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Pedro Desidério Checchetto

Psicologo Clínico, Pesquisador em Psicologia Social e Professor Universitário. Doutorando em Psicologia Social pela PUCSP/URV - Espanha

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Muito prazer, eu sou uma mesa de pebolim

A mesa de pebolim e as atividades coletivas não são uma solução mágica, mas um lembrete de que a convivência ainda pode ser cultivada

Muito prazer, eu sou uma mesa de pebolim

Tenho rodado por várias escolas do estado de São Paulo para conversar sobre convivência escolar com pais, professores e famílias. Entre tantas conversas, um tema tem aparecido com força: a dificuldade de educar filhos na era digital.

Os pais relatam o quanto é desafiador controlar o tempo de tela, acompanhar o que os filhos consomem e lidar com uma geração que já nasceu hiper conectada, com o polegar treinado para rolar a tela do celular. Falam também da crise de autoridade e da perda do senso de comunidade, algo que afeta não só as grandes cidades, mas também as cidades menores do interior, onde o convívio entre vizinhos e famílias já não é o mesmo de antes. Uma mãe comentou: “antigamente minha mãe deixava a vizinha olhando a gente enquanto saia; hoje, se meu filho tocar a campainha e sair correndo, eu levo processo” — sinal dos tempos.

O impacto da Lei nº 15.100/2025, que restringe o uso de celulares no ambiente escolar, tem sido sentido de forma concreta. A fala dos diretores e professores é unânime: a convivência melhorou muito depois da proibição.

Com a medida, atividades físicas voltaram a ser muito mais praticadas no recreio. Bibliotecas, antes silenciosas e vazias, passaram a ser mais frequentadas. Muitos alunos começaram a tocar instrumentos, conversar mais e descobriram jogos analógicos, como a dama e a mesa de pebolim. Inúmeros professores enalteceram o aumento da participação em atividades coletivas ou conversas espontâneas durante o recreio.

Mesmo assim, muitos desafios relativos as relações digitais permanecem. Redes sociais e aplicativos continuam influenciando muito a vida dos alunos fora da escola. Diretores relatam, às vezes com frustração, que alunos ou até pais entram em conflito em grupos de WhatsApp ou redes sociais, e a escola acaba sendo chamada para mediar ou resolver essas situações (mesmo que a temática do conflito nem tenha sido sobre algo relativo à escola). A proibição ajudou, mas não apagou a presença das telas e das tensões digitais no dia a dia escolar.

Esse fenômeno, no entanto, já era previsto. No livro “Geração Ansiosa” (2024), o psicólogo social norte-americano Jonathan Haidt alerta para o crescimento dos transtornos mentais após a popularização dos smartphones, especialmente entre as novas gerações. Redes sociais e aplicativos são desenhados para nos prender, explorando mecanismos cerebrais de prazer e recompensa. O resultado é um aumento preocupante nos índices de ansiedade, depressão e automutilação, especialmente entre adolescentes, além de impactos no sono e na atenção, prejudicando a concentração e o foco.

A geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) já apresentava sinais de isolamento antes mesmo da pandemia. Dados mostram que, desde o início dos anos 2010, o tempo que adolescentes passam pessoalmente com amigos caiu pela metade. A hiper conexão aproximou quem está longe, mas distanciou quem está perto. O problema, claro, não é só dos jovens: adultos e idosos também têm registrado aumento de ansiedade, depressão e vulnerabilidade a golpes e fake news.

No fim, a lei mostrou que é possível recuperar espaços de convivência e interação, mas que evidentemente não resolve todos os problemas. As telas continuam presentes, e a escola ainda precisa lidar com conflitos que surgem fora de seus muros. O que mudou é que há mais oportunidades para o contato humano, para a participação coletiva e para experiências compartilhadas, embora isso exige atenção, mediação e presença constante de professores e famílias.

A mesa de pebolim e as atividades coletivas não são uma solução mágica, mas um lembrete de que a convivência ainda pode ser cultivada, mesmo num mundo em que as telas têm tanto peso.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.