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Joaquim de Carvalho

Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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Injustiça histórica: Alysson vai a julgamento na USP num processo viciado e com acusações inconsistentes

Comissão processante ignorou as provas apresentadas pelo docente, como as mensagens de uma suposta vítima que contradizem a acusação de estupro

Injustiça histórica: Alysson vai a julgamento na USP num processo viciado e com acusações inconsistentes (Foto: Divulgação )

A Congregação da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco) julga nesta quinta-feira (11/12) o caso do professor Alysson Mascaro, um dos principais filósofos marxistas do país. O parecer dos três integrantes do processo administrativo disciplinar recomenda sua demissão. Se confirmado, marcará a história da instituição com uma mancha comparável à de Luís Gama, impedido de se matricular por ser negro, por volta de 1850, embora tenha frequentado o curso como ouvinte e se tornado um grande advogado.

A discriminação contra Alysson não tem relação com sua cor. O sobrenome Mascaro, de origem italiana — possivelmente derivado de maschera (“máscara”) — remete a famílias ligadas ao artesanato ou ao teatro. Há alguns anos, já sob ataque de haters, Alysson confidenciou ao amigo e acadêmico Victor Barau sua bissexualidade, em conversa motivada pelos ataques anônimos que sofria.

Um desses ataques ocorreu após ele conversar com uma aluna no pátio da faculdade. Ao chegar em casa, a estudante recebeu um e-mail difamatório sobre o professor. Não mencionava sexualidade, mas insinuava falta de caráter e a alertava a “ter cuidado”. Alysson ficou intrigado: também era alvo de ofensas em chats de suas palestras, mas novamente não sobre orientação sexual. O que explicaria tamanha hostilidade?

Segundo Barau, “Alysson sempre foi um patinho feio no Largo São Francisco — não pela orientação sexual, que a rigor não interessa a ninguém, mas talvez pelo estilo de vida: solteiro, marxista, com seguidores dentro e fora da universidade. Talvez seja inveja”. A conversa sobre bissexualidade foi uma tentativa de compreender o ódio anônimo.

As mensagens partiram de contas criadas em Montenegro, no Leste Europeu, região onde malfeitores digitais se protegem pelo anonimato. À época, Alysson nem sabia que o agressor usava nome fake. A origem só seria descoberta anos depois, após seu afastamento da USP decorrente de uma reportagem do Intercept Brasil, baseada em acusações de violência sexual feitas por fontes anônimas.

A identificação ocorreu porque o advogado Victor Barau, especialista em direito empresarial, acionou judicialmente plataformas digitais e constatou que os e-mails vinham de provedores do Leste Europeu. Barau atuou sem cobrar honorários, convicto da inocência do amigo. Ele fez parte do grupo que se revezou para acompanhar Alysson em seu apartamento após a publicação da reportagem, temendo que ele seguisse o trágico exemplo do reitor Luiz Carlos Cancellier, da UFSC, vítima de acusação infundada em 2017.

Barau e Alysson são amigos há quase trinta anos. Para ele, se o professor tivesse o perfil descrito pelo Intercept, seria impossível não perceber ao longo desse convívio.

A defesa apresentada no processo demonstra que a campanha difamatória ganhou conteúdo sexual apenas em novembro de 2024, após a repercussão do caso de Silvio Almeida, então ministro dos Direitos Humanos, acusado de assédio e importunação. Há personagens comuns entre os episódios, incluindo a ONG Me Too Brasil, e o método se repete: lança-se a acusação antes de se buscar testemunhos.

Um aluno relatou ter sido procurado pelo mesmo perfil fake que abordara a aluna anos antes. Ao negar qualquer irregularidade por parte de Alysson, diz ter sido ameaçado de exposição — o que não ocorreu por inexistirem fatos a expor. Seu depoimento, embora prestado no PAD, não foi considerado.

O processo apresenta indícios de vazamentos a terceiros, incluindo uma testemunha que acusa Alysson e que serviu de fonte anônima ao Intercept. O próprio acusador enviou a Barau mensagens insinuando já conhecer a data e o resultado do julgamento, antes de qualquer divulgação oficial.

O primeiro acusador, ex-orientando de Alysson, reclamou de “abraços demorados” e apresentou mensagens sem conteúdo que justificasse punição administrativa. Depois da fase de oitiva dos testemunhos, apareceu a denúncia mais forte, a de estupro.

Uma advogada constituída entregou à faculdade o relato de um jovem paranaense que não é aluno da USP, e que conheceu Alysson depois de enviar um e-mail pedindo para ser aceito em um grupo de estudos. Convidado, veio a São Paulo e ficou hospedado no apartamento do professor, onde diz ter sido violentado.

Contudo, o próprio jovem deixou registros que contradizem sua narrativa. Após passar dois dias na casa do professor, enviou mensagens afetuosas e agradecimentos, além de doze fotos juntos, pedindo opinião sobre qual publicar. Nas imagens, inclusive em uma com a cabeça apoiada no ombro de Alysson, ambos aparecem na Faculdade de Direito e no Masp. 

O jovem também produziu desenhos e um retrato do professor, que entregou como presente. Um deles mostra um homem forte encostando outro na parede. O que está encostado, com os braços presos, representa Alysson. O outro é ele mesmo.

Desenhos feitos pelo jovem depois do suposto estupro: relação afetuosa
Desenhos feitos pelo jovem depois do suposto estupro: relação afetuosa(Photo: Reprodução)Reprodução


Em contraste com o relato posterior, ele manteve contato próximo com Alysson, levou a mãe para conhecê-lo dois meses depois e jamais procurou autoridades no momento em que teria ocorrido a violência. A primeira mensagem que enviou a Alysson ocorreu no dia em que voltou à sua cidade, após a viagem a São Paulo.

“Bom dia, querido mestre, saudações. Acabei de chegar em (...), a viagem foi tranquila! Muito obrigado por estes dois dias, já são inesquecíveis, obrigado por cada palavra, cada ensinamento, mestre. Te desejo uma ótima viagem ao México. Se cuide! Forte abraço!", escreveu.

À noite, nova mensagem, também de gratidão: 

“Sou muito grato pelos presentes, pelas aulas e por você me receber aí, mestre. Sei que é difícil o senhor arranjar tanto tempo, foi muito legal da sua parte!”.

Exames de HIV e sífilis foram apresentados posteriormente, sob a alegação de que o professor não teria usado preservativo. Alysson, porém, negou inclusive qualquer relação sexual, mesmo com consentimento  — e não há mensagens que sugiram contato íntimo.

O próprio jovem informou ao professor ter sido diagnosticado com doença de Crohn, explicando dores e problemas anorretais prévios à viagem, documentados em colonoscopia feita um mês antes de conhecê-lo pessoalmente. Isso ajuda a explicar os exames realizados após o encontro, motivados por preocupações de saúde já existentes.

A doença de Crohn acomete pessoas de qualquer orientação, mas estudos indicam maior incidência entre homens gays. O jovem, entretanto, sempre se declarou heterossexual, elemento que ajuda a compreender a dinâmica da acusação.

Alysson apresentou notícia-crime por calúnia. As provas reunidas são consistentes, mas, caso a USP o condene administrativamente, pouco poderão alterar o impacto moral e material já sofrido.

Resta-lhe o julgamento da história. Luís Gama, hoje celebrado como herói, também atravessou humilhações. Alysson, com obra muito maior do que a de seus detratores, deve manter-se orientado por ela.

E resistir, porque a verdade sempre vence.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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