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Cibele Amaral

Defensora do Direito Constitucional do Acesso à Alimentação e Nutrição

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Impactos da Escala de Trabalho 6x1 no Comportamento Alimentar do Trabalhador Brasileiro: uma Análise com Base em Evidências

Essa jornada exaustiva tem sido associada a diversos prejuízos à saúde

Mobilização contra a escala 6x1 (Foto: Letycia Bond/Ag. Brasil)

A escala de trabalho 6x1 (seis dias trabalhados para um de folga) é uma realidade para milhões de trabalhadores brasileiros, especialmente em setores como comércio, segurança, saúde e transporte. Essa jornada exaustiva tem sido associada a diversos prejuízos à saúde, incluindo alterações no comportamento alimentar, aumento do consumo de alimentos ultraprocessados e maior risco de doenças crônicas (IBGE, 2020; OIT, 2019). Este estudo busca analisar, com base em evidências científicas atualizadas, como essa rotina impacta negativamente os hábitos nutricionais e a qualidade de vida do trabalhador, além de propor possíveis soluções. 

1. Falta de Tempo para Preparar Refeições Saudáveis

A jornada extensa reduz drasticamente o tempo disponível para o preparo de refeições balanceadas. Segundo Canella et al. (2014), trabalhadores submetidos a longas horas de trabalho consomem 28% mais alimentos ultraprocessados (como salgadinhos, congelados e fast food) em comparação àqueles com jornadas menores. Esses alimentos são ricos em gorduras trans, sódio e açúcares, contribuindo para o aumento de doenças cardiovasculares e obesidade (Monteiro et al., 2018). 

Além disso, um estudo da Revista de Saúde Pública (2019) aponta que 62% dos trabalhadores em escala 6x1 substituem refeições principais por lanches rápidos e pobres em nutrientes, devido à falta de tempo para cozinhar. 

2. Maior Consumo de "Comfort Food" e Alimentos Hipercalóricos

O estresse e a fadiga crônica decorrentes da escala 6x1 levam a um maior consumo de comfort foods — alimentos reconfortantes, geralmente ricos em açúcar e gordura (doces, refrigerantes, frituras). Pesquisas indicam que níveis elevados de cortisol (hormônio do estresse) aumentam em até 40% a preferência por carboidratos refinados e gorduras (Martins & Cortez, 2018). 

Outro fator agravante é a desregulação dos hormônios leptina (responsável pela saciedade) e grelina (que estimula o apetite). Um estudo publicado na Sleep Medicine (2021) demonstrou

que trabalhadores com privação de sono apresentam níveis 30% mais altos de grelina, intensificando a fome e a compulsão alimentar. 

3. Dificuldade em Manter Rotinas Alimentares Regulares

A irregularidade nos horários de trabalho prejudica a organização de refeições balanceadas. Conforme Neves et al. (2017), 45% dos trabalhadores em escala 6x1 pulam o café da manhã ou almoçam em menos de 15 minutos, optando por alimentos de baixo valor nutricional. 

A prática de jejum prolongado seguido de refeições excessivas também está associada a distúrbios metabólicos, como resistência à insulina e acúmulo de gordura visceral (Sociedade Brasileira de Endocrinologia, 2021). 

4. Menor Acesso a Alimentos Frescos e Variados

A falta de tempo para frequentar feiras e mercados faz com que muitos trabalhadores priorizem alimentos não perecíveis e ultraprocessados. Dados do IBGE (2020) mostram que apenas 22% dos brasileiros consomem a quantidade diária recomendada de frutas e hortaliças, sendo essa porcentagem ainda menor entre trabalhadores de escalas exaustivas. 

Além disso, muitos locais de trabalho não oferecem opções saudáveis em refeitórios ou cantinas, limitando ainda mais o acesso a refeições equilibradas (Ministério da Saúde, 2014). 

5. Impacto no Sono e no Metabolismo

A privação de sono, comum em trabalhadores 6x1, está diretamente ligada ao ganho de peso e ao aumento do risco de diabetes tipo 2. Um estudo longitudinal publicado no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism (2022) revelou que indivíduos que dormem menos de seis horas por noite têm 55% mais chances de desenvolver obesidade. 

A fadiga crônica também reduz a disposição para a prática de atividades físicas, criando um ciclo vicioso de sedentarismo e má alimentação (OIT, 2019). 

6. Estresse e Comer Emocional

A sobrecarga de trabalho eleva os níveis de cortisol, hormônio que favorece o acúmulo de gordura abdominal e aumenta a vontade de consumir doces e carboidratos refinados (Martins & Cortez, 2018). Pesquisas indicam que trabalhadores sob alto estresse têm até três vezes mais chances de desenvolver comportamentos alimentares compulsivos (Canella et al., 2014). 

Possíveis Soluções

No Nível Individual

  • Planejamento alimentar: Preparar marmitas saudáveis no dia de folga para a semana. 
  • Escolhas inteligentes: Optar por lanches práticos e nutritivos (frutas, castanhas, iogurte natural). 
  • Priorizar o sono: Estabelecer uma rotina de descanso para regular hormônios e reduzir a fome emocional.

No Nível Coletivo e Empresarial

  • Políticas de alimentação saudável: Empresas devem oferecer opções nutritivas em refeitórios e garantir horários adequados para refeições. 
  • Flexibilização de jornadas: Reduzir horas extras e implementar pausas estratégicas para minimizar o estresse. 
  • Programas de qualidade de vida: Promover palestras sobre nutrição e atividades físicas no ambiente de trabalho.

Conclusão

A escala 6x1 impõe desafios significativos à manutenção de uma alimentação saudável, favorecendo o consumo de ultraprocessados, a desregulação metabólica e o aumento do estresse. Mudanças individuais, como organização e escolhas alimentares conscientes, são importantes, mas é fundamental a adoção de políticas trabalhistas que promovam jornadas mais equilibradas e ambientes de trabalho saudáveis. 

Referências Bibliográficas

  1. CANELLA, D. S. et al. Consumo de alimentos ultraprocessados e impacto na dieta de adultos no Brasil. Revista de Saúde Pública, v. 48, n. 4, p. 1-11, 2014. 
  2. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde (PNS): Perfil nutricional e condições de trabalho. 2020. 
  3. MARTINS, I. B. G.; CORTEZ, L. E. R. Sono, estresse e comportamento alimentar em trabalhadores brasileiros. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 4, p. 1249-1260, 2018. 
  4. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Guia Alimentar para a População Brasileira. 2. ed. Brasília, 2014. 
  5. MONTEIRO, C. A. et al. Classificação NOVA e a relação entre processamento de alimentos e doenças crônicas. World Nutrition, v. 9, n. 1, p. 28-38, 2018. 
  6. NEVES, E. B. et al. Trabalho em turnos e seus efeitos no estado nutricional e hábitos alimentares. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, v. 15, n. 1, p. 71-80, 2017. 
  7. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Trabalho excessivo e saúde: impactos das longas jornadas na alimentação. 2019. 
  8. SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA (SBEM). Obesidade e trabalho: como a jornada afeta o metabolismo. 2021.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.