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Jean Wyllys

Jornalista, doutorando em Ciência Política pela Universidade de Barcelona, pesquisador no ALARI at Hutchins Center de Harvard e escritor baiano

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Lula, 500 dias: uma prisão coletiva

Os 500 dias da prisão de Lula dizem muito sobre o Brasil, e não só sobre o Brasil dos últimos três anos, quando o fascismo começou a retornar, minando a democracia

(Foto: Ricardo Stuckert)
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Os 500 dias da prisão de Lula dizem muito sobre o Brasil, e não só sobre o Brasil dos últimos três anos, quando o fascismo começou a retornar, minando a democracia cujas defesas foram debilitadas por um golpe (o impeachment de Dilma, como um vírus adoece o corpo quando seu sistema imunológico cai). Os 500 dias da prisão de Lula são um sintoma de um país (na verdade, da elite deste país) que se recusa a se democratizar de verdade, nega oportunidades a quem tem origem popular e pune quem ousa desafiar esse status quo. Nesse sentido, os 500 dias prisão injusta de Lula – e a série de reportagens de The Intercept (a Vaza Jato) está aí para não deixar dúvida sobre esta injustiça – são mais que um drama concreto de uma família. Há 500 dias a maioria dos brasileiros está presa junto com o ex-presidente, mesmo que muitos dos brasileiros não tenham consciência disso e até festejem essa prisão injusta (afinal, alguns escravos passam a naturalizar e até amar as correntes que lhe prendem).

A prisão do Lula foi urdida e executada por autoridades brasileiras em entrevistas e nada patrióticas, embora recorram à patriotada, para garantir estratégias geopolíticas dos Estados Unidos. Para o sucesso dessa empreitada, o ódio a Lula teve que ser tecido, inclusive e principalmente com mentiras.

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O sociólogo Jessé de Souza defende esta tese em seu livro "A Elite do Atraso – Da Escravidão à Lava Jato" que o preenchimento do significante da corrupção pela imprensa comercial (alto-falante da classe social dominante, composta pelos ricos) teria levado os altos funcionários públicos e a classe média beneficiados durante e pelos governos Lula a odiarem injustamente o ex-presidente. Para Jessé de Souza, a elite sempre usou o significante da corrupção para manipular a classe média e desrespeitar a soberania popular (o resultado de eleições livres e limpas).

Aos motivos apresentados por essa tese de Souza, eu acrescentaria alguns outros:

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1) O ressentimento dos altos funcionários públicos e da classe média em relação a Lula – ressentimento que independe do modo como a elite e seu alto-falante (a imprensa comercial) preencheram o significante da corrupção de modo a criminalizar Lula e o PT (e, por extensão, todas as esquerdas, embora muita gente, no PT e no PSOL, por exemplo, tenha embarcado na narrativa construída pela imprensa comercial).

Até Lula se tornar presidente do Brasil, os altos funcionários públicos (sobretudo juízes, desembargadores e procuradores da República) transmitiam seus cargos aos seus filhos quase como uma herança, seja por meio das vantagens materiais (comida decente e todos os dias, educação de qualidade em tempo integral, atividades extracurriculares, lazer e acesso ao aprendizado de outras línguas) que lhes davam para prestar os concorridos concursos públicos, até mesmo por meio de fraude nos concursos para lhes garantir as vagas (participar dessas fraudes exige dinheiro!).

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Até Lula ser presidente, a classe média branca tinha o ensino superior público (de qualidade muito maior em relação ao privado), sobretudo os cursos de Engenharia, Direito e Medicina, como um privilégio seu, e naturalizava a quase ausência de pessoas de origem pobre nas universidades públicas (aliás, os cursos noturnos nestas só vieram com Lula; a ausência destes era a prova mesma de que as universidades públicas eram feitas para quem não precisava trabalhar enquanto estudava; eu e outros poucos somos raras exceções de pessoas que trabalhavam enquanto cursavam a universidade).

Logo, é grande o ressentimento dessa gente em relação a Lula, pelo fato de este ter, com o conjunto de suas políticas sociais, alterado minimamente a transmissão desses privilégios mantidos com dinheiro público.

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O discurso "contra corrupção" de altos funcionários públicos e da classe média branca não passa de uma máscara para seu ressentimento. Tanto é que agora se encontram calados ante à corrupção e à incompetência do governo fascista de Bolsonaro que ajudaram a eleger. E se encontram calados porque sabem do que o fascismo é capaz.

Sem falar que a classe média branca e os altos funcionários públicos recorrem à corrupção sempre que precisam, como as já referidas fraudes em concursos públicos; os abortos clandestinos em clínicas de segurança; os atestados médicos falsos e subornos de baixos funcionários públicos. Fora a venda de sentenças por parte de juízes ou os acordos espúrios que fazem com empresas em prejuízo de comunidades.

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2) O segundo motivo que acrescento à tese de Jessé de Souza é a inveja, esta poderosa emoção política. Pessoas como Lula, a vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018 por milicianos ligados à família de Bolsonaro, e como eu, que superamos todas as barreiras impostas à nossa mobilidade social e ocupação de espaços de poder, despertamos a inveja de quem as impôs. 

Se alguém poderia empunhar a bandeira da meritocracia esse alguém seríamos Lula e eu (Marielle já não pode porque foi assasinada covardemente), que chegamos onde chegamos apesar das barreiras impostas por classe social de origem, pela cor da pele (Marielle era preta; Lula e eu somos mestiços nordestinos), orientação sexual e gênero (ela era mulher; ela e eu pertencemos à comunidade LGBT).

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Entretanto, quem gosta de falar em "meritocracia" são os privilegiados de sempre, que têm as vantagens vindas da classe social (o capital social, a rede de relações e apadrinhamentos), da cor da pele, da orientação sexual e do gênero. Quem gosta de falar em "meritocracia" são homens brancos e privilegiados desde sempre como Aécio Neves e João Doria, que, sem as vantagens que a classe social, o gênero e a cor da pele lhes deram, seriam dos "losers". Pessoas como eles têm inveja dos que os superam sem ter tido nenhum dessas vantagens e ainda com barreiras pelo caminho. Não por acaso, os dois odeiam Lula.

3) O terceiro e último motivo que acrescento à tese de Jessé de Souza está maravilhosamente descrito pela historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz em seu novo livro, "Sobre o Autoritarismo Brasileiro" (Companhia das Letras, 2019). Recomendo muito! Trata-se de uma arqueologia desse mal que se opõe a democratas de verdade.

Lula, Dilma, Marielle e eu somos democratas de verdade; acreditamos verdadeiramente na democracia. Lula está preso injustamente. Dilma foi deposta num impeachment fraudulento em 2016. Marielle foi assassinada covardemente em 2018. E eu fui obrigado ao exílio no final do mesmo ano.

Isso não quer dizer que os antidemocratas, os autoritários e os incompetentes privilegiados venceram. Ainda não. Muitos como nós estão a caminho e estão se preparando. E chegará a hora do acerto de contas; a hora de a democracia se impor à elite do atraso e à classe média manipulada.

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