Janja: a mulher que o Brasil quer calar — e, junto dela, todas nós
Ataques à primeira-dama expõem o machismo estrutural e a resistência histórica à presença feminina no centro das decisões políticas no Brasil
Desde a campanha que reconduziu Lula ao Planalto, Janja se tornou alvo de ataques nas redes e na imprensa. Não é apenas discordância política: é silenciamento dirigido às mulheres que ousam ocupar o espaço público.
Esse incômodo — que atravessa até boa parte dos eleitores de Lula — revela algo maior que disputa partidária: a dificuldade do país em aceitar uma mulher com voz ativa e segura, que não pede licença para existir.
Parte disso se explica pelo viés inconsciente de gênero, conceito estudado por Mahzarin Banaji (Harvard), Anthony Greenwald (University of Washington) e Virginia Valian (CUNY). Eles mostram que associamos liderança ao masculino — por isso uma mulher assertiva “assusta”, enquanto um homem idêntico é visto como “decidido”.
A fronteira entre o privado, onde sempre nos quiseram, e o público, reservado aos homens, ajuda a entender o desconforto com Janja. Já ouvi gente dizendo que “ela pode opinar — desde que no quarto”. Bell Hooks explica que o patriarcado aceita mulheres fortes apenas no espaço doméstico, onde não ameaçam o poder instituído. E Simone de Beauvoir mostrou que fomos educadas para viver “para o Outro”, não para nós — muito menos para a vida pública.
Há ainda outro elemento decisivo: espera-se que mulheres no poder cuidem de pautas “sociais”, do macio, do maternal. Estudos da ONU Mulheres mostram que ministras no mundo inteiro são maioria em áreas de cuidado e raras em economia, finanças e infraestrutura. É o velho roteiro da primeira-dama que coordena projetos sociais, o chá servido no jardim.
Janja rompe esse roteiro: ela senta à mesa do poder. E muitos não toleram isso.
Pela primeira vez, uma primeira-dama exerce protagonismo político, opina em público e influencia o presidente em frente às câmeras. Nada de “bela, recatada e do lar”: embora eu a ache bela, de recatada e do lar ela não tem nada.
Essa dificuldade em aceitar mulheres no poder atinge todas nós. Embora sejamos maioria do eleitorado, ocupamos só 18% da Câmara, colocando o Brasil na 133ª posição global de presença feminina no Parlamento.
E não é por falta de interesse: muitas mulheres querem a política — conheço dezenas. Mas a barreira é imensa. A cota de 30% de candidaturas virou regra para inglês ver: candidaturas laranjas, mulheres apenas para preencher lista, dinheiro desviado para campanhas masculinas.
Outros países foram mais sérios. Noruega, Suécia, Finlândia, Islândia e Ruanda avançaram com cotas de assentos e políticas afirmativas, chegando a patamares próximos de paridade.
Eu vivi essa realidade. Entrei na política em 2018 como coordenadora-geral da campanha da deputada Tabata Amaral e fui chefe de gabinete dela em Brasília. Depois, voltei ao interior de Minas para construir minha trajetória. Disputei três eleições e perdi as três, mesmo bem votada. Repetidamente ouvi que eu era a mais preparada — até de quem votaria no meu adversário, um homem.
Por isso, encerro com um chamado: contamos com a primeira-dama Janja e com todas as mulheres donas de sua voz para pressionarmos por mudanças reais — como cotas de assentos, garantindo que 30% das cadeiras sejam ocupadas por mulheres. Não queremos ser candidatas de fachada. Queremos ser eleitas.
O Congresso não fará isso sozinho. A maioria quer preservar seus privilégios. É um chamamento para que mulheres influentes se unam: pressionem por cotas reais, apoiem campanhas femininas e incentivem a sociedade a votar em mulheres. Só assim teremos um país realmente mais próspero, mais justo e com uma democracia que funcione e represente a todos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




