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Sara York

Sara Wagner York (também conhecida como Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior) é bacharel em Jornalismo, doutora em Educação, licenciada em Letras – Inglês, Pedagogia e Letras Vernáculas. É especialista em Educação, Gênero e Sexualidade, autora do primeiro trabalho acadêmico sobre cotas para pessoas trans no Brasil, desenvolvido em seu mestrado. Pai e avó, é reconhecida como a primeira mulher trans a ancorar no jornalismo brasileiro, pela TV 247

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Futurologia: como os jovens brasileiros enxergam o futuro

Série de 5 textos para estudantes brasileiros escritos por Sara York, doutoranda em Educação, especialista em violência e esperança, apaixonada pela educação

Futurologia: como os jovens brasileiros enxergam o futuro (Foto: Reuters)

Em uma manhã abafada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), perguntei a um grupo de estudantes de graduação: "como vocês enxergam o futuro?". O silêncio que se seguiu foi tão eloquente quanto qualquer dado estatístico. Logo depois, vieram palavras como "incerteza", "medo", "ansiedade", "luta"  -  mas também "sonho", "transformação", "resistência". Essa dicotomia entre o pavor e o desejo de mudança ecoa com força nos dados do Relatório de Futuros 2025, desenvolvido em parceria com o movimento Teach the Future Brasil, que nos oferece um retrato urgente e necessário sobre como a juventude brasileira percebe o amanhã.

1. Futurotopia: o pêndulo emocional de uma geração - Segundo o relatório, 62% dos jovens expressam medo do futuro, e 78,5% associam o amanhã à ansiedade. O termo "futurofobia" surge para nomear esse sentimento: uma angústia difusa que combina insegurança econômica, medo da violência, do desemprego, das mudanças climáticas   e, sobretudo, das exclusões que ainda imperam em nossa sociedade.

Ao mesmo tempo, 87% acreditam que é possível aprender a imaginar o futuro, um conceito que o estudo chama de futurotopia. Há, portanto, um fio de esperança, que não deve ser confundido com otimismo ingênuo, mas sim entendido como potência de transformação, resistência e invenção do novo. Como diz a estudante de psicologia da UERJ, Luana Oliveira, 22 anos, mulher negra e bissexual: "a gente tem medo, claro. Mas também acredita que pode virar o jogo, se tiver com quem contar”.

Gosto de contar esse caso sempre que me perguntam sobre repensar a educação. Depois de um dia cansativo, entrei finalmente na minha primeira aula com o primeiro ano do segundo grau. Ao entrar na sala, um estudante de provavelmente 16, 17 anos me ofendeu de forma cruel. Pedi para que me mantivesse em silêncio e me respeitasse. Era a nossa primeira aula, o primeiro contato. Os dias que se passaram em nada mudaram o que ele pensava ou como agia. Foram várias aulas pesadas e sempre num jogo de gato e rato, onde um fazia questão, por muitas vezes, de não enxergar o outro. As aulas terminaram, o aluno passou com a média exata para não ser reprovado, e nunca mais nos vimos.

Tempos depois, saía do mercado quando minhas sacolas se rasgaram. Os produtos rolaram pelo chão. Um rapaz se aproximou para ajudar. Uma moça o chamou, apressada: "amor, vamos embora, estamos atrasados". E ele respondeu, calmo: "espera, estou ajudando a minha professora de inglês." Olhei para trás. Era ele. Aquele mesmo aluno que um dia não me reconhecia como autoridade, agora me reconhecia como alguém digno de cuidado.

Essa lembrança me atravessa porque mostra como os vínculos se constroem, muitas vezes, silenciosamente. Por trás de cada ofensa, muitas vezes, há um pedido de escuta. Por trás de cada resistência, uma dor que ainda não encontrou lugar para ser dita. O que essa cena me ensinou é que o trabalho do educador não é simplesmente ensinar conteúdos, mas permanecer: estar presente mesmo quando não somos aceitos, continuar ofertando presença e respeito mesmo quando o retorno é a indiferença. Isso também é cuidado. Isso também é saúde mental.

Por isso, quando falamos de políticas públicas, ENEM, escolas e juventudes, precisamos entender que educar é mais do que preparar para provas. É disputar o presente com ternura. É sustentar a esperança mesmo quando ela não nos é devolvida. E é acreditar, sempre, que uma palavra pode não ser compreendida agora, mas pode florescer lá na frente, no gesto inesperado de um ex-aluno que finalmente nos vê. Porque, afinal, o reconhecimento pode ser tardio, mas o afeto nunca chega atrasado.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.