Muito prazer, eu sou uma mesa de pebolim
A mesa de pebolim e as atividades coletivas não são uma solução mágica, mas um lembrete de que a convivência ainda pode ser cultivada
Tenho rodado por várias escolas do estado de São Paulo para conversar sobre convivência escolar com pais, professores e famílias. Entre tantas conversas, um tema tem aparecido com força: a dificuldade de educar filhos na era digital.
Os pais relatam o quanto é desafiador controlar o tempo de tela, acompanhar o que os filhos consomem e lidar com uma geração que já nasceu hiper conectada, com o polegar treinado para rolar a tela do celular. Falam também da crise de autoridade e da perda do senso de comunidade, algo que afeta não só as grandes cidades, mas também as cidades menores do interior, onde o convívio entre vizinhos e famílias já não é o mesmo de antes. Uma mãe comentou: “antigamente minha mãe deixava a vizinha olhando a gente enquanto saia; hoje, se meu filho tocar a campainha e sair correndo, eu levo processo” — sinal dos tempos.
O impacto da Lei nº 15.100/2025, que restringe o uso de celulares no ambiente escolar, tem sido sentido de forma concreta. A fala dos diretores e professores é unânime: a convivência melhorou muito depois da proibição.
Com a medida, atividades físicas voltaram a ser muito mais praticadas no recreio. Bibliotecas, antes silenciosas e vazias, passaram a ser mais frequentadas. Muitos alunos começaram a tocar instrumentos, conversar mais e descobriram jogos analógicos, como a dama e a mesa de pebolim. Inúmeros professores enalteceram o aumento da participação em atividades coletivas ou conversas espontâneas durante o recreio.
Mesmo assim, muitos desafios relativos as relações digitais permanecem. Redes sociais e aplicativos continuam influenciando muito a vida dos alunos fora da escola. Diretores relatam, às vezes com frustração, que alunos ou até pais entram em conflito em grupos de WhatsApp ou redes sociais, e a escola acaba sendo chamada para mediar ou resolver essas situações (mesmo que a temática do conflito nem tenha sido sobre algo relativo à escola). A proibição ajudou, mas não apagou a presença das telas e das tensões digitais no dia a dia escolar.
Esse fenômeno, no entanto, já era previsto. No livro “Geração Ansiosa” (2024), o psicólogo social norte-americano Jonathan Haidt alerta para o crescimento dos transtornos mentais após a popularização dos smartphones, especialmente entre as novas gerações. Redes sociais e aplicativos são desenhados para nos prender, explorando mecanismos cerebrais de prazer e recompensa. O resultado é um aumento preocupante nos índices de ansiedade, depressão e automutilação, especialmente entre adolescentes, além de impactos no sono e na atenção, prejudicando a concentração e o foco.
A geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) já apresentava sinais de isolamento antes mesmo da pandemia. Dados mostram que, desde o início dos anos 2010, o tempo que adolescentes passam pessoalmente com amigos caiu pela metade. A hiper conexão aproximou quem está longe, mas distanciou quem está perto. O problema, claro, não é só dos jovens: adultos e idosos também têm registrado aumento de ansiedade, depressão e vulnerabilidade a golpes e fake news.
No fim, a lei mostrou que é possível recuperar espaços de convivência e interação, mas que evidentemente não resolve todos os problemas. As telas continuam presentes, e a escola ainda precisa lidar com conflitos que surgem fora de seus muros. O que mudou é que há mais oportunidades para o contato humano, para a participação coletiva e para experiências compartilhadas, embora isso exige atenção, mediação e presença constante de professores e famílias.
A mesa de pebolim e as atividades coletivas não são uma solução mágica, mas um lembrete de que a convivência ainda pode ser cultivada, mesmo num mundo em que as telas têm tanto peso.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

