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Florestan Fernandes Jr

Florestan Fernandes Júnior é jornalista, escritor e Diretor de Redação do Brasil 247

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Emendas, impeachments e o risco de ruptura institucional

Movimentação nos bastidores indica que debate sobre impeachment de ministros do STF deve se transformar no principal foco de tensão institucional

Congresso Nacional - 16/09/2024 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)

Desde 2018, a extrema-direita vem tentando cercear a autonomia do STF. As ameaças à Corte sempre fizeram parte do projeto golpista que buscava impor ao país um modelo autocrático, a ponto de o fechamento do Supremo ter sido tema de reuniões ministeriais no governo Bolsonaro. Isso sem falar nas ameaças anteriores ao (des)governo Bolsonaro; não nos esqueçamos da estratégia de Eduardo Bolsonaro - “um cabo e um soldado” como suficientes para fechar a Suprema Corte.

Nas ruas, porém, esses ataques ganharam outra dimensão. Em comícios de extrema-direita, o ex-presidente transformou o STF, sobretudo o ministro Alexandre de Moraes, em alvo de sua retórica incendiária. Durante o julgamento do núcleo 1 da tentativa golpista, os Bolsonaro chegaram a obter o apoio de Donald Trump, que aplicou a Lei Magnitsky contra Moraes, sua esposa e seus filhos. Ainda assim, o STF não recuou; manteve-se firme na defesa do Estado Democrático de Direito.

Mas o cerco à Corte não parte apenas desses setores golpistas. Hoje, repousam sobre a mesa do presidente do Senado 81 pedidos de impeachment contra ministros do STF, algo sem precedentes na história brasileira ou em qualquer democracia consolidada.

Parte dessa ofensiva tem origem na reação de parlamentares às investigações conduzidas pelo ministro Flávio Dino sobre o uso irregular das emendas impositivas. O poder dessas emendas cresceu de maneira explosiva nos governos Temer e Bolsonaro, chegando a R$ 50 bilhões em 2024. Esse mecanismo distorce o planejamento das políticas públicas e retira do Executivo a capacidade de coordenar o orçamento, como já admitira o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, ao afirmar que a “caneta das emendas” havia mudado de mãos.

O descontrole chegou a tal ponto que parlamentares como Eduardo Bolsonaro, hoje foragido, e Alexandre Ramagem, fugitivo da Justiça, solicitaram, mesmo estando fora do país, emendas individuais superiores a R$ 40 milhões, cada uma.

Para muitos congressistas, a única forma de conter as investigações sobre essa verdadeira farra das emendas, é frear o STF. E, nesse ponto, Centrão e extrema-direita caminham lado a lado, unidos pelo mesmo objetivo, numa releitura antinacional do lema que sempre nos foi caro, “ninguém solta a mão de ninguém”.

Atualmente, o impeachment de um ministro do STF depende de maioria simples no Senado (41 votos). Alterar essa correlação de forças é justamente o propósito do projeto de lei (PL) patrocinado pela extrema-direita. Se conquistar essa maioria, o grupo passará a ter condições de avançar sobre o Supremo e dar mais um passo em seu projeto autocrático.

Preocupado com esse risco, o decano Gilmar Mendes concedeu liminar na quarta-feira (3), determinando que apenas a Procuradoria-Geral da República possa apresentar pedidos de impeachment contra ministros da Corte, além de elevar o quórum necessário para o afastamento de integrantes do STF para 54 votos.

A resposta do Senado foi imediata. Intensificaram-se as articulações para aprovar, ainda antes do recesso parlamentar, mudanças na legislação dos crimes de responsabilidade que atingem ministros do STF, o presidente da República e outras autoridades.

O projeto, que deve ser debatido pela CCJ já na próxima semana, estabelece prazo para que o presidente da Câmara decida sobre pedidos de impeachment, encerrando o engavetamento indefinido. Também amplia o rol de autoridades que podem responder por crime de responsabilidade, incluindo juízes, desembargadores e membros do Ministério Público. Outro ponto controverso autoriza partidos, sindicatos e a OAB a apresentar denúncias formais.

A movimentação intensa nos bastidores indica que esse debate deve se transformar no principal foco de tensão institucional nas próximas semanas, com impacto direto nas relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

E é nesse embate, que avança sem freios, que mais uma vez os pilares da democracia são expostos à erosão, são vulnerados. Se prosperarem as tentativas de subjugar o Supremo, o país não estará diante de uma disputa política ordinária, mas de um ataque frontal ao equilíbrio entre os poderes, o mais grave desde a redemocratização.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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