“Essa é a eleição mais incerta dos últimos anos”, diz presidenciável do Chile
Para Ominami, de centro-esquerda, Lula é a “esperança” da América Latina diante das ações de Trump
Por Marcia Carmo, enviada especial a Santiago
O pai do candidato à Presidência do Chile, Marco Enriquez-Ominami, foi assassinado em 1974 durante a ditadura de Pinochet. Miguel Enríquez era um médico e um dos fundadores do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR). Seu filho, Ominami, admirador do presidente Lula e conhecedor da trajetória do Brasil e da América Latina, cresceu no exílio na França, onde estudou cinema e filosofia. Ele retornou ao Chile há mais de 20 anos e lamenta que Pinochet seja defendido pela direita e extrema-direita na corrida eleitoral ao Palácio presidencial La Moneda. Não é a primeira vez que Ominami disputa o pleito presidencial. Mas ele acha que esse é o resultado mais incerto dos últimos tempos no país. Ominami está preocupado com as ações de Trump contra Petro e Maduro e diz que Lula é a “esperança” nesse xadrez político. Nesta sexta-feira, a dois dias do primeiro turno da eleição deste domingo, o presidenciável, do Partido independente, de centro-esquerda, que é um dos oito candidatos ao La Moneda, concedeu esta entrevista exclusiva ao Brasil 247 em seu escritório de campanha no bairro Bella Vista, na Providencia, em Santiago.
Leia a seguir os principais pontos da entrevista ao Brasil 247:
A expectativa para o resultado:
É a eleição mais incerta dos últimos anos por dois motivos. Um deles é o voto obrigatório. Milhares de chilenos jamais votaram para presidente. É a primeira vez que há uma eleição presidencial com voto obrigatório e uma multa muito mais alto do que a do Brasil. A multa é de 115 dólares (cerca de R$ 644). Então, haverá uma grande participação. E as pesquisas não conseguem medir esse total de participantes. O segundo fator é que as empresas de pesquisa têm um alto índice de rejeição, de 95%. Ou seja, 95% dos chilenos não respondem às pesquisas.
Proposta econômica:
Acho que temos a candidatura mais preparada porque as outras sete candidaturas se negaram a falar de economia ou fizeram propostas que não explicaram como serão financiadas. O Chile tem um modelo econômico esgotado. Foi um dos melhores alunos da América Latina e hoje é um dos piores. Cresce menos do que o Brasil e é uma economia sem colchão financeira. Gastamos o que tínhamos na pandemia. Uma projeção de crescimento de apenas 2% e não tem como financiar as políticas sociais e de segurança pública. E o modelo de exportação do Chile perdeu força por falta de valor agregado e porque o mundo já não beneficia nosso país.
As tarifas de Trump:
As tarifas de Trump, a reindustrialização seletiva da União Europeia e o baixo crescimento chinês afetam uma economia muito aberta e desindustrializada, como a chilena, e isso não fez parte do último debate (presidencial). E acho que isso terá algum impacto. Espero, na eleição de domingo.
As pesquisas apontam disputa no segundo turno entre Jara, da esquerda, e a direita. O que pensar?
O que sei é que foram realizados plebiscitos no Chile sobre realizar ou não uma nova constituição, com voto obrigatório. E sei que (o presidente) Boric e os candidatos agora à Presidência, Katz e Matthei perderam.
Governo Boric e ‘4 Milei’ e ‘4 Bolsonaro’ na corrida eleitoral:
Foi um governo muito decepcionante, que permitiu que a direita dura esteja desinibida. Aqui não há um Milei, são quatro Milei. Não há um Bolsonaro. São 4 Bolsonaro. (Kast, Kaiser, Matthei e Parisi). Juntos, se as pesquisas estiverem bem, eles representam 65% dos votos. Então, é um cenário extremamente adverso para o mundo progressista, humanista.
Como ele se define ideologicamente?
De centro-esquerda. Resultado da ditadura. A metade da minha família foi assassinada. Por isso eu acho inaceitável o uso do Estado para aniquilar o pensamento do outro. E hoje cinco candidatos são votantes da ditadura.
Seu pai foi assassinado pela ditadura de Pinochet. Como se explica, na sua opinião que os candidatos Kast (Partido Republicano) e Keiser (Partido Nacional Libertário) defendam Pinochet e depois de tanto tempo do retorno da democracia no Chile?
A incompetência desse governo (Boric). Uma esquerda que não entende nada de desigualdade e pobreza. Uma esquerda que abandonou as reformas. Uma esquerda que ganhou como expressão da maior energia após o ‘estallido social’ (a rebelião das ruas antes da eleição de Boric) e que frustrou e decepcionou esse esforço. Nunca antes na história do Chile tivemos tanta força como em 2019...E para acabar com cinco candidatos da direita dura disputando essa eleição de 2025.
Boric e a extrema-direita
Votei nele. Mas foi uma grande decepção. Mas também é verdade que estamos vivendo uma era que tem Trump, Milei, Vox (da Espanha), Le Pen (França), Bolsonaro...Noboa, no Equador. O Chile não é impenetrável neste sentido. Mas o caso chileno surpreende.
A segurança pública é o tema central na eleição e no debate se falou da matança nos Complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro.
É verdade que no Chile há uma onda de medo e isso não é manipulação. O tema principal é a segurança sim. O problema é que a direita dura e este governo falam sobre segurança pública sem falar na fratura social. Como vamos ter um país com Justiça se é injusto? Temos problemas de acesso à água, pobreza...E se não falarmos da desigualdade e da pobreza, não podemos falar de segurança. (...) O Chile duplicou a taxa de homicídios em dez anos. (...). Não tínhamos sequestros, não tínhamos assassinos por encomenda, não tínhamos a presença do grupo Trem de Aragua...E tudo isso é uma realidade hoje.
Qual é sua proposta para a segurança pública? Porque a direita e extrema-direita falam em criar mais presídios e até sugerem pena de morte para criminosos...
Acho que é preciso dar maior apoio técnico, de tecnologia às policias, sabendo que é também um problema de desigualdade social...E para (a melhor qualificação das policias, entre outras medidas) é preciso aumentar o orçamento para o setor e nenhum dos candidatos fala sobre isso. Minha proposta é a reforma tributária... (aumentando impostos para os maiores patrimônios e a setores como a mineração).
Trump olha para a região e tropas militares marítimas dos Estados Unidos atacam nas águas próximas da Venezuela e da Colômbia... O que fazer?
Estamos em um momento de barbárie de geopolítica. A América Latina e Caribe não conseguimos recriar a Unasul e nem fortalecer a Celac. Há, então, um problema objetivo diante de um Trump, um Noboa, um Milei com projetos políticos que desprezam o estado de direito e olham o narcotráfico. E, nós, como esquerda não temos resposta. Estamos desarticulados e acho que o que está acontecendo na Venezuela e na Colômbia é a prova de que temos que reorganizar o continente porque transformar ao presidente da Colômbia em narcotraficante, ao presidente da Venezuela em narcotraficante, por pura convicção, sem nenhuma prova, nos coloca em uma situação impossível...
Lula
Somos uma voz irrelevante, mas na América Latina a exceção é o presidente Lula. Lula é a única esperança de uma voz, de contrapeso a estes processos de barbárie diplomática. E espero que a partir de março de 2026, com a posse do novo presidente chileno, que o Chile possa reforçar a postura do presidente Lula. Nosso projeto político é em linha com o presidente Lula. Organizar a América do Sul para fortalecer a América Latina, construir um polo de respeito ao direito internacional para combater ao narcotráfico e ao crime organizado que são realidades.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




