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Ricardo Almeida

Consultor em Gestão de Projetos TIC e ativista do movimento Fronteras Culturales

24 artigos

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O 1º de abril e os golpes à soberania nacional

É fundamental compreender (e assimilar) que, se em 1964 as empresas transnacionais queriam instalar-se em solo brasileiro (isso elas conseguiram com o apoio dos regimes baseados na força) e acabar com a indústria genuinamente nacional, hoje elas buscam alternativas para evitar uma revolta popular que ameacem as suas bases instaladas

(Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
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"Vocês, que vão emergir das ondas
Em que nós perecemos, pensem,
Quando falarem das nossas fraquezas,
Nos tempos sombrios
De que vocês tiveram a sorte de escapar.

Nós existíamos através da luta de classes,
Mudando mais seguidamente de países que de sapatos, desesperados! 

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Quando só havia injustiça e não havia revolta."

Bertold Brecht - Aos que virão depois de nós

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Era 1º de abril de 1964 e eu tinha apenas oito anos de idade. Naquela manhã o meu pai saiu para passear no seu Simca Chambord pelas ruas da cidade deserta. Lembro que da janela do carro eu vi alguns soldados do exército montando barricadas na frente do 8º Regimento de Cavalaria e que quase ninguém havia saído de casa. Meses mais tarde eu já estava desfilando com um uniforme militar e cantando o Hino Nacional na entrada do Grupo Escolar Rivadávia Corrêa, em Santana do Livramento. 

Até os meus 14 anos de idade eu não sabia o que estava acontecendo no Brasil. Morando na fronteira, a gente respirava os últimos ares democráticos que sopravam do lado do Uruguai e isso diminuía um pouco as minhas inquietações juvenis. Até meados dos anos 1970, era comum atravessar a linha imaginária para assistir a filmes e comprar livros (existiam boas livrarias e cinemas) que estavam proibidos no Brasil.

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Confesso que somente fui entender o que significava viver sob uma ditadura militar com o golpe militar no Uruguai, em 1973, e em 1975, quando os principais jornais brasileiros anunciaram que o jornalista Vladimir Herzog havia se enforcado com uma tira de pano, amarrada a uma grade a menos de dois metros de altura. Eu já tinha 19 anos e uma foto (montada) mostrava os pés do jornalista morto tocando o chão, com os joelhos dobrados.  Alguns meses depois, na porta de uma fábrica, o líder sindical Santo Dias também foi morto ao tentar dialogar com os policiais para libertar os companheiros presos. A polícia agiu com brutalidade, e um PM atirou nele pelas costas. O corpo do operário só não desapareceu porque a sua companheira entrou no carro que transportava o corpo para o Instituto Médico Legal.

Assim, aos poucos, por meio da imprensa independente da época e dos meus amigos, foram se revelando as matanças, as torturas e toda a corrupção que transbordava em quase todas as áreas daquele regime tirano. Fui aprendendo que eles tinham o apoio da grande mídia nacional e da máquina judiciária, que ocultavam informações e plantavam notícias falsas sobre os crimes cometidos. Durante anos a minha geração assistiu a confissões forjadas, laudos periciais mentirosos, autópsias fraudadas, queima de bancas de jornais e o desaparecimento de pessoas inocentes. Com a grande mídia ao seu lado, alguns empresários nacionais com o apoio do governo e de empresas norte-americanas, compraram empresários brasileiros, políticos corruptíveis e boa parte da alta patente do exército. Lembro que o General Golbery do Couto e Silva, o principal estrategista do regime militar, foi presidente da filial brasileira da empresa norte-americana Dow Chemical e, posteriormente, seu presidente para a América do Sul. Ou seja, foram utilizadas diferentes formas de cooptação das pessoas e de militares, desde financiamentos e endividamentos, até a contratação para espionagem nas universidades. 

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Por meio de intrigas e de mentiras, eles também foram desmantelando a universidade brasileira (ver acordo MEC-USAID), manipulando e dividindo a sociedade civil, e conseguindo muitos apoiadores internos. O objetivo era instalar as suas bases industriais em solo brasileiro, explorar a nossa mão-de-obra e a exportar mais e mais as nossas riquezas. Entre os casos de corrupção, é possível citar a Operação Capemi (Caixa de Pecúlio dos Militares), na qual essa “organização” ganhou uma concorrência suspeita para a exploração de madeira no Pará, os desvios de verbas na construção da ponte Rio–Niterói, a construção da Usina de Itaipú e a inacabada Rodovia Transamazônica. 

Naquela época era muito arriscado falar sobre esses assuntos, e os pais pediam para a gente não se envolver em política. Era comum ouvir senhoras comentando sobre receitas de bolo, roupas e penteados das esposas dos ditadores. Os homens se contentavam em falar sobre futebol e as marcas dos novos automóveis que entravam no país.

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Sem liberdade de expressão, buscamos formas alternativas de informação. Foi por vias tortas que eu aprendi que o regime militar defendia o crescimento a qualquer custo, com o foco nas exportações. Que os investimentos em infraestrutura aumentaram significativamente a nossa dívida externa, fomentaram a expulsão de milhares de famílias do campo, acabaram com diversas reservas indígenas, incentivaram a criação de cinturões de miséria na periferia e o crescimento desordenado das cidades. 

Porém, isso também ocorreu porque houve pouca resistência popular, o Congresso foi esvaziado de seu significado público, e criaram-se privilégios em todas as esferas de poder (municipal, estadual e federal), com a apropriação privada do que deveria ser público. As cidades de fronteira e as capitais dos Estados (UFs), por exemplo, eram consideradas Áreas de Segurança Nacional e não elegiam os seus prefeitos, que eram indicados pelo general de plantão. Os governadores também eram indicados pelos ditadores, e os territórios menores, como o Acre, Rondônia, Roraima e o Amapá, à medida que a oposição avançava nos demais Estados, ganharam o mesmo peso de representação no Senado, para garantir uma nova maioria na hora da decisão parlamentar. Essas e outras manobras políticas, o regime militar brasileiro nos deixou de herança.

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Quem viveu naquela época sabe que a repressão exportou a prática da tortura pelo continente, e que, apesar de algumas mudanças, essa cultura ainda persiste na mente de muitas pessoas e, principalmente, nas delegacias e prisões do nosso país. O fato é que o Brasil acabou se endividando, promovendo e dando garantias aos integrantes do aparelho de repressão política, como a anistia aos torturadores e aos que fazem apologia à violência do Estado. No final, já em meados dos anos 1980, os militares entregaram o poder com uma inflação fora do controle e os brasileiros arcando com um elevado custo de vida.

Hoje, após vários anos de experiência democrática e de liberdade conquistada, as pessoas estão mais bem informadas e atentas, sendo que  milhares se organizaram e aprenderam a lutar pelos seus direitos.  No entanto, aquela velha cultura alienada sobreviveu no seio da sociedade e, em tempos de crise, ela voltou a se manifestar nas relações de trabalho, familiares, escolares e universitárias. Com a descoberta do Pré-Sal, o protagonismo do Brasil alinhado aos BRICs, com o combate à corrupção durante os governos Lula e Dilma, a disputa internacional se intensificou, e velhas forças internacionais, aliadas aos setores mais conservadores da sociedade brasileira voltaram a se articular para evitar a sangria, num “grande acordo nacional” (internacional), com apoio do Supremo, do Congresso e das grandes redes de televisão. 

A reação ao golpe jurídico-midiático-parlamentar de 2016 e o combate à quadrilha que se instalou no Planalto Central foi insuficiente e revelou que a luta por mais participação e por mais democracia também precisava ser acompanhada por uma mudança cultural e política. Recém agora, boa parte da população está valorizando as diversas conquistas obtidas durante o período democrático. 

Por isso, o dia 1º de abril precisa ser lembrado como um dia de memórias tristes, de reflexões sobre  as veias que continuam abertas na América do Sul e também sobre o papel estratégico do Brasil no cenário internacional. Se a velha cultura do ódio, do autoritarismo e do entreguismo voltou a se travestir de verde e amarelo para propagar intrigas e mentiras, é porque eles não  possuem argumentos e nem defendem o nosso petróleo, a produção de gás, a indústria naval, a construção civil e o que resta de indústria nacional. Para desnudá-la precisamos reconhecer que as novas gerações de brasileiros e de brasileiras mudaram nestes longos anos, e que os movimentos sociais e os partidos de esquerda seguem dispersos, mas que estão bem mais articulados do que 1964, que muitos já entenderam a importância da unidade política para a defesa de direitos perdidos e pela volta da democracia plena. Ou seja, que se trata de um processo vivo, histórico, contraditório e dinâmico que ensina quem está disposto a aprender com as disputas e experiências coletivas. 

É fundamental compreender (e assimilar) que, se em 1964 as empresas transnacionais queriam instalar-se em solo brasileiro (isso elas conseguiram com o apoio dos  regimes baseados na força) e acabar com a indústria genuinamente nacional, hoje elas buscam alternativas para evitar uma revolta popular que ameacem as suas bases instaladas. Portanto, neste contexto municipal, estadual, nacional e internacional, cada passo será um passo, e qualquer vacilo do campo democrático e popular poderá representar um xeque-mate à nossa soberania nacional. 

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