HOME > América Latina

Referendo no Equador reacende disputa geopolítica na América Latina

Referendo pode abrir caminho para presença militar dos EUA e reverter avanços constitucionais, segundo análise de Lee Brown

Presidente do Equador, Daniel Noboa (Foto: Santiago Arcos/Reuters)

A crescente tensão militar promovida pelos Estados Unidos contra a Venezuela domina o noticiário, mas outro movimento relevante ocorre no Equador e tem recebido pouca atenção. De acordo com uma análise publicada pelo Morning Star, assinada por Lee Brown — que viveu no país por vários anos — o referendo convocado para este domingo (16) representa um ponto de inflexão na disputa por influência na América Latina.

Segundo a opinião de Brown, a consulta popular pode abrir a porta para novas bases militares norte-americanas, hoje proibidas pela Constituição progressista de 2008. Para o autor, trata-se de um avanço decisivo no processo de desmonte das conquistas da Revolução Cidadã, liderada pelo ex-presidente Rafael Correa, cujo governo encerrou a presença militar dos EUA em 2009 em nome da soberania nacional.

Brown destaca que o ambiente político no país mudou e observa que, às vésperas do referendo, a secretária de Segurança Interna dos Estados Unidos, Kristi Noem, visitou instalações militares equatorianas em um gesto interpretado como demonstração de influência externa. Para ele, a proposta em votação vai muito além da questão militar: prevê a redução quase pela metade do número de parlamentares, cortes no financiamento aos partidos e a convocação de uma nova Assembleia Constituinte.

O autor ressalta que a substituição da Constituição de 2008 é o ponto mais sensível, já que o texto se tornou referência internacional ao reconhecer direitos da natureza e garantir que setores estratégicos — como energia, telecomunicações e recursos hídricos — permanecessem sob controle público. Em sua visão, essas proteções sempre foram vistas como barreiras pelos setores empresariais e por corporações estrangeiras interessadas nos recursos do país.

Para Brown, o referendo se insere em uma ofensiva contínua contra o legado político e social do período correísta. Ele menciona a perseguição judicial à esquerda, a prisão de antigos dirigentes e o exílio de Correa como parte de uma estratégia que coincidiu com a volta do país às diretrizes do Fundo Monetário Internacional.

O autor argumenta ainda que o presidente Daniel Noboa acelerou a consulta após sua reeleição em abril, processo eleitoral que, segundo a delegação da Progressive International da qual Brown participou, ocorreu sob estado de emergência, forte presença militar e condições distantes do ideal de liberdade. Na avaliação do articulista, a vitória de Noboa foi considerada favorável a Washington, que vê em seu governo um aliado para seus interesses regionais.

A análise sustenta que a retórica de combate ao crime adotada por Noboa busca apoio de uma população marcada pelo aumento da violência — transformando o país, após a saída de Correa da Presidência, em uma das nações mais perigosas da América Latina. Para Brown, o estado de “conflito armado interno” decretado pelo governo e o uso recorrente de medidas de emergência têm ampliado o poder das Forças Armadas e restringido direitos civis, criando brechas para maior presença militar e de inteligência dos Estados Unidos sob o argumento de enfrentar o narcotráfico.

Na visão do autor, esse discurso também ganha força graças ao atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tem alimentado a narrativa de “narcoterrorismo” em países como Venezuela, Colômbia e México, preparando terreno para futuras intervenções. O Equador, alerta Brown, pode se converter em um centro operacional para ações norte-americanas em toda a região.

Brown conclui que o objetivo mais amplo dos EUA seria conter o avanço da soberania latino-americana e do diálogo com o Sul Global, especialmente com China e os países dos Brics, em um continente estratégico por seus vastos recursos naturais. Para ele, derrotar o referendo significaria fortalecer não apenas o Equador, mas todos os que defendem democracia, justiça social e autonomia regional diante da pressão de Washington.

Artigos Relacionados