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Oliveiros Marques

Sociólogo pela Universidade de Brasília, onde também cursou disciplinas do mestrado em Sociologia Política. Atuou por 18 anos como assessor junto ao Congresso Nacional. Publicitário e associado ao Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político (CAMP), realizou dezenas de campanhas no Brasil para prefeituras, governos estaduais, Senado e casas legislativas

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Milei será o Macri de amanhã?

Em síntese: a vitória legislativa dá a Milei tempo e instrumentos, mas a reeleição dependerá do tripé que derrubou Macri - inflação, salário real e crescimento

O presidente da Argentina, Javier Milei, vota em eleições legislativas de meio de mandato em Buenos Aires. Ele votou na manhã deste domingo no bairro de classe média de Almagro, em Buenos Aires, e acenou para o público, mas não deu nenhuma declaração - 26/10/2025 (Foto: REUTERS/Cristina Sille)

Milei, com sua atuação teatral de sempre, correu em direção ao público ao chegar à sede do seu partido na tarde/noite de ontem, como quem comemora uma grande vitória. Contudo, a história recente da Argentina nos dá alguns sinais de que a comemoração pode se desmanchar no ar.

A experiência de Mauricio Macri ajuda a entender por que um bom desempenho nas legislativas de meio de mandato não garante, necessariamente, reeleição na Argentina. Em 2017, o então presidente venceu com folga: Cambiemos triunfou em distritos-chave, ganhou tração na Câmara e consolidou um clima de “fim do ciclo peronista/kirchnerista”. Muitos leram aquele resultado como um cheque em branco para aprofundar a agenda econômica. A partir dali, porém, vieram a seca, a fuga de capitais, a disparada do dólar, o acordo emergencial com o FMI, a compressão do salário real e o aumento da pobreza. O capital político acumulado nas urnas dissipou-se mais rápido do que o governo conseguiu entregar crescimento e estabilidade. Em 2019, Macri perdeu no primeiro turno para o candidato da coalizão peronista Alberto Fernández.

O paralelo com Javier Milei é instrutivo. Se a La Libertad Avanza e seus aliados saem fortalecidos no Congresso, o governo ganha musculatura para aprovar leis, renegociar com governadores e dar sequência ao programa de desregulação e ajuste. Mas a lição macrista permanece: eleição de meio de mandato mede humor político; reeleição mede bolso. O eleitor argentino costuma recompensar quem estabiliza a moeda, melhora o poder de compra e devolve previsibilidade ao cotidiano - e castigar quem falha nesses três pontos, mesmo que tenha empilhado vitórias parlamentares.

Há, é verdade, diferenças relevantes. Macri tentou um gradualismo que acabou encurralado por choques externos e pela própria descoordenação interna; Milei apostou num ajuste de choque (corte fiscal agressivo, liberalizações, enxugamento do Estado). O risco é simétrico: no gradualismo, a credibilidade não vem; no choque, ela vem, mas o custo social pode corroer a base antes de os ganhos aparecerem.

A janela temporal é curta. Se a inflação cair, o dólar ficar sob controle, os salários reais começarem a se recompor e a atividade dar sinais de retomada até meados do próximo ano eleitoral, Milei converterá essa vitória legislativa em narrativa de governabilidade. Se, ao contrário, a recessão prolongar o desalento, o “voto-esperança” pode virar “voto-castigo”, como ocorreu com Macri em 2019.

Outro ponto é a engenharia política. Macri tinha uma coalizão orgânica (PRO + UCR + Coalición Cívica) e um acordo tácito com parte do establishment; ainda assim, esbarrou na resistência de governadores e sindicatos. Milei, por sua vez, é um presidente outsider com base parlamentar reduzida e heterogênea, dependente de negociações caso a caso com PRO, UCR e provinciais. Um bom resultado de meio de mandato melhora esse tabuleiro, mas não elimina vetos: a CGT, os movimentos sociais, o Judiciário e os governadores seguem sendo atores importantes no contraponto. Sem pactos estáveis, reformas estruturais tendem a diluir-se.

Também pesa a percepção de mandato. Em 2017, parte do governo Macri leu as legislativas como autorização para acelerar; quando vieram os solavancos, faltou amortecedor político. Milei corre o risco de repetir o erro: interpretar o voto legislativo como endosso incondicional a todo o cardápio. O eleitor de meio de mandato pode ter premiado a promessa de ordem macroeconômica, não necessariamente cada item do programa. Priorizar entregas tangíveis (desinflação sustentada, crédito, salários, obras com alto impacto local) é o que transformará os votos do último domingo em voto de reeleição.

Em síntese: a vitória legislativa dá a Milei tempo e instrumentos, mas a reeleição dependerá do tripé que derrubou Macri - inflação, salário real e crescimento. Se o governo transformar apoio congressual em estabilização sentida no bolso, o desfecho pode ser diferente do de 2019. Se a economia patinar ou o desgaste social superar a paciência do eleitor, como tudo indica dado o programa que sustente Milei, a Argentina pode repetir a lógica que já derrubou presidentes bem-sucedidos nas urnas de meio de mandato.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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