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Marcelo Zero

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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México: Estratégia Equivocada

As novas tarifas atingirão de 17 setores estratégicos

Geraldo Alckmin e Claudia Sheinbaum (Foto: Jessica Ramírez/Presidência)

A estratégia do México, de promover a sua indústria nacional via tarifas de importação de até 50%, que seriam aplicadas basicamente a onze países, inclusive o Brasil, emula a estratégia equivocada de Trump e pode ter um efeito replicador profundamente danoso.

Recorde-se que a Grande Depressão da década de 1930 foi consideravelmente ampliada e aprofundada pelo efeito cascata internacional das famigeradas tarifas Smoot-Hawley, que os EUA implantaram para tentar defender, em vão, sua indústria da recessão.

As novas tarifas atingirão de 17 setores estratégicos, entre eles, o de autopeças, têxtil, plásticos, siderúrgico, vestuário, eletrodomésticos e calçados.

O Brasil tem, de fato, superávit com o México. No ano passado, tivemos com o México um superávit de um pouco mais de US$ 2 bilhões. Contudo, neste ano, até novembro, o superávit brasileiro já encolheu bastante: apenas cerca de US$ 400 milhões.

Ademais, no campo industrial, ao contrário do que acontece no campo da agropecuária, francamente favorável ao Brasil, o comércio bilateral é mais equilibrado. 

Em 2025, até novembro, o superávit do Brasil com o México, na “Indústria de Transformação como um todo’’, foi de cerca de US$ 650 milhões. 

Ressalte-se que as importações totais do México ascenderam, em 2024, a US$ 625 bilhões. Os principais déficits comerciais do México são, pela ordem, China, Coreia do Sul, Alemanha e Japão.

O problema conjuntural maior do México, nesse campo, é com a Ásia. Nos últimos 5 anos, o déficit comercial do México com a Ásia aumentou em 104%. Principalmente com a China.

No entanto, os primeiros sete meses de 2025, o México acumulou um superávit de US$ 1,416 bilhão.

Contudo, o problema do México não é com o Brasil e nem mesmo com a China.

O problema principal do México tange à sua dependência econômica estrutural, em relação aos EUA.

Mais de 80% das exportações mexicanas se dirigem para os EUA.  

Ademais, essas exportações “mexicanas” são, em grande parte, exportações de indústrias dos EUA situadas no México, às quais a economia mexicana agrega muito pouco valor. Cerca de 28%, em média. 

Muitas são apenas “maquiladoras”. As peças de maior valor agregado fabricadas, em sua maioria, nos EUA, entram no México e lá são juntadas, com mão-de obra barata e sob legislações ambientais e trabalhistas mais flexíveis, para compor o produto final, que volta aos EUA como exportação “mexicana”.

O Nafta e seu sucessor, o USCMA, não criaram uma “indústria nacional mexicana” significativa. Não geraram os empregos de qualidade esperados, não estimularam a ciência e a inovação mexicanas e não produziram, como os EUA previam, uma diminuição da pressão imigratória vinda do México.

Essa questão estrutural básica atualmente ficou agravada com as tarifas de 25% impostas por Trump. Até agora, não houve um impacto significativo, devido às exceções demandadas pela indústria dos EUA. Mas a espada de Dâmocles do protecionismo trumpista não foi retirada.

Em tempos recentes, Trump voltou a ameaçar o México com um novo aumento adicional de 5% nas tarifas aplicadas (o que aumentaria a tarifa média total para 30%), por causa da questão da água.

Com efeito, Trump disse na segunda-feira que imporia uma tarifa adicional de 5% sobre as importações mexicanas se o México não liberasse cerca de 65 bilhões de galões, para os Estados Unidos, até o final do ano. Ele afirmou que o México devia mais de 260 bilhões de galões aos EUA, sob o prisma de um tratado de 1944, que regula a distribuição de água dos rios Grande, Tijuana e Colorado.

Acontece que o México, que passou por secas nos 2 últimos anos, e que não possui canais ou tubulações para disponibilizar essas águas, não tem condições de satisfazer essas exigências de Trump.

Isso mostra como são as reações entre Trump e Sheinbaun. Imprevisíveis e tensas. O governo mexicano teme também que, a qualquer momento, os EUA resolvam fazer alguma intervenção no México, em razão dos cartéis de “narcoterroristas”.

Nesse contexto, essa imposição de tarifas do México visa, essencialmente, acalmar Trump e cumprir com a exigência, do governo trumpista, de os países latino-americanos, sob o “Corolário Trump” da Doutrina Monroe, evitarem a influência da China e de outras potências externas no subcontinente; no “quintal”.

O alvo principal dessas tarifas de 50% é, evidentemente, a China. O Brasil, país latino-americano, entrou na história para justificar uma regra supostamente geral, mas que tem alvo geopolítico específico.

De toda forma, é uma decisão equivocada. Econômica e geopolítica.

Do ponto de vista econômico, não vai resolver a questão estrutural da dependência, em relação aos EUA. Ao contrário, vai agravá-la, com esse súbito protecionismo. 

Do ponto de vista geopolítico, essa decisão fortalece os objetivos da nova Doutrina Monroe.

O Brasil, em sentido contrário, tem reagido de maneira oposta à do México.

Nosso governo está:

  1. Procurando diversificar suas parcerias de comércio e cooperação, de modo a amenizar os efeitos do brutal protecionismo trumpista. E o está fazendo com êxito. Nossas exportações, apesar de tudo, estão crescendo levemente.


  1. Investindo na integração soberana e na unidade da América Latina. Isso é essencial para combater as intervenções ilegais dos EUA na região, justificadas pela nova Doutrina Monroe e seu “Corolário Trump”.


  1. Investindo na multipolaridade e no multilateralismo, procurando promover a coalizão dos interesses do Sul Global.


Claro está que o México é muito mais sensível às pressões dos EUA, por motivos óbvios. Mas essa estratégia de ceder às pressões dos EUA e emular o protecionismo trumpista será, com certeza, contraproducente em todas as dimensões.

O México  já tem dois acordos de complementação econômica com o Brasil: o ACE 55 (setor automotivo) e o ACE 53 (produtos não automotivos). Entretanto, eles não cobrem toda a pauta do intercâmbio.

Porém, o México, como membro da ALADI, poderia participar amplamente da área de livre comércio do Mercosul, como já o fazem muitos países da América Latina.

Esse é o caminho a seguir. O caminho da integração e da cooperação.

O Brasil está empenhado no aprofundamento e adensamento das nossas relações com o México, um país com o qual sempre tivemos muita proximidade e entendimento

Com toda certeza, tais tarifas deverão ser revertidas. E o México, para usar a famosa frase de Porfirio Díaz, se tornará mais próximo de Deus, da soberania e da prosperidade.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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