Nata – Por Luis Cosme Pinto
A prosa afiada de leitores e leitoras, que bem podiam viver da literatura
“Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem”. A frase é do poeta Mario Quintana. Recebi de uma amiga, que leu a crônica da semana passada, sobre o poder do leitor.
Aliás, foram muitas mensagens. Vejam a conexão: leitores a escrever sobre a leitura.
Na bem temperada salada de comentários houve um consenso: o brasileiro lê pouco. As razões seriam: preço alto dos livros, pouco incentivo na infância, baixo investimento nas bibliotecas públicas.
Outro leitor revelou que o contato com os livros foi decisivo em sua vida. Ele carrega sempre um livro na bolsa e mergulha nas histórias na primeira chance que aparece. O farol fechado rende uma página. A ida ao banheiro, duas ou três. O tempo na sala de espera, quase um capítulo. É a literatura à espreita de um instante vadio.
Meu leitor contou mais: ele vai para a cama com o livro debaixo do braço. Promete a si apenas uma página, uma só, para chamar o sono. Aí, embarca na trama. Entra e não sai mais. Vai virando as páginas, uma a uma, até o sol raiar. Perde sono, ganha sabedoria. Nessas madrugadas - ele me conta como se voltasse de uma viagem de férias - que experimenta sabores, amores, odores. Virou entregador, astronauta, garimpeiro.
Quem lê, ele completa, ganha conhecimento e vocabulário, entende melhor o mundo e as pessoas.
Estes leitores são de carne e osso, não moram em obra de ficção e essa notícia é fantástica. Mas há outra melancólica: essas pessoas são, cada vez mais, minoria.
Botar a culpa na internet, não resolve. A maioria lê pela tela do celular ou computador. É ruim e é bom. Como dizia a professora Jocely, do Instituto Lafayette: “Na falta de um livro, leia jornal velho, leia bula de remédio, mas leia”.
Conhecer a preferência do leitor é desejo de quem escreve. Dia desses, uma editora me revelou três tipos de leitores digitais.
- Cosme, o primeiro lê e não comenta. Ou porque não tá a fim ou porque não tem tempo.
- Sei...
- O segundo é muito diferente. Sugere, elogia e também reclama. Encontra vírgula fora do lugar, aponta falta de crase, entende até de hífen. Não deixa passar nada.
- E o terceiro tipo?
- É aquele que comenta sem ler.
- Como assim?
- A pessoa manda qualquer figurinha e, às vezes, se limita a uma frase vazia. Do tipo, “bom tema”, “excelente reflexão”. É o típico comportamento de rede social, em que o seguidor diz qualquer bobagem, porque o importante é escrever, não importa o quê.
Nada dói mais ao escritor que a indiferença. O silêncio do leitor ou leitora pode ser de despedida. Aprendi a valorizar cada comentário. Apanho sem dor e confesso que até me divirto. Semanas atrás escrevi sobre cigarrinhos de chocolate e bombom Sonho de Valsa.
O petardo chegou ligeiro: Tanta notícia importante e você vem com essa lenga-lenga? Francamente!
Em outra crônica, sobre um homem que correu de cueca verde limão na Vila Buarque, a leitora me esculhambou: O mundo em guerra e o cronista gastando o nosso tempo com a cueca dos outros. Falta de assunto tem limite.
Pode ser difícil de entender, mas falta de assunto também é assunto para quem escreve. Eu, por exemplo, acho cueca verde limão e bombom Sonho de Valsa excelentes assuntos.
Peço agora que você sente e leia esta frase de Manuel Bandeira sobre o cronista Rubem Braga: “Braga é sempre bom, e quando não tem assunto então é ótimo”.
Anteontem, numa livraria aqui em São Paulo, não faltou assunto. Em um momento que só a literatura é capaz de proporcionar, encontrei parte de meus raros e fiéis leitores e leitoras. Foi no lançamento do meu novo livro de crônicas: “Acabou, mas continua”.
Minha ambição não é pequena: espero que leiam, gostem e depois comentem. Afinal, são as melhores leitoras e leitores do mundo. A nata.
“Acabou, mas continua” já está nas livrarias e no site da editora Cachalote.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

