral; eu, que estive na primeira parada LGBT de Salvador, quando ela reunia apenas umas duas centenas de gays, lésbicas e travestis assumidos; eu que, após vencer, em 2005, um reality show campeão de audiência que colocou na salas de jantar e casebres do Brasil continental, o tema da homofobia e, com isto, ajudei a quebrar os estereótipos negativos de homossexuais e a libertar muitos gays da opressão doméstica; eu que, depois deste furacão cultural, fiz uma transmissão ao vivo para o já extinto Domingão do Faustão (para milhões de espectadores) direto da Parada LGBT de São Paulo quando esta atingiu a marca de um milhão de LGBTs na Paulista, transmissão ao vivo em que já fiz a interseccionalidade entre orientação sexual, identidade de gênero e classe social, reivindicando os direitos e o respeito a LGBTs pobres e negros não protegidos pelo mercado nem pela classe social; eu, que fiz várias reportagens denunciando a violência homofóbica nos jornais em que trabalhei antes da fama nacional; eu, que escrevi anos para a única revista nacional que abria espaço para o pensamento político-filosófico de homossexuais e transexuais, a G Magazine; eu, que fui o primeiro parlamentar gay assumido a chegar no parlamento em 2011 e a tocar sem medo nem cálculo eleitoral uma agenda parlamentar em favor da comunidade LGBT ou sexo-diversa, comunidade que abriga jornalistas, cientistas, artistas, desportistas, garçonetes, policiais, etc., e que, por isso, tornei-me desde 2011 alvo de ameaças de morte e terríveis campanhas de difamação e assédio por parte da extrema-direita e da direita extrema da qual Leite sempre fez parte; eu, em cujos ombros recaiu a homofóbica e violenta fake news do “kit gay”, ao ponto de estar quase todo meu tempo sob insultos e ameaças presenciais ou digitais; eu, que proferi discursos na Câmara dos Deputados sob chuvas de insultos homofóbicos dos partidários e/ou amigos íntimos de Eduardo Leite que, apesar de gay no armário, juntou-se ao coro misógino e mentiroso que derrubou a única mulher que chegou à Presidência da República no Brasil; eu, que fui o único a reagir abertamente à apologia à tortura e aos insultos homofóbicos proferidos pelo fascista que odeia LGBTs Jair Bolsonaro nessa noite famigerada do golpe de 2016 contra Dilma Rousseff; eu, que escapei, por muito pouco, de um linchamento movido à homofobia odiosa turbinada por fake news e calúnias, cuja propagação foi financiada pelo campo político do qual Eduardo Leite faz parte; eu, que vi minha amiga e companheira de partido, Marielle Franco ser brutalmente assassinada por sicários da milícia que tem estreita relação com Jair Bolsonaro e família, a quem Eduardo Leite não só se aliou conscientemente em 2018, ano desse assassinato covarde, racista, misógino, anti-esquerda e homofóbico, como aproveitou-se de sua onda de extrema-direita para se eleger governador do Rio Grande do Sul; eu, que sobrevivi às horripilantes ameaças de morte motivadas sobretudo pelo meu ativismo político e atuação parlamentar, basta dar uma olhada nos projetos que propus e aprovei quando deputado federal, em dois mandatos consecutivos, contra a homofobia, a transfobia, o racismo e a violência estatal; eu, que quando ainda deputado, contribui substancialmente para a legalização do matrimônio igualitário e para os direitos de famílias sexo-diversas, inclusive o de se expor como casal de comercial de margarina, como agora o fazem Eduardo Leite e seu marido, que nunca moveram uma palha por esses direitos, confortáveis que estavam em seu armário neoliberal; eu, que reuni os Tribalistas Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, quando eles nem pensavam em se reunir de novo, para compor o hino da campanha pelo casamento igualitário “Joga arroz” e consegui a adesão de estrelas do cinema, da TV e da Música, do quilate de Ney Matogrosso, Zélia Duncan, Arlete Sales, Luís Miranda, Wagner Moura, desestigmatizando as famílias LGBTs para o grande público; eu, que me dediquei a usar meu poder como parlamentar para cobrar de delegados, promotores e juízes a investigação rigorosa de assassinatos de LGBTs motivados por homofobia ou transfobia, enquanto Eduardo Leite era, e segue sendo, incapaz de um uma frase pública sequer de pesar pelos mortos ou para seus familiares; eu, que garanti, por meio de emendas ao orçamento da União, recursos para diferentes projetos, serviços e instituições públicas que materializavam os direitos de LGBTs à saúde, aos medicamentos antirretrovirais, a uma escola sem assédio, à formação em artes e à inserção no mercado de trabalho sem discriminações; isso sem contar as outras emendas ao orçamento que beneficiavam a todos, independentemente do gênero, identidade gênero, orientação sexual e etnia, como as que destinei à Fiocruz, ao hospital do Câncer de Barretos e ao hospital do Fundão da UFRJ, para citar apenas três; enquanto eu abria todas essas frentes, Eduardo Leite só se preocupava politicamente em garantir os privilégios dos gaúchos ricos.

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Eu, que tolerei, por oito anos, na Câmara Federal, todas as expressões da homofobia, do insulto à agressão física, todas fartamente documentadas em vídeos e atas com testemunhas; eu, que apresentei a lei mais completa pela garantia dos direitos das pessoas trans; eu, que, ao fim e ao cabo, fui obrigado a deixar o país porque as assustadoras e também fartamente documentadas ameaças de morte chegaram à minha família humilde de trabalhadores honestos e decentes do nordeste, que sobreviveram à fome, ao racismo, ao descaso neoliberal de plutocratas como Collor, Sarney, Fernando Henrique Cardoso, depois de sobreviverem aos grupos de extermínio da ditadura militar; e, nos casos particulares meu e de um de meus irmãos, que sobrevivemos à traumatizante homofobia que impera em periferias cada vez mais oprimidas por seitas cristãs neopentecostais e organizações do tráfico de drogas, não raro aliados entre si na construção de um embrião de estado nas periferias e favelas de cidades brasileiras, onde a pena de morte é praticada sob aplausos de pobres reacionários reféns da violência do banditismo, e sob os olhos indiferentes de autoridades como Eduardo Leite, que, via de regra, parasitam o medo de populações indefesas para se elegerem e, depois, usam as polícias para massacrar qualquer movimento político de contestação ou oposição à sua necropolítica.

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Monstros elitistas e aporofóbicos, e parte significativa dos pobres que são vítimas de sua necropolítica se unem contraditoriamente no coro “bandido bom é bandido morto”, desde que esses bandidos não sejam brancos, ricos, empresários, escravistas, nem oficiais das forças armadas. Basta notar a impunidade até agora dos bandidos racistas e homofóbicos que integraram o governo Bolsonaro. Governo esse apoiado entusiasticamente por Eduardo Leite na tentativa de criminalizar e destruir o PT sem piedade, tanto por meio de uma cobertura “jornalística”, que não passava de propaganda difamatória sem qualquer disfarce contra Lula, a esquerda e o PT, quanto da Lava Jato e os seus ataques políticos via lawfare do Judiciário e Ministério Público. Esses poderes estão repletos dos herdeiros das capitanias que protegem sua classe social e os partidos políticos que lhes representam, salvas as raríssimas exceções de garantistas e constitucionalistas.

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Aliás não foram poucas as declarações de Eduardo Leite nesse sentido na imprensa neoliberal que o promove. Eu que desde o princípio criticava abertamente os abusos da Lava Jato e seu claríssimo atentado ao tempo das garantias jurídicas; eu, que desde o momento em que a imprensa anti-esquerda e antipetista principalmente começou a fabricar Moro como “herói” o critiquei aberta e inúmeras vezes por suas óbvias parcialidade, boçalidade, arrogância e ódio ao PT, pagando um preço político altíssimo dentro de meu ex-partido, o PSOL, na ocasião infestado de antipetistas ressentidos e oportunistas que repetiam as narrativas midiáticas que me sabotaram sem remorso, além, claro, de muita homofobia mal-disfarçada.

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Hoje Eduardo Leite usa a máquina pública para me fazer evidente assédio jurídico no vão objetivo de tentar me intimidar com seu arsenal apenas por ter lhe dito a verdade sobre sua política educacional de tintas fascistas. Elas refletem sua inegável relação conflituosa com sua própria homossexualidade, e se apresentam como evidentes sintomas de homofobia internalizada. Esse tema é estudado por extensa bibliografia psicanalítica, filosófica, sociológica e política pelas frequentes relações entre homofobia internalizada, fetiche por autoritaritarismo e signos da dominação masculina. Leite, aproveitando-se de um complô político-midiático, está tentando me usar como cortina de fumaça para desviar atenção do que de iníquo ele vem fazendo contra os pobres e trabalhadores gaúchos.

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Esse tipo de corajoso sempre tem a adesão de similares. Aproveitando-se do ataque de Leite, um dos políticos que já foi do antipetismo à foto com juíz lavajatista, passando pela negação eleitoreira de toda sua agenda política anterior, portanto, um cínico que sabotou uma aliança que eu mesmo propus em 2018, entre PSOL e PT, para eleger ao menos um senador no Rio de Janeiro; esse sujeito, que chegou ao ponto de puxar uma vaia contra mim com radicais aloprados do partido, num comício em Niterói, naquele fatídico ano, teve a coragem de vir me dar, por meio da imprensa neoliberal, lição de “união” por eu ter criticado, sem meias palavras, e com alguma ironia, as posições deletérias e contraditórias de Eduardo Leite.

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Quando Eduardo Leite passa por cima da decisão do governo Lula de descontinuar o programa caro, ineficaz, e de fonte de sofrimento para LGBTs, que é o das escolas cívico-militares, criado pelo governo fascista e abertamente homofóbico de Bolsonaro, ele está minando a autoridade do governo federal. Quando decide seguir com essa fábrica de estudantes disciplinados militarmente, Leite, no fundo, ri secretamente, junto com sua direta extrema, do esforço genuíno e necessário, mas também inevitavelmente ingênuo, do presidente Lula de “unir” o país polarizado pela extrema-direita, sem que haja, para tanto, as imprescindíveis ações de memória, verdade e justiça contra os culpados pela polarização e disseminação do ódio à esquerda, entre os quais está o corajoso Eduardo Leite, e seus similares, em suas campanhas eleitorais. Quando ministros do governo e alas do PT passam pano para atitudes como a de Eduardo Leite, alimentam aqueles que, muito em breve, vao lhe apunhalar novamente pelas costas. Uma coisa é união, reconstrução e republicanismo, outra é conluio regional e cálculo eleitoral equivocado.

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Aliás, não foi só o político oportunista e lulista de última hora que decidiu me dar “conselhos sobre união”, como tantos outros bajuladores, velhacos, além do “fogo amigo“, que, nos bastidores inclusive de ministérios, alimentam jornalistas, muitas vezes mulheres neoliberais da imprensa hegemônica, com informações maldosas até mesmo contra a primeira-dama Janja Lula; e, sim, o fato de serem mulheres não é mero acaso, é para amenizar a misoginia e o machismo do ataque; não foram só estes que tiveram a coragem de se erguer na mídia de direita em favor de Eduardo Leite, e no ataque tão covarde quanto coordenado contra mim; um ancião colunista de um jornal sensacionalista e mal-escrito, de propriedade de um político cassado por corrupção, jornalista esse cujo filho sempre gozou da liberdade de insultar e nivelar por baixo os parlamentares do Congresso Nacional com seus preconceitos anti-política em programa de humor rasteiro, encorajou-se a me insultar publicamente, tecendo comentários sobre meu temperamento. Pergunte-me quantas vezes esse escroque escreveu não apenas ironias mas insultos e mentiras contra Lula num estilo tão agressivo que faria corar Lacerda? Inúmeras! Ele, contudo, acha que só ele goza do direito de ser duro na esfera pública. Ele deve achar que, por eu ser gay, eu devo abrir mão da ironia, do deboche e da contundência em minha reação ao horror de políticos neoliberais dissimulados como Eduardo Leite.

Outro jornalista da imprensa neoliberal, o que forjou o termo “petralha”, cujo objetivo inegável é insultar e associar qualquer petista ao banditismo e à corrupção, e que alegremente agitou as marchas fascistas contra o governo da presidenta Dilma; este sujeito que embora tenha sido suficientemente esperto para deixar o coro antipetista quando a maré anunciava mudar; este sujeito que, em sua homofobia (internalizada também? Sempre tive esta suspeita!) me tratava de “Nataly Lamour do Congresso Nacional” pelo simples fato de eu criticar a Lava Jato à época em que esta era propagandeada por ele, pela Globo, Folha, Estadão, Band, SBT e veículos menores, mas igualmente venais, e por defender Lula das acusações por parte da mídia neoliberal de que ele era “ladrão”, repetidas exaustivamente por ele; tal sujeito, como outros colunistas destes veículos que vomitam diariamente suas platitudes ao sabor das ordens dos seus patrões, no fundo, odeia e sempre vai odiar o país que o presidente Lula representa; este sujeitinho que agora caiu nas graças da parcela desmemoriada e vazia da esquerda, sobretudo do PT, por não poder mais negar o óbvio ululante da incompetência e corrupção de Bolsonaro e da extrema-direita, teve a coragem de afirmar que a foto de Eduardo Leite e seu marido ao lado do presidente Lula e da primeira dama Janja “faz mais pela comunidade LGBT“ do que minha trajetória de vida e trabalho. Se esse sujeito fosse minimamente honesto como jornalista, reconheceria que essa foto, da parte de Lula, representa um esforço de diálogo na esperança de pacificar o país rachado pelo ódio à esquerda e às minorias; mas que, da parte do governador do Rio Grande do Sul, representa uma oportunidade de se fazer de democrata usando a imagem do homem e da mulher que, neste momento, representam, em termos de expectativas para o mundo democrático, o antídoto das políticas neoliberais implementadas por governantes que, como ele mesmo, estão destruindo o planeta, seja pela leniência em relação à crise climática, seja pela desinformação programada; este jornalista, que agora tenta fazer média com a deputada trans Erika Hilton por algo que ele via em mim como um “defeito”, o que justificava sua homofobia, o fato de eu ser pop; este sujeitinho teve a coragem de dizer que essa foto publicitária do casal presidencial ao lado do casal gay heteronormativo foi exemplar contra o preconceito contra LGBTs.

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Sim, tem que ser muito corajoso para afirmar hipocrisias como esta no conforto de sua suposta heterossexualidade. Esse jornalista se sente autorizado a dizer a LGBTs o que é bom ou não para nós, assim como comumente brancos se acham no direito de dizer para negros o que é racismo e o que não é. De posse de seu microfone no rádio diz o que quer, no tom que quer, sobre quem quer e tem agora a coragem de querer me tirar o direito de dar uma resposta irônica e verdadeira a um gay oportunista cujo poder lhe subiu a cabeça ao ponto de, como resposta à minha crítica dura, usar seu cargo e relações suspeitíssimas com membros do MP e do judiciário gaúchos para me intimidar.

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Esse abuso de poder não parece absurdo aos olhos da imprensa que me condena por ter feito um tweet crítico a um governador que deseja continuar uma política educacional ineficaz e de ambientes hostis a LGBTs. Ou seja, para a imprensa que o defende, e tenta me massacrar neste momento, o perigo à democracia está no meu estilo de escrita e no uso de figuras de linguagem, e não no desproporcional, violento e ilegal uso da máquina do Estado contra um intelectual público. Eu talvez devesse ficar lisonjeado com todo esse ataque orquestrado contra mim, afinal ele aponta um capital político e uma voz que, pelo que estou vendo, ameaça os maiores escroques da cena política brasileira. O curioso é que o estilo debochado e ferino de racistas como Paulo Francis, elitistas como Boris Casoy ou de direitistas doentios como Merval Pereira e seus ataques frontais e venais à esquerda são elogiados pela mídia que está em polvorosa com meu Tweet. Vera Magalhães chamou Boulos de bandido, ofendeu a honra de Lula e ganhou como prêmio dessa atuação fofa, e em favor da união do Brasil, o posto de apresentadora de um programa de TV.

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Eu que me dedico há pelo menos três décadas ao ativismo LGBT, mas não só a este, e, por conseguinte, ao estudo largo e profundo das questões de sexualidade e gênero e política; eu que estive num debate de repercussão internacional ao lado da grande referência intelectual dos Estudos de Gênero e Teoria Queer, Judith Butler, com quem escrevi um artigo sobre “Dissidência sexual” em revista de divulgação científica em duas línguas; eu, que estive em algumas das mais prestigiadas universidades do mundo, em diferentes continentes, para proferir conferências sobre a homofobia e suas formas de sujeição; eu, que escrevi prefácios para livros de renomados escritores como Silviano Santiago, e intelectuais como James Green, um dos fundadores do movimento homossexual no Brasil, e professor titular da Brown University; eu, que escrevi prefácios para novos talentos da literatura voltada para o público LGBT, como o argentino Bruno Bimbi, Felipe Cabral e a também atriz e cantora gaúcha trans Valeria Barcelos; eu, que estou como fonte protagonista de, pelo menos, uma dezena de premiados documentários nacionais e internacionais sobre a luta contra a homofobia e o fascismo no Brasil na última década, entre eles, os recentes “Quebrando mitos” e “Corpolitica”, além do indicado ao Oscar “Democracia em Vertigem”, e do dirigido pelo astro trans de Hollywood Elliot Page; eu, que criei, roteirizei e apresentei quatro temporadas de um programa no Canal Brasil dedicado a expor a sétima arte feita por e sobre LGBTs, o Cinema em Outras Cores; eu, cujos três últimos livros publicados “Tempo bom, tempo ruim”, “O que será” e “O que não se pode dizer” abordo temas que afligiram a democracia brasileira, principalmente a organização da extrema-direita neopentecostal contra a comunidade LGBT; eu, que fui incluído na lista de uma revista liberal e de direita The Economist entre as 50 personalidades do mundo que mais defende a diversidade, figurando ao lado de ganhadores do Nobel da Paz; eu, que tenho dezenas de artigos publicados em jornais de prestígio fora do Brasil e sou reconhecido em países da Europa, Reino Unido, América Latina, nos EUA e no Canadá como intelectual público, e agora artista brasileiro, cuja arte política e ativismo celebra a diversidade em exposições em museus e galerias destes países; eu, que tenho essa formação e repertório fui chamado de “ignorante” por um sujeito, Eduardo Leite, que pelo que parece, nunca ouviu falar de Proust, Manuel Puig, James Baldwin, Thomas Mann, Reinaldo Arenas, Virgine Despentes, George Sand, João Silverio Trevisan e Paul Preciado, para me restringir apenas a alguns a quem eu, sempre que posso, cito, e ele, se os conhece, infelizmente nunca os leu ou os citou. Se por acaso os leu, seguramente nada entendeu.

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Nenhuma pessoa LGBT que lê qualquer desses autores permanece no armário, fingindo heterossexualidade para seu eleitorado homofóbico. Tenho dúvida até se ele já leu algo de seu conterrâneo Caio Fernando Abreu. Leite precisa ler com urgência, “A lenda das Jaciras” ou “Sargento Garcia”. Este último é um pérola da Literatura Brasileira sobre as relações entre homofobia internalizada, militarismo e fetichismo com fardas, tema mencionado em meu Tweet que ele considerou “homofóbico” em sua, agora sim, ignorância e cinismo.

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Para quem combate de fato a homofobia, não apenas como um problema de cálculo “pessoal“ ou eleitoral, mas um problema social e uma luta coletiva que deve ser permanente e compartilhada por toda a sociedade, a palavra que norteia a atitude e sentimento de comunidade de LGBTs no mundo todo é o “orgulho“. Palavra que nunca vi Eduardo Leite mencionar para se referir ao valor e às conquistas dessa comunidade.

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As fake news produzidas e divulgadas com o financiamento de empresários no ecossistema digital criminoso de Bolsonaro, e também de organizações liberalóides cujos membros fazem apologia ao nazismo, praticam assédio moral e difamação contra artistas e intelectuais, e insultam Lula sem pudores, das quais fui vítima inúmeras vezes, nunca importaram ao governador. Ao contrário de se indignar com toda essa violência, ele esteve ao lado de quem a praticou até o segundo turno da eleição passada, em que seu aliado Bolsonaro usou as armas mais sujas para impedir a vitória de Lula. Sou eu, com toda essa biografia e feitos, que tive um tweet apagado e sigilo de dados quebrado por decisão de uma juíza de primeira instância gaúcha na sentença da ação que Leite, junto com o procurador do Estado, teve a coragem de mover contra mim. Um caso de lawfare, o que ficou conhecido por aqui com a perseguição da Lava Jato contra Lula. Aliás, Leite fez bastante elogios a essa operação que levou Lula à prisão sem provas.

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A decisão da juíza, além de ser injusta e suspeita do ponto de vista jurídico, nega, ignora e passa por cima da memória histórica, e da realidade dos fatos, transformando o algoz em vítima. É uma decisão sobretudo baseada na ignorância sobre o que é homofobia. Curioso é a pressa com que a sentença foi dada em um sistema em que pobres apodrecem em prisões provisórias porque supostamente os juízes estão abarrotados de processos.

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Só posso crer que essa coragem da juíza, do procurador e do governador é movida ou pela má-fé ou por ignorância. Esse ataque é a expressão da coragem dos que açoitam e tentam intimidar, silenciar e censurar a crítica e a oposição políticas por meio de assédio jurídico e lawfare, feitos sob medida para criar cortina de fumaça. Puro suco do Brasil de oligarquias.

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Para esconder o que? É o que se deve perguntar! E devo lembrar ao procurador e à juíza que os órgãos corregedores como CNJ e corregedoria do MP não são meros enfeites. Neles cabem representação contra sentenças injustas e politicamente motivadas.

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Voltando à coragem como ação que não é virtuosa em si mesma, já que a virtude desta depende do objetivo, eu também tenho coragem e sempre tive de enfrentar os que enganam, os que fingem, os que oprimem e os que mentem para fazer desse mundo um lugar injusto e infeliz para os mais fracos.

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Quem em parte me inspirou nessa coragem foi Lula, em quem votei desde sempre. E a quem sigo admirando e para cujo governo seguirei lutando para dar certo. Enquanto houver gente com o tipo de coragem de Eduardo Leite, há que existir gente com o tipo de coragem de Lula, da qual eu pratico e seguirei praticando.

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