Não crie corvos, pratique a "democracia militante"
A “democracia militante” defende que não devem sequer participar de eleições os políticos e partidos políticos que não se coadunem com o regime democrático
Aos vinte e três anos fundei meu escritório e, desde então, me dedico a uma advocacia voltada à micro, pequena e média empresa; não existia a constituição de 1988, nem o inciso IX do artigo 170 da CF, que comanda o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”.
Temos clientes que nos acompanham há mais de três décadas e, ou eles são tolerantes ou somos um time capaz de atender demandas próprias desse perfil de empresa.
Ao longo desse tempo, advogados e advogadas chegaram e, mesmo seguindo seus caminhos e escolhas deixaram colaboração fundamental para a nossa própria caminhada.
Hoje a MACIEL NETO tem hoje advogados e advogadas associados muito jovens, todos eles brilhantes e “com a vida toda pela frente” para alcançar o sucesso e para tocar a vida de tantos de forma positiva e construtiva.
Dois jovens advogados me preocupam. Eles são fruto desses tempos em que, ao redor do mundo, as democracias constitucionais vivem tempos difíceis; tempos em que populistas de direita e extrema direita como Viktor Orbán, Edorgan, Bolsonaro e Trump desafiam o funcionamento das instituições democráticas, buscam descredibilizá-las frente a população de seus países, sem apontar qualquer caminho que não seja a acumulação de poderes em si próprios, mas se comunicam muito bem pelas redes sociais.
Os dois jovens advogados não perceberam ainda que a consequência disso tudo é o risco à sobrevivência dos direitos fundamentais e da própria democracia. Eles não viveram a ditadura militar, nem mesmo os seus estertores como a minha geração; não comemoraram o nascimento de um partido de esquerda livre das amarras do stalinismo, do maoismo, do trotskismo e de outros tantos “ismos”; não votaram nas eleições para governador em 1982; não debateram calorosamente a urgência de uma constituinte exclusiva; não choraram a derrota da Emenda Dante de Oliveira em 1984; não estavam por aqui quando Tancredo Neves morreu e Sarney tornou-se presidente, logo ele, dissidente da ARENA – partido que apoiou a ditadura militar; não compreendem o significado histórico e político da instalação da Assembleia Constituinte ou da CF de 1988, apresentada por Ulisses Guimarães como a “constituição cidadã”; não viveram a inflação, a sua estabilização e a desestatização predatória de Collor e FHC; não viveram os governos Lula I e II e eram adolescentes quando das marchas de junho de 2013 e da Avant Première da série “Lava-Jato, convicções e certezas absolutas”, produzida com dinheiro público e exibida em rede nacional de TV no horário nobre.
Por isso tudo eles não compreendem que relativizar o caos representado por Bolsonaro, pelo bolsonarismo e pelo olavismo é um erro com serias consequências, pois, relativizar, banalizar ou normalizar o mal que Bolsonaro representa, tudo em nome de uma moralidade hipócrita, é o caos, o mal e o fim da marcha civilizatória; representa a ruptura com a democracia e sem democracia não há direitos, não há segurança e não há progresso econômico e social, salvo para aqueles que se submetam a ser canonizadores do próprio mal, bajuladores da incivilidade e ainda usem sem constrangimento, mas com muito fingimento, o nome de Deus em vão.
A premissa que trago à reflexão é a seguinte: “a democracia liberal é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela”, essa frase seria de Winston Churchill, não sei se é, mas serve como ´ponto de partida.
Fato é que, sem democracia não há progresso individual, social e econômico, razão pela qual aos advogados e advogadas, não basta a boa técnica e o conhecimento da ciência do Direito – isso é o mínimo -, precisamos ser militantes da democracia e pela democracia, sem ela não há Estado de Direito; sem democracia os nossos clientes, micro, pequenos e médios empresários, suas famílias, funcionários, colaboradores e fornecedores de produtos e serviços, teriam a existência condicionada aos humores do arbítrio.
O que fazer?
Eu disse outro dia numa entrevista que nós advogados temos que estudar muito, mas temos também que praticar a “democracia militante”, que é uma teoria desenvolvida pelo alemão Karl Leowenstein, mais um Karl, na qual ele descreve mecanismos jurídicos capazes de restringir a participação de grupos, movimentos e partidos antidemocráticos no processo político-eleitoral.
Por que é importante falarmos sobre isso? Porque atualmente as democracias não são atacadas por tanques de guerra, são corroídas pela ação insidiosa de líderes como Bolsonaro, eleitos pelo voto e depois relativiza a democracia e os instituições.
No Brasil, a narrativa emancipatória da Constituição de 1988 e seus valores sofreram severo ataque de Bolsonaro e dos grupos autoritários e corruptos que o apoiam, todos sedentos por poder, alimentados por mentiras e ungidos por uma demoníaca Teologia da Prosperidade.
Por isso a advocacia precisa: (a) difundir a teoria de Loewenstein; (b) agregá-la ou seu dia a dia; (c) aprender a evitar o “paradoxo da tolerância” em nome de uma descabida urbanidade.O que é o “paradoxo da tolerância”? Segundo Karl Popper, mais um Karl, quem dá vida e sobrevida a gente como Bolsonaro é a tolerância. Explicando: segundo Popper, a sociedade não pode ser tolerante com gente intolerante, nem banalizar o mal que o intolerante semeia, pois, em agindo assim, corre-se o risco de que o intolerante, uma vez instalado no poder, elimine a própria tolerância.
A “democracia militante” defende que não devem sequer participar de eleições os políticos e partidos políticos que não se coadunem com o regime democrático. A preocupação de Loewenstein à época, e deveria ser a nossa hoje, era de que a participação de políticos e de partidos com evidentes características totalitárias poderia levar à derrocada do próprio regime democrático, foi o que aconteceu por lá com Hitler.
Lembremos: Hitler não alcançou o poder em virtude de um golpe de Estado ou de maneira violenta, mas, com o Partido Nazista ele participou da disputa democrática e foi alçado ao cargo de líder (führer) com o apoio majoritário da população alemã.
E desde o início de sua campanha eleitoral, Hitler já expunha ideias totalitárias e dava sinais de que não respeitaria as regras democráticas, assim como Bolsonaro por aqui.
A “democracia militante” prega que o regime democrático tenha mecanismos para evitar que agentes políticos com ideais totalitários de poder, como Orbán, Edorgan, Bolsonaro e Trump utilizem instrumentos democráticos para chegar ao poder, como fez Hitler.
Bolsonaro defende a ditadura de 1964, a tortura, torturadores, ditadores, golpes de Estado e a morte de “uns 30 mil” brasileiros, não teria chegado ao poder se esses mecanismos existissem.
Penso que, à mingua de mecanismos de democracia militante o STF tem aplicado a teoria de Loewenstein, decidindo sempre em defesa da democracia, sem tolerar os não democratas.
Ser de direita, de centro ou de esquerda faz parte do “jogo” da democracia, mas não pode ser tolerada na quadra da política gente como Orbán, Edorgan, Bolsonaro e Trump, dentre outros, pois ao tolerá-los “democraticamente”, estamos criando corvos e, como dizem: crea cuervos y ellos arreglan tus ojos.
Essas são as reflexões.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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