Justiça climática começa pela dignidade
'Podemos tratar o clima como um problema técnico, de engenharia ou de mercados. Ou reconhecer que a solução é humana. Planeta saudável é gente alimentada'
A crise climática tem um rosto. Vai além dos gráficos de temperatura ou das projeções para 2050. É o rosto da fome, da pobreza e da desigualdade. É o rosto dos que já vivem o colapso climático enquanto parte do mundo ainda debate se ele existe.
O aquecimento global destrói safras, desloca populações e altera sistemas alimentares em todas as regiões. É uma crise humana, social e profundamente injusta, que vai muito além das questões ambientais. E seu impacto chega primeiro a quem menos tem. São as comunidades pobres, os povos indígenas, os agricultores familiares, as mulheres e as crianças que sustentam o peso de uma emergência que não provocaram.
A justiça climática depende do combate à fome e à pobreza. Resiliência climática começa pela dignidade. E dignidade só se constrói com políticas concretas — da transferência de renda à alimentação escolar, das cozinhas solidárias ao acesso à água e ao impulso à agricultura familiar. É preciso integrar a agenda climática à proteção social e ao fortalecimento dos meios de vida sustentáveis.
As cozinhas solidárias são exemplos disso. Atuam onde a fome é urgente, nos desertos alimentares, que são territórios onde a comida virou mercadoria rara. Elas fazem mais que oferecer refeições: fortalecem redes, sustentam a vida cotidiana, aliviam riscos imediatos e constroem resiliência para famílias que enfrentam os impactos da crise climática. É segurança alimentar e esperança onde mais falta.
O Brasil saiu do Mapa da Fome ao implementar políticas concretas, integradas e contínuas, em uma decisão firme do presidente Lula. O fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), a ampliação do acesso a refeições, e a proteção social nos territórios mostram que enfrentar a fome requer estrutura, investimento e decisão política.
Em Ananindeua (PA), durante a COP30, uma cozinha popular recebeu painéis solares, biodigestores, novos equipamentos e melhorias na estrutura. Ganhou eficiência, sustentabilidade e dignidade. É energia limpa no preparo das refeições, redução de emissões e respeito a quem cozinha para garantir o alimento de tantas famílias. É prova concreta de que segurança alimentar, energia renovável e inclusão social caminham juntas e mudam vidas.
A agricultura familiar precisa estar no centro do debate climático. É ela que coloca comida na mesa dos brasileiros sem destruir o solo, sem avançar sobre biomas, sem repetir modelos de produção intensiva que degradam e excluem. A agricultura familiar preserva a água, protege a biodiversidade e enfrenta, na linha de frente, os efeitos da crise. Fortalecê-la é necessidade estratégica.
A resposta está nos territórios. Precisamos reconhecer tecnologias sociais que já existem, criadas pelas mãos do próprio povo. Trabalhar lado a lado com a sociedade civil, transformar sabedoria popular e o que já funciona em política pública. Isso não é assistencialismo, mas entender que grande parte das soluções climáticas nasce da sabedoria de quem convive com o clima extremo todos os dias.
O Programa Cisternas é uma dessas soluções. Uma tecnologia social criada no Semiárido, que leva água, saúde e autonomia para famílias rurais historicamente vulneráveis. As cisternas chegam onde o Estado, sozinho, não alcançaria. Abrem portas para outras políticas, geram oportunidades e mudam realidades.
Na Amazônia, as cisternas captam e tratam água. Garantem saneamento para comunidades em unidades de conservação. São dignidade concreta para quem protege a floresta e para quem vive onde o clima já mudou.
A Declaração de Belém sobre Fome, Pobreza e Ação Climática Centrada nas Pessoas, proposta pelo Brasil na COP30, recoloca a dimensão social no centro da agenda climática global. A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada pelo presidente Lula, reconhece que enfrentar desigualdades é enfrentar a crise climática, já que o clima extremo agrava a insegurança alimentar, destrói meios de vida e pressiona comunidades inteiras a abandonar seus territórios.
Trata-se de um desafio global que exige respostas articuladas e sustentadas. A Declaração de Belém defende que o financiamento climático apoie modos de vida sustentáveis para agricultores familiares, povos da floresta e comunidades tradicionais. Defende também que a ação climática gere empregos dignos e oportunidades reais para quem está na linha de frente das perdas e danos.
A escolha está diante de nós. Podemos continuar tratando o clima como um problema técnico, de engenharia ou de mercados. Ou reconhecer que a solução é profundamente humana. Planeta saudável exige gente alimentada. Justiça climática é, antes de tudo, justiça social.
A COP30 nos oferece essa escolha. É a oportunidade de definir que futuro queremos para o planeta e de decidir que tipo de civilização desejamos construir em um momento decisivo para todos nós.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




