TV 247 logo
    Sara York avatar

    Sara York

    Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior é bacharel em Jornalismo, licenciada em Letras Inglês, Pedagogia e Letras vernáculas. Especialista em educação, gênero e sexualidade, primeiro trabalho acadêmico sobre as cotas trans realizado no mestrado e doutoranda em Educação (UERJ) com bolsa CAPES, além de pai, avó. Reconhecida como a primeira trans a ancorar no jornalismo brasileiro pela TVBrasil247.

    69 artigos

    HOME > blog

    "Fui instruído a cancelar a exposição!". Até em Nova York pós Trump a regra para Gosine é outra

    Artista caribenho teve mostra cancelada em Nova York e alerta para a crescente repressão contra produções queer e decoloniais

    Andil Gosine (Foto: Reprodução )

    Nos últimos anos, a censura a exposições artísticas e produções culturais tem se intensificado globalmente, atingindo especialmente trabalhos que abordam questões de gênero, sexualidade e decolonialidade. No Brasil, um dos casos mais emblemáticos foi o da exposição Queermuseu — Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, que foi abruptamente encerrada em 2017 após pressões de grupos conservadores. A mostra, que reunia obras de artistas brasileiros explorando temas da diversidade e identidade queer, foi acusada de imoralidade e sofreu ataques que evidenciaram um crescente movimento de censura e repressão contra a arte dissidente. Esse episódio ressoa com situações vividas por artistas em diferentes contextos, como o caso recente do cancelamento da exposição de Andil Gosine no Art Museum of the Americas, nos Estados Unidos.

    Andil Gosine, artista e acadêmico de Trinidad e Canadá, explora as interseções entre colonialismo, sexualidade, meio ambiente e direito no contexto caribenho. Seu trabalho investiga como as leis coloniais e as normas sociais impostas moldaram não apenas as relações humanas com a natureza, mas também reprimiram identidades queer e não heteronormativas na região. Seu livro Nature’s Wild: Love, Sex, and Law in the Caribbean apresenta uma narrativa envolvente, combinando histórias pessoais e culturais com análises acadêmicas. Nele, Gosine desafia os legados coloniais presentes tanto nas políticas ambientais quanto nas leis sobre sexualidade, propondo uma reconexão com o conhecimento e as tradições locais como caminho para a libertação.

    Além de seu trabalho acadêmico, sua arte visual (The Art of Andil Gosine) aborda temas como identidade, diáspora e pertencimento. Utilizando fotografia, mídias diversas e instalações, sua obra questiona as narrativas dominantes sobre o Caribe e suas comunidades LGBTQ+. Adotando uma perspectiva decolonial, Gosine defende a desconstrução dos sistemas opressores e a celebração da diversidade cultural e sexual caribenha. Um de seus projetos mais notáveis, Nature’s Wild, foi uma exposição solo que reformulou o modelo convencional ao posicioná-lo como curador de obras colaborativas.

    Em um contexto onde vozes dissidentes são constantemente ameaçadas por estruturas políticas e sociais conservadoras, torna-se fundamental entender como artistas e acadêmicos podem resistir a essas formas de censura. A seguir, reproduzo minha conversa com Andil Gosine, na qual discutimos o cancelamento de sua exposição, as consequências desse episódio para artistas queer e racializados, e as estratégias para continuar produzindo arte e conhecimento em tempos de repressão.

    Além de seu trabalho acadêmico, sua arte visual (The Art of Andil Gosine) aborda temas como identidade, diáspora e pertencimento. Utilizando fotografia, mídias diversas e instalações, sua obra questiona as narrativas dominantes sobre o Caribe e suas comunidades LGBTQ+. Adotando uma perspectiva decolonial, Gosine defende a desconstrução dos sistemas opressores e a celebração da diversidade cultural e sexual caribenha. Um de seus projetos mais notáveis, Nature’s Wild, foi uma exposição solo que reformulou o modelo convencional ao posicioná-lo como curador de obras colaborativas.

    Em março, publicamos um artigo sobre a censura imposta pelo governo Trump às políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) https://www.brasil247.com/blog/o-colapso-da-pesquisa-cientifica-um-olhar-sobre-a-censura-nos-eua-e-no-brasil. Desde então, muitas dúvidas e histórias emergiram. A partir da colaboração do Prof. Dr. Fabio Oliveira, decidi entrevistar o Prof. Dr. Andil Gosine, cujo trabalho investiga a relação entre colonização e natureza. Nossa conversa abordou sua recente exposição em Nova York, que foi cancelada devido às políticas trumpistas. A seguir, reproduzo nossa conversa:

    Como você recebeu a notícia sobre o cancelamento de sua exposição no Art Museum of the Americas?

    Estava na cama na manhã de 5 de fevereiro, com pneumonia, quando a Diretora do Museu me ligou. Eu não conseguia falar, então não atendi. Ela enviou uma mensagem dizendo que precisava falar comigo imediatamente. Quando retornei a ligação, ela me deu a notícia: fui instruído a cancelar a exposição.

    O que isso representa para artistas e acadêmicos queer e racializados no contexto atual?

    São tempos assustadores. Esse cancelamento é um exemplo claro das medidas tomadas contra aqueles que não se conformam com a mudança política em curso. Vale ressaltar que nunca usei categorias raciais ou de gênero para definir minha exposição. Pelo que entendi, foi assim que ela foi rotulada internamente: “a exposição queer canadense”. Mas apenas metade dos artistas era queer, e alguns eram brancos. O que todos compartilhavam era o fato de serem colaboradores — queer e não queer, homens e mulheres, indígenas, afro-caribenhos, canadenses brancos, indo-caribenhos, etc. Eu gostava do trabalho deles e acreditava que juntos poderíamos criar algo significativo.

    Você vê essa decisão como parte de um movimento maior para suprimir vozes dissidentes?

    Regimes ideológicos sempre tentam silenciar vozes dissidentes, pois elas atrapalham seus planos. As elites poderosas sabem o quanto a arte é fundamental e transformadora, e é por isso que tentam controlar o que os artistas expressam.

    Seu trabalho frequentemente aborda colonialismo, ecologia e sexualidade. Você esperava esse tipo de reação em 2025?

    De forma alguma. Escolhi trabalhar com o Art Museum of the Americas porque sabia que teria total controle sobre minha visão. Até o momento do cancelamento, a Diretora do Museu nunca questionou nenhuma peça ou ideia minha. Ela sempre apoiou minha independência.

    Como os governos e as instituições estão tentando controlar a arte e os discursos dissidentes hoje?

    Isso levará tempo para ser documentado e analisado, mas precisamos começar. Se eu não tivesse uma formação em política internacional ou experiência com organizações globais, será que essa história teria vindo à tona? A maioria dos jornalistas de arte que cobriu a história inicialmente sequer sabia o que era a Organização dos Estados Americanos. Precisamos mapear as especificidades de cada caso, sem cair em simplificações como “culpar Trump”. Isso é muito maior do que um homem.

    Qual o impacto dessa censura na produção artística e acadêmica de indivíduos queer e racializados?

    Essas ações criam um efeito paralisante, levando muitos a temerem por suas carreiras. Quando recebi uma plataforma para expor o que aconteceu, procurei outras pessoas para compartilhar esse espaço, mas ninguém aceitou. O medo é real e paralisante.

    Seu livro Nature’s Wild explora as interseções entre colonialismo, sexualidade e meio ambiente. Como essas questões se conectam ao momento atual?

    É impressionante como muitos dos temas do livro são relevantes para entender o presente. A questão central do livro é que os seres humanos precisam refletir sobre o esforço que fazem para fingir que não são animais e como essa negação da animalidade nos prejudica. Acho que Donald Trump compreende a condição humana e animal em toda sua complexidade — incluindo seus aspectos mais sombrios — melhor do que muitos progressistas, que ainda insistem em abordagens políticas ingênuas e moralistas. Estamos vendo humanos agindo com instintos básicos — se fechando, se protegendo, sendo tribais. Precisamos enfrentar essas realidades, assim como precisamos reconhecer os aspectos generosos e acolhedores da nossa humanidade.

    O que artistas e acadêmicos podem fazer para resistir a essa onda de censura?

    Artistas e acadêmicos estarão na linha de frente — especialmente aqueles que criam por necessidade, independentemente de bolsas ou lucros. Sempre foi assim. Na epidemia de AIDS, a arte foi crucial para enfrentar a crise. Não preciso dizer como resistir à censura, porque sei que artistas e intelectuais comprometidos continuarão fazendo seu trabalho.

    Como a diáspora caribenha e outros grupos marginalizados podem construir redes de apoio para combater essa situação?

    A pior coisa agora é se isolar. No início, me senti sozinho e impotente. Mas me conectei com feministas experientes que me ajudaram a transformar o sentimento de derrota em força. Quando a notícia se espalhou, fui tocado pelo apoio recebido. Isso me lembrou: você não está sozinho nisso. Precisamos evitar o isolamento, buscar comunidade, não apenas para ativismo, mas para compartilhar momentos de alegria e camaradagem. Isso nos fortalece.

    Você tem novos projetos ou estratégias para continuar compartilhando seu trabalho apesar do cancelamento?

    Sim. Embora a exposição tenha sido cancelada, planejo preservar seus elementos e continuar dialogando com as pessoas que entraram em contato. Também comecei a trabalhar em um novo livro, ao qual espero me dedicar nos próximos dois anos.

    Muito obrigada, Andil. Esperamos recebê-lo no Brasil, onde intelectuais lutam diariamente para preservar alguma liberdade e fora de uma democracia agonística, onde quisera que adversários políticos fossem reconhecidos como oponentes legítimos, e não como inimigos — como nos lembra Chantal Mouffe.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: