Reerguido, Mascaro desafia os canceladores: “Quero seduzir o mundo para o socialismo”
Filósofo aprofunda como a cultura do cancelamento se torna mecanismo de destruição pública sem freios e alerta para impactos sociais do fenômeno
247 - Nos debates sobre cancelamento, o filósofo Alysson Mascaro tem formulado uma crítica que ultrapassa o âmbito pessoal e alcança estruturas políticas e sociais. Em São Paulo, durante o lançamento de seu mais novo livro, Crítica do Cancelamento, o jurista marxista concentrou sua fala no caráter persecutório que marca o fenômeno e no modo como ele opera para desestruturar pessoas e desmobilizar projetos coletivos.
No evento, promovido por Brasil 247 e Editora Contracorrente, o autor relembrou que sua experiência ocorreu após a divulgação de uma entrevista, em agosto de 2023, e que desde então enfrentou uma onda de ataques organizada, segundo ele, por estruturas profissionais de perseguição digital, motivadas por interesses escusos. A palestra marcou seu retorno, em grande estilo, ao debate público.
A lógica persecutória e o mecanismo de destruição
Mascaro descreveu a multiplicação de mensagens caluniosas e o volume de agressões simultâneas, disparadas em anonimato desde endereços web suspeitos, que passou a sofrer: “Então lá perseguiram destruir e aí começaram os ataques para as pessoas de tudo quanto é lado. Uma, duas, três, cem, milhares. Gente que me seguia… eu nunca tinha visto receber tanta mensagem. Isso foi, foi, foi”. Ele afirmou que essa dinâmica se converteu em um processo contínuo de difusão de acusações falsas, que se retroalimentavam sem qualquer verificação: “Isso foi sendo um peso… pela internet, do jeito que eles diziam assim: ‘Fulano falou isso de você no ano passado, falou que saiu com você’, e assim mesmo, e vai e vai e vai”.O jurista relatou os efeitos físicos e emocionais desse ciclo: “Eu chorava, chorava, chorava, rangia e quebrava o dente”. O impacto extrapolou o ambiente digital e atingiu seu cotidiano nas universidades, segundo contou, quando se viu cercado por grupos que reproduziam rumores: “Houve um dia em que eu saí da faculdade e havia naquela tarde mais ou menos 15 pessoas… eu não entendia o que se passava”.
A produção da mentira e a construção de uma máquina de perseguição
Para Mascaro, o cancelamento não é apenas uma reação espontânea, mas um sistema organizado e destinado a atingir alvos específicos. Ele detalhou a atuação de perfis e de um setor da mídia: “É uma profusão. Todos eles registrados paraísos de internet… é uma máquina profissional de instituição”. Ao narrar diferentes casos que acompanhou, afirmou que o mesmo método havia sido utilizado contra outras pessoas, reforçando a tese de que se trata de um mecanismo estruturado.Em sua leitura, a lógica funciona como uma espécie de inquisição contemporânea, na qual a suspeita precede qualquer apuração e a destruição da reputação se torna o objetivo central: “Dificilmente o cancelamento é o contrário. A pessoa diz: tenho que cancelar. Mas o quê? Suspeita. Isto é inquisição do século XX”.
O corpo coletivo da resistência
O jurista destacou o apoio que recebeu de estudantes, colegas, jornalistas e intelectuais, relatando que sua casa se tornou um ponto de vigília permanente. “Certo dia completou 30 alunos… orientandas e orientandos se revezavam 24 horas por dia para me apoiarem e me ajudarem”, afirmou. Esse movimento, segundo ele, serviu de contraponto à violência simbólica que diz ter sofrido, permitindo que se mantivesse ativo ao longo do processo.Mascaro interpretou essa mobilização como prova de que o cancelamento produz, ao mesmo tempo, uma comunidade de solidariedade: “Eu recebi mensagem de muita gente, de muita gente… eu quero mandar um abraço aqui especial”.
O cancelamento como disputa moral e política
Um dos eixos centrais de sua fala foi a dimensão política do cancelamento. Para o autor, a prática se articula a projetos de poder e pode servir como instrumento de neutralização de vozes críticas. Ele vinculou essa dinâmica a ataques ao pensamento marxista no ambiente universitário: “Marxistas na universidade… isso não pode haver. Então precisavam acabar com pensamento crítico, porque ele só pode desistir se ele não tiver impacto”.
Mascaro também relacionou o fenômeno a legislações e medidas administrativas que permitem investigações baseadas em denúncias anônimas, como o fez o governo de São Paulo.
Da experiência individual ao projeto de interpretação
Seu novo livro, contou Mascaro, nasce desse percurso: “Eu tenho condição de escrever o livro”. Ele afirmou que a obra busca transformar sofrimento em análise crítica e referência para que outros casos não se repitam. “Eu tenho dever histórico de fazer no meu caso o caso que diz assim: ‘A partir de agora não se destrói o ser humano de modo nenhum e muito menos na base da produção da mentira, do ódio e da energia’”.No encerramento, reforçou que sua posição política permanece orientada pela defesa de um horizonte solidário e transformador: “Eu quero seduzir o mundo inteiro aos socialismo”.
Mascaro sintetiza sua avaliação de que o cancelamento opera como instrumento de coerção moral, capaz de afetar profundamente vidas, carreiras e comunidades. Ele sustenta que compreender seus mecanismos é essencial para enfrentar uma prática que, segundo afirma, ultrapassa conflitos individuais e revela tensões profundas na vida pública brasileira e mundial. Assista ao evento:


