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Luis Cosme Pinto

Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 63 anos de idade e 37 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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Jornais e jornaleiros

Unidos como feijão e arroz, jornais e jornaleiros seguiram caminhos opostos na crise da grande imprensa

Jornais e jornaleiros (Foto: Gerada por IA/DALL-E)

Se a banca de frutas oferece banana, laranja e abacate; se a banca de peixe vende sardinha, garoupa e robalo, por que a banca de jornal não tem mais manchete, foto ou aquela crônica com chamada na primeira página?

Dois amigos mineiros, bambas na Literatura e no Jornalismo, me provocaram: “Alguém precisa escrever uma crônica sobre bancas de jornal que não vendem jornal”.

Os dois viveram uma época exuberante de jornais e de jornaleiros. Supervendas em superbancas. Fartas, repletas de cultura e até com ar-condicionado, algumas bancas funcionavam vinte e quatro horas por dia.

Revistas semanais ou mensais, de Música, História, Esporte, Literatura, Moda, Variedades; todas recheadas de assuntos interessantes em textos soberbos naquele papel brilhante, gostoso de passar as mãos e os olhos.

Os jornais chegavam aos milhares em caminhões lotados na madrugada. Logo eram exibidos, como rubis na joalheria. E, em instantes, pedestres estavam paralisados diante das primeiras páginas, tudo ali: o resultado do futebol, o último escândalo de Brasília, a foto definitiva, o preto no branco.

A informação logo cedo, antes até da média com pão e manteiga na padaria. Aliás, a padaria oferecia os jornais do dia, que também nos esperavam na barbearia, nos consultórios, no banco traseiro do táxi.

De repente, acabou. E a gente nem lembra mais quando parou de comprar as edições impressas.

Minha Vila Buarque tem de tudo. Tudo mesmo, inclusive uma banca de jornal com jornal. Chama-se Banca Paulo Afonso, homenagem à cidade baiana de mesmo nome. Todo dia paro diante das primeiras páginas. Não titubeio, se a manchete é boa ou se a foto me convida, pego o meu e leio em casa.

O funcionário da banca me explica: “Vender não vende muito, não. Mas o povo gosta de ver as notícias, alguns compram e a gente faz de tudo para agradar a freguesia. Recebo uns vinte por dia e vendo todos”.

Com o lucro de vinte jornais, a banca já teria fechado. É por isso que, assim como os concorrentes, a Paulo Afonso exibe mochilas, cortadores de unha, pinças, grampos, pentes, escovas de cabelo; e ainda chocolates, chicletes, amendoim, maria-mole; lá estão também álbuns de figurinha, baralho, envelopes, canetas coloridas, revistas de palavras cruzadas e, acredite, hidratante para os pés.

Se antes a banca vendia notícia, hoje a notícia é que a banca é uma loja.

É triste, doloroso mesmo, mas o jornaleiro não precisa mais do jornal e nem do jornalismo para viver.

Muitos desses comerciantes melhoraram as bancas, investiram em novos produtos e apostaram no próprio negócio. Em minhas caminhadas pela cidade vejo que poucas fecharam e a maioria está aí a gerar empregos e alguma prosperidade. Esse é o jornaleiro, em geral um pequeno empresário.

E os donos de jornal, das grandes revistas, os barões da imprensa, o que fizeram diante da crise?

Ao contrário do jornaleiro da esquina, não investiram. Nossos principais jornais fecharam sucursais, mandaram embora correspondentes conceituados, demitiram bons profissionais. Há quanto tempo não vemos um grande furo de reportagem, uma cobertura especial de verdade, uma série de jornalismo investigativo?

Os jornais não só não aprenderam com os jornaleiros, como pioraram o próprio produto. Diminuíram o número de páginas e aumentaram o preço. Publicidade não falta, até na primeira página. Semana sim, e outra também, surgem cadernos patrocinados. É claro que ainda há ótimos profissionais e opções muito boas na internet, mas muito aquém do desejável.

O leitor, principal vítima das notícias falsas e do jornalismo de baixa qualidade, não saiu de seu lugar, continua curioso pelas boas histórias e ávido por informações bem apuradas. Só não tolera ser enganado. Aqui, vale o exemplo de uma hipotética padaria: se o pão diminui de tamanho, o café vem frio e o preço ainda sobe, a gente desiste.

Foi assim com boa parte dos nossos jornais, o leitor foi embora e nunca mais voltou.

Ainda bem que os jornaleiros se salvaram.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.