Homens que engravidam mulheres culpam as mulheres pelos homens que as engravidaram
À medida que os defensores do movimento antiaborto intensificam esforços, uma tática polêmica e misógina está ganhando destaque nos Estados Unidos
À medida que os defensores do movimento antiaborto intensificam seus esforços legais para restringir o acesso a métodos de interrupção da gravidez, uma tática polêmica e misógina está ganhando destaque nos Estados Unidos: a responsabilização dos homens pela gravidez das mulheres, mas de forma distorcida, mais uma vez! Agora, além de focar nas mulheres que buscam o aborto, grupos contrários a essa prática estão incentivando os homens que as engravidam a processar aqueles que ajudam as mulheres a interromper a gestação, como médicos, clínicas e até mesmo as próprias mulheres. Eu queria muito discutir a masculinidade tóxica e seus impactos na vida dos homens, mas eles não dão tempo!
Recentemente, o procurador-geral do Texas, Ken Paxton (sim, aquele que em 2015 foi indiciado por abuso de poder e corrupcao, e claro, conservador!), avançou com um processo judicial altamente controverso, acusando um médico de Nova York de fornecer pílulas abortivas de forma ilegal a uma mulher no estado do Texas. O processo se baseou em informações fornecidas por um homem anônimo, alegando ser o pai biológico da mulher que optou por interromper a gravidez. O caso foi inspirado por uma “operação silenciosa” montada pelo escritório de Paxton, que inclui a busca ativa por homens dispostos a processar médicos ou qualquer outra parte envolvida em uma interrupção de gravidez. A tática, até então discreta, está prestes a se tornar mais pública. Em breve, a maior organização antiaborto do Texas lançará uma campanha publicitária no Facebook e no Wex, com o objetivo de recrutar maridos, namorados e parceiros sexuais de mulheres que abortaram, incentivando-os a processar quem ajudou a mulher a realizar o aborto.
Essa abordagem levanta questões sobre a divisão das responsabilidades reprodutivas entre homens e mulheres e também desperta um debate mais amplo sobre como a sociedade e a lei têm tratado a sexualidade e as escolhas femininas. Para os críticos, a ideia de que os homens possam ser usados como uma forma de perseguição legal contra as mulheres ou contra os médicos que as atendem é profundamente misógina. Mais ainda, ela se insere em uma tradição histórica de subordinação feminina que é evidenciada até mesmo em textos religiosos.
A Bíblia Sagrada, por exemplo, em Deuteronômio 22:25–29, tem passagens que, em um contexto antigo, revelam como a sociedade patriarcal da época encarava a responsabilidade dos homens em situações de violência sexual. O texto diz:
“ 28 Quando um homem achar uma moça virgem, que não for desposada, e tomá-la, e se deitar com ela, e forem apanhados,
29 Então o homem que se deitou com ela dará ao pai da moça cinquenta siclos de prata; e porquanto a humilhou, lhe tomará por mulher; não a poderá repudiar em todos os seus dias.”
Essas passagens mostram como, em uma sociedade antiga, a responsabilidade do homem diante de uma agressão sexual era reconhecida, mas também como a mulher era, muitas vezes, vista como uma vítima que deveria ser “protegida” em termos de valor familiar e social, ao invés de ter seu direito à autonomia respeitado. O trecho de Deuteronômio 22 reflete uma visão onde, apesar de o homem ser punido, a mulher continuava sendo tratada como propriedade.
O fato de esses princípios ainda ressoarem em algumas abordagens jurídicas modernas sobre o aborto reflete uma mentalidade que, em muitos aspectos, continua a culpar as mulheres por suas escolhas reprodutivas, enquanto exime os homens de qualquer responsabilidade sobre as consequências dessas escolhas. Isso não só perpetua a desigualdade entre os sexos, mas também reflete uma interpretação distorcida dos direitos e das responsabilidades individuais, desconsiderando o controle feminino sobre o próprio corpo e suas decisões pessoais.
Poderia ser cômico, como diz @jaqueconserta no Instagram:
Prejuízo, seu nome é homem! Mas piora…
A tática de pressionar homens para que processem as mulheres que buscam abortos não é apenas uma extensão dessa mentalidade patriarcal, mas também um reflexo da maneira como o direito ao aborto nos Estados Unidos tem sido progressivamente atacado desde a revogação de Roe v. Wade. Com essa movimentação, a sociedade se vê confrontada com uma pergunta difícil: até que ponto as decisões reprodutivas podem ser instrumentalizadas para servir a uma agenda política que busca recriar um sistema no qual o poder masculino sobre os corpos femininos seja centralizado? Ora, ora! Já tenho falado aos quatro ventos (da) 24/7 sobre o pacto narcísico masculinista da branquitude. O modelo dessa masculinidade segue a receita a séculos: Performe o que não é e aja como se fosse, estruture seu círculo e se tudo der certo, case-se com sua “inspiração” e depois de anos de patrimônio construído, lembre-se, não podemos comer a “mamãe”! Troque a velha inspiração por uma “novinha”…
O Clube do Bolinha, nunca esteve tão em alta e ainda ganha a força do (ainda jovem com cara de bonzinho) Marck Zuckerberg e a representação social do homem nas mídias.
O que não fazem uns bilhões em uma conta, não!?
Enquanto o debate sobre o aborto se intensifica, as mulheres, mais uma vez, se veem no centro de uma batalha legal, ideológica, moral e social onde sua autonomia e dignidade são constantemente questionadas. As campanhas de recrutar homens para processar as mulheres pelo aborto são apenas um capítulo de uma história maior, onde a luta pelo controle do corpo feminino continua a ser uma das questões mais divisivas e polarizadoras da política contemporânea.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

