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Tânia Maria de Oliveira

Secretária-Executiva Adjunta Secretaria-Geral da Presidência da República

87 artigos

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Nazismo: o culto ao mal absoluto e o erro nas comparações fáceis

Adolph Hitler
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A filósofa alemã Hannah Arendt, em suas reflexões sobre as origens do totalitarismo, jogou luz sobre as possibilidades de compreendermos formas de governo em nosso mundo que exigem de nós um imenso esforço reflexivo já que, em princípio, devemos levar em conta que toda forma de regime político encontra dentro de si uma complexidade de mecanismos característicos que tornam possível sua existência. 

A História da humanidade que mostrava o jogo de interesses e a tomada de poder como objetivos dos líderes dos tipos de governos existentes sofreu na primeira metade do Século passado um movimento que se desenvolveu para além do interesse político e econômico. Ao  nos introduzir na observação sobre um movimento cujo objetivo principal era a dominação mundial, Arendt apontou fatos históricos que fugiam a uma análise puramente acadêmica, com causas não identificáveis para sua presença em um mundo civilizado.

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A monstruosidade dos campos de concentração, de trabalhos forçados e de extermínio, câmaras de gás e as diversas formas de eliminação de seres humanos, incluindo experiências “médicas” infames e repugnantes com objetivos racistas feitos com pessoas consideradas geneticamente indesejáveis, fizeram com que o nazismo se diferenciasse de qualquer tirania, governo despótico ou qualquer outra espécie de ditadura até então conhecida.

Com o fim da Segunda Guerra  o nazismo tornou-se crime na Alemanha e em diversos países, incluindo o Brasil. Não apenas sua prática, mas a propagação de ideias em quaisquer de suas formas. A apologia do nazismo se enquadra na Lei 7.716/1989 segundo a qual é crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” e ainda “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.

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Essa lei é respaldada pela Constituição de 1988, que classifica o racismo como crime inafiançável e imprescritível.

Na outra ponta, no Brasil do Século XXI a liberdade de expressão, princípio fundamental em todas as democracias contemporâneas, virou joguete de retórica na voz da direita militante, sejam autoridades ou formadores de opinião em geral. E encontra ressonância, também, em fundamentos trazidos por alguns militantes, juristas e comunicadores de esquerda.

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Já escrevi sobre isso em outros momentos.

Desta vez, no campo da repercussão, o discurso de ódio que prega golpes contra a democracia e ataques às instituições cedeu lugar a uma defesa de uma suposta  “institucionalidade” do regime nazista.

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O deputado federal Kim Kataguiri e o apresentador de um programa de entrevista no canal YouTube de nome Monark argumentaram uma máxima segundo a qual para combater o nazismo é preciso que ele deixe de ser considerado crime e possa ser exercitado livremente, podendo inclusive possuir um partido político.

Seria, na lógica deles, admitir que se possa, no ambiente público democrático defender a eliminação física do outro, de grupos e povos considerados inferiores, justificando toda prática horrenda de violência. 

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O que o deputado Kim Kataguiri, que ajuizou ações judiciais contra seus críticos, indica não compreender é que o nazismo foi gestado dentro do ambiente democrático. O que tornou possível a existência do regime foi justamente a livre circulação e divulgação de suas ideias, que resultou na ascensão de Adolf Hitler e o partido único com apoio popular, e que mais tarde se conformaria na intensa propaganda levada a cabo por Joseph Goebbels, com fogueiras de livros e um método eficaz de lavagem cerebral, em um sistema de dominação sem precedentes históricos.

Duas questões me parecem elementares nessa discussão. A primeira é que o direito à liberdade de expressão não engloba a apologia do nazismo. Essa questão, além de presente na legislação, já foi enfrentada e decidida pelo Supremo Tribunal Federal em 2003 num julgamento considerado histórico e que ficou conhecido como caso Ellwanger. 

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A segunda é que a comparação, que se revela na voz de alguns juristas e comunicadores do campo democrático ou de esquerda, de preocupação com paralelos como a defesa da mudança em legislações para descriminalização de condutas ou a legalidade de atos públicos, como a marcha da maconha, também não encontram sentido.

Acontece que a liberdade de se manifestar encontra seu limite justamente no estímulo à violência e no risco potencial que o discurso possa trazer à democracia e ao coletivo de uma sociedade, ou mesmo à humanidade no sentido mais amplo. 

No caso das marchas da maconha, por exemplo, o que se apresenta é a tentativa de pautar importante e necessário debate das políticas públicas e dos efeitos do proibicionismo. Em nada se confunde com  defesa da descriminalização de um regime que prega a supremacia racial e o extermínio de grupos que considera inferiores, que na experiência histórica não usou os instrumentos de política interna da democracia, senão para destruí-la.

São, portanto, discursos com conteúdos sociais e com potenciais de efeitos e danos completamente distintos. O nazismo, como pontuou Hannah Arendt, encontra sentido na destruição da ação política, sem compromisso com qualquer ponto de convergência com a dignidade da pessoa humana.

É desse modo que entendo que se faz necessário averiguar se as falas do deputado e do apresentador devem ser caracterizadas como apologia ao nazismo.

Embora não seja, de fato, um tema fácil e sejamos carentes de aprofundamento, é um erro cair nas comparações fáceis, na tentativa distorcida de conferir à liberdade de expressão um valor absoluto.

A propósito, muitos costumam citar os Estados Unidos da América como exemplo desse posicionamento. O lugar do mundo onde se pode dizer tudo que se pensa, defende e conhece. Ah, claro! Edward Snowden e Julian Assange são ótimas amostras de como aquela democracia sólida aplica o princípio. Ou não, como diria Caetano!

Mas isso é tema para outro artigo.  

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