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Cristiano Addario de Abreu

Doutor do Programa de Pós-graduação de História Econômica/USP (PPGHE/USP).

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O bolsonarismo e o direito à mentira Vs a Educação Política e o direito ao erro

A mentira vira um “direito” no mundo enlouquecido do bolsonarismo, alavancado pela manipulação digital

Ato bolsonarista na Avenida Paulista (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
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Paul Ricoeur, em uma de suas magníficas obras, o livro Histoire et Vérité, defende o que chamou de o “direito ao erro”. O pensador, com formação protestante, estava com tal ideia defendendo o caminho “processual” da vida, defendendo a queda e redenção, o empirismo da experimentação, defendo enfim o direito ao erro não pelo erro: mas como o caminho para o acerto. O direito ao erro de Paul Ricoeur não é um elogio aos teimosos orgulhosos, que teimam em seguir num erro evidente, pelo orgulho estúpido de não aceitarem admitir que erraram. Ao contrário: só se legitima, na lógica dele, o erro cometido de boa-fé, e que uma vez que tal erro apareça como tal, ou seja, que popperianamente sua falseabilidade seja demonstrada, tal caminho seja imediatamente descartado. Ricoeur publicou a primeira edição desta obra em 1955, e ressaltar este contexto também é vital para entender tal ideia do direito ao erro: há nela uma resposta sofisticada ao stalinismo concorrente ao Ocidente europeu de então. A consciência do que é o certo a ser feito nunca foi garantia para a sua realização na história. Obviamente que o determinante para a realização na história, do que quer que seja, não é a justeza ou a certitude, mas sim a força dos interesses. Naquele contexto europeu do pós-guerra a força narrativa dos partidos comunistas esgarçava ao limite o projeto burguês europeu, o fazendo ser reconfigurado no que entrou para a história como o capitalismo renano: o capitalismo social-democrata da Europa ocidental. Modelo este que foi o que derrotou o bloco do “socialismo real” na queda do muro de Berlim: os países do Pacto de Varsóvia não se renderam ao projeto liberal, como a narrativa desonesta e mistificadora da mídia repete de forma obcecada, mas se renderam ao o que viam do outro lado do muro, com uma sociedade capitalista produtivista de pleno emprego, com altíssima regulação em tudo, e forte presença estatal.

Foi feita esta curta digressão no parágrafo acima, sobre a queda do muro de Berlim ter sido uma rendição do leste europeu ao capitalismo renano, social-democrata, e não ao ultraliberalismo, porque defender tal fato histórico é fundamental para compreendermos o atual momento de guerra narrativa pelas consciências. A mentira de que “o liberalismo venceu o comunismo” carrega a destruição da compreensão da realidade histórica de fato ocorrida: pois os países do Pacto de Varsóvia nunca se renderam ao modelo de sociedade que o ultraliberalismo gera, mas sim ao o que viam do outro lado do muro, num capitalismo social-democrata.

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Paul Ricoeur, na primeira década da Guerra Fria, era um pensador sofisticado dentro de uma realidade em disputa, e estruturou uma ideia crítica ao modelo assertivo do stalinismo, com a defesa de um caminho com mais nuanças, mais “passos para trás, para dar passos à frente”, sendo crítico ao stalinismo dentro de um quadro intelectual de alto nível e com honestidade intelectual: foi este quadro intelectual europeu que gerou a Europa social-democrata, com um modelo híbrido e dinâmico, o que “venceu” o modelo do “socialismo real”. Curiosamente na China, que se mantem firmemente num regime de partido comunista único no século XXI, as tão famosas reformas de Deng Xiaoping desde 1978, geraram um modelo mais híbrido também, de “caminho do meio” (lema do budismo) que permitiu a iniciativa privada em várias escalas de negócios, mas não nas finanças, nem em setores estratégicos.

Lembra-se aqui das reformas chinesas porque a narrativa liberal, e ultraliberal, segue cometendo a mesma mentira analítica sobre os fatos históricos no caso chinês: da mesma forma que mentem dizendo que o “socialismo real” do leste europeu foi derrotado pelo liberalismo (escondendo o fato de que o leste europeu em 1989 se atirou no colo de um modelo SOCIAL-DEMOCRATA), repetem a mentira que a China “se liberalizou”, sem explicar que este “liberalismo” é feito de bancos e setor financeiro ESTATAIS, empresas estratégicas ESTATAIS... e com total liberdade para... abrir restaurantes e pequenos e médios negócios, pois os grandes negócios são fortemente regulamentados e estatizados. (https://aterraeredonda.com.br/o-grande-vencedor-do-neoliberalismo/)

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Os modelos reais, para sua eficiência e fluidez, dependem de modelos narrativos de compreensão dessa realidade. Naquela Europa dos anos 1950 Paul Ricouer foi expressão de um quadro intelectual não comunista que gerou respostas e caminhos que irrigaram a construção daquela sociedade, que gerou aquele capitalismo renano: um modelo dinâmico de extremo sucesso histórico, que o dogmatismo pseudo-dedutivista liberalóide (pois já não são nem liberais: são fraudulentos mesmo) teima em tentar varrer para fora da história, para fora da memória histórica.

Tal negacionismo da história ocorrida, com a deturpação da realidade querendo enfiar liberalismo a todo custo nos casos de sucesso da Europa do pós-guerra, ou da China desde Deng Xiaoping, é o deslanchar da onda de mentiras, guerras narrativas, e desorientações em direção ao colapso cognitivo em que o mundo vai sendo atirado para a extrema direita.

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Foi, e É, o neoliberalismo o que gera a atual onda da extrema direita planetária, coordenada pelas Big Tech.

Extrema direita regressiva, boçal, ilógica e desumana. O “sucesso” dos influencers e youtubers dessa extrema direita pós-moderna nas redes, se alicerça na ignorância relativa do público, na agoridade propagada pela mídia o tempo todo (há pessoas que vivem numa realidade sem passado, logo, sem futuro), mas também, e não menos importante, na ajuda dos algoritmos das plataformas digitais, que no binarismo delas estimulam as polarizações que alavancam essa extrema direita. E isso não é um acidente técnico, mas um projeto político: tais plataformas alavancam sim a extrema direita nos seus escondidos algoritmos, estimulando o clima de conflagração social e Guerra Civil, a destruir as sociedades. A realidade virtual já faz parte total da realidade social, humana, civil, política... A defesa orwelliana da “liberdade total” dessas plataformas digitais monopólicas “internacionais” (estadunidenses) é a defesa do colapso social e institucional das sociedades historicamente estabelecidas: empresas não são pessoas, e as empresas das Big Tech manipulam a comunicação de forma perigosa, de forma politicamente orientada, precisando urgentemente de FORTE REGULAÇÃO estatal. Os usuários, sempre idiotas, pois sempre usados pelas plataformas que acreditam estarem usando “livremente”, assim se acham, de forma delirante, “livres” ao escreverem o que querem nas redes: xingando, caluniando, agredindo, mostrando uma força sonhada na mente e que se materializa nas telas, que eles na realidade não têm... A liberdade dos indivíduos fracassados de colocarem nas redes o que colocam nas portas de banheiros não é liberdade de expressão: a liberdade de expressão não libera permitir calúnias, difamação, defender racismo, misoginia, homofobia e outros crimes tipificados em Lei. Com o capitalismo monopolista na Era da digitalidade, as plataformas digitais de comunicação já se configuram como o coveiro da própria democracia burguesa: se no tempo de Paul Ricoeur a disputa esquerda/direita gerou uma forte autocrítica em toda a direita após a derrota do nazifascismo, o que gerou um capitalismo social-democrata que salvou o capitalismo, hoje o sequestro das consciências pelas plataformas tende a atirar as sociedades em crises arquitetadas para lhes impedirem de se desenvolverem e progredirem. As empresas monopólicas das Big Tech seguirão atirando as sociedades em crises induzidas, por isso a necessidade vital de forte regulação, bem como a criação de empresas estatais de comunicação digital. Como já anteriormente defendido por este autor que vos escreve, com:

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  1. REGULAÇÃO PÚBLICA do estratégico setor de comunicação digital;
  2. ALGORITMOS ABERTOS;
  3. Redes de comunicação do Correio (email e uma rede como whatzap, e uma rede com Youtube do Correio brasileiro);
  4. Quebra dos monopólios digitais estrangeiros, com a defesa de emulação tecnológica em plataformas NACIONAIS legalizadas internamente.

Tal e qual o governo Vargas encontrou um Brasil em que ou o Estado assumia o modelo de entrada do Brasil na Segunda Revolução industrial com ESTATAIS, ou o Brasil regrediria ao estatuto colonial, hoje o governo Lula se depara cada vez mais com a mesma encruzilhada, mas agora na esfera da digitalidade.

A sociedade brasileira esclarecida, de forma ampla, precisa entender que essa cruzada de Elon Musk contra o STF do Brasil é um Ato de guerra contra a nossa soberania nacional, e já passa da hora do Brasil ter um plano ESTATAL de comunicação digital (https://www.brasil247.com/blog/a-inteligencia-artificial-e-a-estrada-da-servidao-voluntaria) . Nessa decadência absoluta do campo da direita, no mundo todo, mas sobretudo no Brasil, o caso da deputada bolsonarista do PL, Bia Kicis ao defender na tribuna do Parlamento brasileiro que “mentira não é crime” é prova da indigência mental e moral absoluta dessa escória política amotinada no bolsonarismo: uma deputada... no Parlamento... o espaço da FALA, espaço sagrado da Política. Mostra o nível rastejante com que estamos lidando, eis o campo de forças com que se tem que lidar nesta terceira década do séc. XXI: o da bestialidade sonsa, de defender o erro pelo erro, o mau pelo mau.

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A mentira vira um “direito” no mundo enlouquecido do bolsonarismo, alavancado pela manipulação digital. O delírio pós-moderno de se construir uma realidade em cima “da escolha de uma narrativa” (“tudo é narrativa”... diz a boçalidade pós-moderna), alcança o cúmulo da sordidez na defesa da mentira como “um direito” feito pela surreal deputada do PL.

Direito de mentir, algo “que não é crime”, ecoa nos gritos de toda manifestação bolsonarista chamando o Lula de ladrão de forma obsessiva: eles levam à exaustão a máxima nazista de que que a mentira repetida mil vezes vira verdade... e estamos permitindo que isso ocorra ao não rebatermos tais mentiras com a devida força.

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Cabe aqui apontar que tal festival do absurdo tem um sólido passado, com a periferia do sistema sempre antecipando pontos extremos: o partido da abjeta deputada Bia Kicis, o Partido Liberal, vindo do Brasil Império, foi sempre um partido que lutou pela “liberdade das pessoas terem seus escravos”, o nome “liberal” dele SEMPRE se aliou, sem problemas conceituais, com a defesa da escravidão. Não por acaso este decrépito PL, assim como o orwelliano “Novo”, serem o centro bolsonarista no Congresso: as palavras no bolsonarismo devem ir ao contrário das coisas que nomeiam, e a defesa desavergonhada, suja e inaudita, feita por esta pessoa indigna de ter a palavra no Parlamento, da mentira como um direito é a prova de que não há limites para a baixeza dessa gente. Lida-se com seres que defendem tudo o que há de pior no ser humano: quando a burrice, a maldade, a crueldade e a vilania se aliam com todos os preconceitos e ruindades. Escutar as falas dos bolsonaristas em seus comícios, como o da praia de Copacabana deste domingo 21 de abril, é ser açoitado pelo espetáculo mórbido do levante orgulhoso de toda a burrice e autossabotagem do universo.

A politização Fake do bolsonarismo tende a ser desmascarada pela prática: o falso nacionalismo e a falsa defesa da liberdade

Mas apesar destes espetáculos extremistas, a maior parte da massa enganada por Bolsonaro não é tão radicalizada quanto parece, estando nestas últimas manifestações só os núcleos mais duros: o próprio esvaziamento dos atos mostra um maior distanciamento da maioria dos simpatizantes. Há esperança de recuperação de boa parte dos eleitores do inelegível, mas para isso é preciso um plano de comunicação do campo progressista, liderado pelo governo. Para isso regulamentar as Big Tech é vital, inclusive criando plataformas nacionais de comunicação: até mesmo um Uber nacional seria uma excelente medida, medida inclusive educativa, pois mostraria que um contra-monopólio nacional é que seria a “liberdade” da estrutura monopólica destas Big Tech. Para não dizer do nacionalismo: defender empresas brasileiras precisa ser uma agenda feita contrapondo o discurso “nacionalista” arrotado cinicamente pelo campo bolsonarista, que em nada fez ou faz pela defesa do PIB brasileiro. É preciso esforço e paciência do campo progressista para disputar a recuperação de parte dos caídos do outro lado: da parte que errou sinceramente, não por teimosia e loucura. O Direito ao erro para trabalhar uma recuperação política dessa população será um conceito caro e muito proveitoso nesse processo que será penoso na reconstrução de uma educação política coletiva, que o Brasil necessita urgentemente repactuar. Pois não será apenas com melhora econômica que o campo progressista conseguirá vencer o levante irracionalista do bolsonarismo, é preciso disputar as narrativas, falar de Política com o Povo: Politizar a Pólis com pautas realmente Políticas é vital para salvar a sociedade da “politização enquanto farsa”, feita pelos libertários farsescos, em defesa dos monopólios externos sob os quais eles são escravos voluntários fanatizados. Tal como são falsos nacionalistas, ao defender empresas monopolistas estrangeiras. A esquerda precisa, além de libertar o nacionalismo do impatriotismo sonso do bolsonarismo, também libertar a Liberdade do sequestro igualmente sonso que a extrema direita fez dela: é preciso uma cruzada explicativa mostrando que 5 empresas digitais na California, todas ligadas ao governo daquele país, não são nenhum castelo da “liberdade de expressão”, mas são sim empresas monopólicas. Debater e explicar isso é fundamental, o tema da liberdade de expressão precisa voltar aos seus trilhos iluministas por iniciativa da esquerda, que precisa explicar didaticamente que as empresas das Big Tech são expressões de um capitalismo monopolista, nada libertário. Liberdade mesmo, e nacionalismo mesmo, será quando o Brasil tiver suas próprias empresas de comunicação digital. E que seja logo.

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