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Marcia Carmo

Jornalista e correspondente do Brasil 247 na Argentina. Mestra em Estudos Latino-Americanos (Unsam, de Buenos Aires), autora do livro ‘América do Sul’ (editora DBA).

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Chile, entre a esquerda e a extrema-direita saudosista de Pinochet

A ascensão de discursos ultraconservadores e o avanço da direita reacendem no Chile o fantasma do pinochetismo em plena disputa presidencial

Jeanette Jara (dir.), candidata do PC do Chile nas primárias presidenciais (Foto: Prensa Latina )

Por Marcia Carmo, enviada especial a Santiago - Neste domingo, quase 16 milhões de eleitores chilenos decidirão, no primeiro turno, entre oito candidatos à Presidência do país. No encerramento da campanha, nesta quinta-feira, ficou ainda mais evidente que o país andino está decidindo seu rumo entre a esquerda (ou centro-esquerda) e a extrema-direita. Num discurso em Valparaíso, a candidata e ex-ministra do Trabalho, Jeannette Jara, de 51 anos, da frente Unidade pelo Chile, ratificou seus planos de maior inclusão social e rejeitou as políticas de mão dura contra a criminalidade e contra os imigrantes ilegais que defendem seus opositores – opositores que também planejam a liberdade para os condenados por crimes contra a humanidade durante a ditadura de Pinochet (1974-1990).

Integrante do Partido Comunista desde os 14 anos de idade, Jara buscou, porém, mostrar, na reta final da campanha, que é mais de centro-esquerda do que de esquerda, sugeriu se diferenciar do presidente Gabriel Boric e indicou que o PC não seria sua única vertente, caso seja eleita. Com a atitude, ela pretende conquistar o voto dos indecisos ou dos que não aprovam o governo Boric e também não se identificam com a esquerda.

Opinião popular e dos analistas

Nas ruas, conversando com comerciantes, taxistas e estudantes, as declarações são quase similares às que indicam analistas. Que Jara poderia ter uma votação expressiva e liderar o primeiro turno, mas que a decisão seria no segundo turno, em dezembro. Neste caso, com a direita e a extrema-direita, agora dividida com quatro candidatos, chegando unidas a um eventual segundo turno.

As últimas pesquisas publicadas no próprio país foram divulgadas no dia dois de novembro, por normas locais. Mas outras internacionais também indicam virtual segundo turno. Como os levantamentos erraram nas eleições recentes na América do Sul (eleições legislativas na Argentina e presidenciais na Bolívia), tudo pode acontecer. Como disse à reportagem o professor da Universidade de Valparaíso, Guillermo Holzmann, “pode até surgir um resultado inesperado neste domingo e sequer termos segundo turno”.

As urnas dirão... Os resultados oficiais começarão a ser divulgados a partir das 20 horas deste domingo (16). O horário de Santiago, aqui no Chile, é o mesmo de Brasília. Os analistas chilenos ouvidos pelo Brasil 247 explicaram o quadro atual a horas da eleição, que inclui também a votação para renovar o Congresso Nacional – 155 deputados e 50 senadores.

Jara aglutina esquerda e centro-esquerda

A professora do departamento de Estudos Políticos da Universidade do Chile, Claudia Heiss, observa que Jeannette Jara conseguiu aglutinar a esquerda e a centro-esquerda e que foi como ministra do Trabalho do governo Boric que liderou reformas importantes para as classes mais pobres, como a das aposentadorias, e ainda o projeto que reduziu a jornada de trabalho. “Mas Jara está tentando crescer e ir além do apoio da base de Boric. Porém, num segundo turno, a direita, a extrema-direita, poderia vencer e poderíamos ter quatro anos de um governo com perfil que não tivemos desde o retorno da democracia”, disse Heiss.

Populismo de direita: o candidato ‘amigo’ de Bolsonaro, com proteção de vidro, e o fã de Milei e de Trump que quer muro na fronteira

A professora Claudia Heiss disse que o populismo de direita e de extrema-direita do Chile se assemelha ao do ex-presidente Bolsonaro. “Um populismo que vocês já tiveram no Brasil com Bolsonaro, com o saudosismo da ditadura. E aqui no Chile estamos vendo como os candidatos Kast e Kaiser recordam Pinochet e defendem a libertação dos presos daquele período e querem que eles cumpram prisão domiciliar. Kast justifica os crimes contra os direitos humanos e Kaiser defende, abertamente, aquela etapa triste do Chile”, afirmou.

José Antonio Kast, de 59 anos, do Partido Republicano, perdeu para Boric na última eleição presidencial e, no passado recente, fez questão de tirar foto com Bolsonaro, com quem mostrou, então, identificação. Em seu discurso final de campanha, na noite de quinta-feira, ele falou aos apoiadores cercado por um vidro à prova de balas. Uma mensagem que foi interpretada por analistas das emissoras locais de televisão como “a do medo” da violência que hoje preocupa os chilenos.

Kast e Kaiser: quem é mais radical de direita?

Kast, como Kaiser, tem plataforma e discurso contra imigrantes ilegais, a esquerda e a criminalidade. Nesta eleição, a segurança pública e a imigração são os principais assuntos do debate entre os chilenos. O deputado Johannes Kaiser, de 49 anos, do Partido Nacional Libertário, admirador do argentino Milei, é ainda mais radical, em seus discursos, do que Kast. “Kaiser é mais explícito quando fala em Pinochet. Kast, por sua vez, moderou seu discurso nesta campanha para tentar conquistar mais votos. Na eleição passada, ele teve ampla rejeição entre as mulheres, que acabaram sendo decisivas para a vitória de Boric nas urnas”, disse Heiss.

Os dois candidatos querem uma linha de segurança pública inspirada em Bukele, de El Salvador.

Pinochet e o saudosismo da ditadura

A professora da Universidade do Chile lembrou que, no plebiscito de 1988 que definiu a saída de Augusto Pinochet, o “não” à sua continuidade venceu com 55% dos votos, mas 45% do eleitorado votou por sua permanência. “Hoje há uma releitura da sociedade chilena sobre a ditadura, que é alimentada pelos candidatos da direita. Muitos de nós não esperávamos estar vivendo essa situação”, disse.

Para ela, a eleição tende a ser definida no segundo turno, em dezembro, e, se a direita e a extrema-direita se unirem, incluindo os candidatos Evelyn Matthei e Franco Parisi, há a “enorme possibilidade” de vencer e assumir o Palácio La Moneda em março do ano que vem. Qualquer surpresa, porém, como notou o professor Holzmann, ainda pode acontecer.

Falta pouco para sabermos o que as urnas dirão neste domingo, com a eleição chilena sendo realizada num momento em que os Estados Unidos, com o governo Trump, voltam a olhar e a atuar fortemente na América do Sul.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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