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Marconi Moura de Lima Burum

Mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, abraçado às epistemologias do Direito Achado na Rua; pós-graduado em Direito Público e graduado em Letras. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. No Brasil 247, inscreve questões ao debate de uma nova estética civilizatória

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Fux, um STF para chamar de “meu” e a decadência da Justiça

Se feita uma rigorosa investigação a partir da teoria linguística da análise do discurso, sobrará um conjunto tão imenso de aberrações

Ministro do STF Luiz fux durante o julgamento do núcleo 4 da trama golpista (Foto: Gustavo Moreno/STF)

O “ministro” do STF, Luiz Fux, tem colaborado com todas as forças para provar que o Poder Judiciário brasileiro não apenas merece, mas necessita e urge de uma reforma decolonial… há, pelo menos, uns 100 anos. É inadmissível imaginar um sistema de justiça injusto, (in)conveniente, imoral e ignóbil. O único “i” que deveria representar a axiologia da/na Justiça é o que se aplica a sua condição de Imparcial, tudo que a Suprema Corte brasileira – e suas “variantes” país afora – têm deixado para segundo plano, ou a rigor do “quando der, faremos” [Justiça, de fato].

A última sessão da 1ª Turma do Supremo, quando do julgamento do núcleo 4 da tentativa de golpe, Fux optou por colocar muita lama no que possa significar acreditação ao sistema de Justiça. “Meu entendimento anterior (...) julgamos muitos casos, embora amparado pela lógica da urgência (...) incorreu em injustiças que o tempo e a consciência já não me permitiam sustentar. O meu realinhamento não significa fragilidade de propósito, mas firmeza na defesa do Estado de Direito. (...) “não é a imobilidade que sustenta a autoridade moral dos juízes, mas sim a capacidade de reparar erros, reconciliar a sociedade”, afirmou o ministro. Pura falácia! O mais tosco engodo retórico!

Se feita uma rigorosa investigação a partir da teoria linguística da análise do discurso, sobrará um conjunto tão imenso de aberrações a se extrair dos últimos votos deste magistrado. São inúmeras as camadas. No entanto, é válido nos centrarmos para este artigo em apenas duas: a hipocrisia do sujeito; e a desacreditação da Justiça.

No primeiro caso, é latente que este juiz trata casos análogos de uma maneira ou de outra a depender da fotografia na capa do processo. Isto é, para Luiz Fux, “pau que dá em Chico, não dá em Francisco”. E não é uma suposição. São dezenas (agora no 8 de janeiro, centenas) de exemplos para se ilustrar.

No segundo intento, precisamos nos indagar com a mais profunda determinação: o Direito aplicado dentro de uma instituição jurisdicional é realmente válido? A Justiça, enquanto dimensão estatal, é imponderavelmente alcançável? Ao juiz é mesmo dada a autorização para sê-lo também homem/mulher, isto é, legitimado para a falibilidade? A Constituição, por cada um dos seus institutos individualmente analisados no modo judicante, sinceramente, possui potencial para 11 interpretações que se denotem igualmente legítimas, ou somente uma interpretação possível de se atingir a autêntica dimensão para se chamar de justa? (Voltemos às indagações para ter certeza que estamos analisando-as de forma exaustiva e não evasivamente.)

Para piorar bastante toda esta desesperança que se emerge sobre a axiologia Direito aplicado dentro do STF, Fux solicitou ao presidente da Corte, Luiz Edson Fachin, para migrar da 1ª a 2ª Turma do tribunal.

Ocorre que a manobra do magistrado tem muito menos a ver com o seu desconforto com os “coleguinhas” da 1ª Turma. A troca de Fux não é um evento trivial como um concursando canhoto que ao chegar na sala para fazer a prova, vê-se levado a uma cadeira para destros e pede ao fiscal de sala a que possa trocar de lugar, ocupando uma carteira que se ajuste melhor ao seu lado de escrita. A moral do STF é aritmética. O Direito do STF é matemático. Um determinado sujeito que, necessitando, venha bater às portas daquela Corte, antes de contar com qualquer expectativa de a Justiça ser a máxima a reinar, precisa contar com a sorte, prover orações a todas as entidades que crer (ou passe a crer), subir de joelhos as escadarias de igrejas no mais alto morro de algum lugar no mundo, menos contar com a objetividade do Poder Judiciário: ela não existe. Senão, vejamos.

Se se tratar de algum evento que o contencioso tenha relação com o empresariado, o latifundiário versus algum trabalhador, por exemplo, não precisa contar com o ministro Gilmar Mendes. O histórico de suas votações são preponderantemente favoráveis à superestrutura. Se é um contencioso em cuja estética civilizatória avoca os valores do século 19, especialmente, as pautas conservadoras e tantas vezes até cruéis versus qualquer necessidade de valor progressista, os votos de Nunes Marques e do terrivelmente evangélico André Mendonça denunciam as suas ideologias contaminadas para bem longe do dever-ser e do dever-fazer justiça. E assim, no sistema de Justiça, “cada cabeça é uma sentença”. Posto isto, tornamos a indagar: onde realmente está a linha irrefutável e não-vacilante do Direito aplicado nas cortes?

O caso se complica quando Luiz Fux, que sempre esteve no campo liberal e muito próximo de um alinhamento neoliberal, agora se filia ao fascismo e ao negacionismo (inclusive jurídico). E indo para a 2ª Turma, onde os outros dois que não votaram uma só vez que seja para realizar a Justiça e, minimamente fazer cumprir a promessa constitucional; ao contrário: com a sua agenda conservadora, Mendonça e Nunes Marques, têm apresentado votos no STF extremamente controversos até mesmo para a ideologia tradicional das oligarquias que brotaram lá das caravelas de Portugal. Os três juízes formarão um metacolegiado invencível. Isto é, não há a mínima possibilidade de se esperar em julgamentos de repercussão geral, de assuntos delicados, complexos, polêmicos e fundamentalmente emergenciais à sociedade, que estes três sujeitos votem sem a carga de preconceitos e crenças enviesadas (regados às falácias e retóricas rebuscadas do Direito) a influenciar suas decisões.

Com isso, não se trata apenas de ter a representação de um lado da sociedade vencendo todas as teses postas dentro da Suprema Corte. É, entretanto, a crueza do fascismo e a permanente ameaça efetiva à democracia que dominará uma banda do STF, banda esta que tem, regimentalmente, caráter terminativo quanto às suas decisões; que de seus Acórdãos guarda legalidade simétrica e derradeira a significar a decisão de todos os 11, quando é lá que se decidem coisas (processos). É o tribunal do Luiz Fux, mas também o tribunal individual de cada ideologia, não importa se se efetiva como justa ou injusta por isso interessa bem menos que a técnica do Direito aplicada a uma aritmética sádica, egoísta, ou à triste costumeira roleta-russa judicante.

Sinceramente, estavam certos Deltan Dallagnol, Sergio Moro e a quadrilha da Lava Jato quando disseram: “in [Luiz] Fux we trust”. Eles podem confiar; nós não, pois o certo é que agora, o bolsonarismo enquanto patologia social pode finalmente dizer: temos um tribunal para chamar de nosso. E ele está ali, na Turma 2 da Suprema Corte brasileira. E que, sendo um lugar legitimado da Justiça, é a sua decadência em si mesma.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.