Fux, um STF para chamar de “meu” e a decadência da Justiça
Sinceramente, estavam certos Deltan Dallagnol, Sergio Moro e a quadrilha da Lava Jato quando disseram: “In [Luiz] Fux we trust”
O “ministro” do STF, Luiz Fux, tem colaborado com todas as forças para provar que o Poder Judiciário brasileiro não apenas merece, mas necessita — e urge — de uma reforma decolonial há, pelo menos, uns 100 anos. É inadmissível imaginar um sistema de justiça injusto, (in)conveniente, imoral e ignóbil. O único “i” que deveria representar a axiologia da/na Justiça é o que se aplica à sua condição de Imparcial — tudo que a Suprema Corte brasileira, e suas “variantes” país afora, têm deixado para segundo plano ou, a rigor, para o “quando der, faremos” [Justiça, de fato].
Na última sessão da 1ª Turma do Supremo, durante o julgamento do núcleo 4 da tentativa de golpe, Fux optou por colocar muita lama no que possa significar acreditação ao sistema de Justiça. “Meu entendimento anterior (...) julgamos muitos casos, embora amparado pela lógica da urgência (...) incorreu em injustiças que o tempo e a consciência já não me permitiam sustentar. O meu realinhamento não significa fragilidade de propósito, mas firmeza na defesa do Estado de Direito. (...) Não é a imobilidade que sustenta a autoridade moral dos juízes, mas sim a capacidade de reparar erros, reconciliar a sociedade”, afirmou o ministro. Pura falácia! O mais tosco engodo retórico!
Se feita uma rigorosa investigação a partir da teoria linguística da análise do discurso, sobrará um conjunto tão imenso de aberrações a se extrair dos últimos votos deste magistrado. São inúmeras as camadas. No entanto, é válido nos centrarmos, para este artigo, em apenas duas: a hipocrisia do sujeito e a desacreditação da Justiça.
No primeiro caso, é latente que este juiz trata casos análogos de uma maneira ou de outra, a depender da fotografia na capa do processo. Isto é, para Luiz Fux, “pau que dá em Chico não dá em Francisco”. E não é uma suposição. São dezenas (agora, no 8 de janeiro, centenas) de exemplos para se ilustrar.
No segundo intento, precisamos nos indagar com a mais profunda determinação: o Direito aplicado dentro de uma instituição jurisdicional é realmente válido? A Justiça, enquanto dimensão estatal, é imponderavelmente alcançável? Ao juiz é mesmo dada a autorização para sê-lo também homem ou mulher, isto é, legitimado para a falibilidade? A Constituição, por cada um dos seus institutos individualmente analisados no modo judicante, sinceramente, possui potencial para 11 interpretações que se denotem igualmente legítimas, ou somente uma interpretação possível de se atingir a autêntica dimensão para se chamar de justa? (Voltemos às indagações para ter certeza de que estamos analisando-as de forma exaustiva e não evasivamente.)
Para piorar bastante toda esta desesperança que emerge sobre a axiologia do Direito aplicado dentro do STF, Fux solicitou ao presidente da Corte, Luiz Edson Fachin, migrar da 1ª para a 2ª Turma do tribunal.
Ocorre que a manobra do magistrado tem muito menos a ver com o seu desconforto com os “coleguinhas” da 1ª Turma. A troca de Fux não é um evento trivial, como um concursando canhoto que, ao chegar à sala para fazer a prova, vê-se levado a uma cadeira para destros e pede ao fiscal de sala que possa trocar de lugar, ocupando uma carteira que se ajuste melhor ao seu lado de escrita. A moral do STF é aritmética. O Direito do STF é matemático. Um determinado sujeito que, necessitando, venha bater às portas daquela Corte, antes de contar com qualquer expectativa de que a Justiça seja a máxima a reinar, precisa contar com a sorte, prover orações a todas as entidades em que crê (ou passe a crer), subir de joelhos as escadarias de igrejas no mais alto morro de algum lugar no mundo — menos contar com a objetividade do Poder Judiciário: ela não existe. Senão, vejamos.
Se se tratar de algum evento em que o contencioso tenha relação com o empresariado, o latifundiário versus algum trabalhador, por exemplo, não precisa contar com o ministro Gilmar Mendes. O histórico de suas votações é preponderantemente favorável à superestrutura. Se é um contencioso cuja estética civilizatória evoca os valores do século XIX — especialmente as pautas conservadoras e tantas vezes até cruéis — versus qualquer necessidade de valor progressista, os votos de Nunes Marques e do terrivelmente evangélico André Mendonça denunciam suas ideologias contaminadas para bem longe do dever-ser e do dever-fazer justiça. E assim, no sistema de Justiça, “cada cabeça é uma sentença”. Posto isto, tornamos a indagar: onde realmente está a linha irrefutável e não vacilante do Direito aplicado nas cortes?
O caso se complica quando Luiz Fux, que sempre esteve no campo liberal e muito próximo de um alinhamento neoliberal, agora se filia ao fascismo e ao negacionismo (inclusive jurídico). Indo para a 2ª Turma, onde os outros dois — que não votaram uma só vez sequer para realizar a Justiça e, minimamente, fazer cumprir a promessa constitucional —, ao contrário: com sua agenda conservadora, Mendonça e Nunes Marques têm apresentado votos no STF extremamente controversos até mesmo para a ideologia tradicional das oligarquias que brotaram lá das caravelas de Portugal. Os três juízes formarão um metacolegiado invencível. Isto é, não há a mínima possibilidade de se esperar, em julgamentos de repercussão geral, de assuntos delicados, complexos, polêmicos e fundamentalmente emergenciais à sociedade, que esses três sujeitos votem sem a carga de preconceitos e crenças enviesadas (regadas às falácias e retóricas rebuscadas do Direito) a influenciar suas decisões.
Com isso, não se trata apenas de ter a representação de um lado da sociedade vencendo todas as teses postas dentro da Suprema Corte. É, entretanto, a crueza do fascismo e a permanente ameaça efetiva à democracia que dominarão uma banda do STF — banda esta que tem, regimentalmente, caráter terminativo quanto às suas decisões; que de seus acórdãos guarda legalidade simétrica e derradeira, a significar a decisão de todos os 11, quando é lá que se decidem coisas (processos). É o tribunal de Luiz Fux, mas também o tribunal individual de cada ideologia. Não importa se se efetiva como justa ou injusta, pois isso interessa bem menos que a técnica do Direito aplicada a uma aritmética sádica, egoísta ou à triste, costumeira roleta-russa judicante.
Sinceramente, estavam certos Deltan Dallagnol, Sergio Moro e a quadrilha da Lava Jato quando disseram: “In [Luiz] Fux we trust”. Eles podem confiar; nós, não, pois o certo é que agora o bolsonarismo, enquanto patologia social, pode finalmente dizer: temos um tribunal para chamar de nosso. E ele está ali, na 2ª Turma da Suprema Corte brasileira — que, sendo um lugar legitimado da Justiça, é a sua decadência em si mesma.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




