TV 247 logo
    Sara York avatar

    Sara York

    Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior é bacharel em Jornalismo, licenciada em Letras Inglês, Pedagogia e Letras vernáculas. Especialista em educação, gênero e sexualidade, primeiro trabalho acadêmico sobre as cotas trans realizado no mestrado e doutoranda em Educação (UERJ) com bolsa CAPES, além de pai, avó. Reconhecida como a primeira trans a ancorar no jornalismo brasileiro pela TVBrasil247.

    50 artigos

    HOME > blog

    O Capitalismo de Desastres

    'Políticos conservadores usam questões de gênero para polarizar a sociedade e desviar o foco de problemas estruturais de desigualdade', afirma Sara York

    Donald Trump (Foto: REUTERS/Elizabeth Frantz)

    Nos últimos dias, declarações de Donald Trump sobre a comunidade LGBTI+, especialmente as pessoas trans, reacenderam o debate sobre a abordagem do ex-presidente sobre temas de inclusão e diversidade. Em declarações controversas, Trump sugeriu que programas de inclusão em muitos espaços poderiam estar por trás de um recente acidente envolvendo a queda de um avião, ainda antes de qualquer perícia oficial ser realizada. Ele não apenas acusou a comunidade trans, mas também vinculou a situação a políticas de "inclusão forçada", algo que ele vê como prejudicial à segurança nacional e à moralidade do país.

    Essas falas de Trump estão no centro de um debate mais amplo sobre as maneiras pelas quais figuras políticas, especialmente aquelas com inclinação conservadora, têm utilizado questões de identidade e gênero para polarizar a sociedade e, muitas vezes, desviar o foco das questões estruturais de desigualdade e poder. Vejam, por exemplo, o deputado Lucas Pavanato (PL/SP) que alcança visibilidade na mídia levantando críticas à comunidade trans. Assim como Trump, Pavanato com apenas 26 anos e com seu discurso polarizador, parece lançar mão da "culpa" sobre a diversidade e a inclusão como um mecanismo para desacreditar movimentos sociais e políticas públicas que buscam a igualdade para todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero ou orientação sexual.

    Neste cenário, é possível traçar um paralelo com as análises da jornalista canadense Naomi Klein, uma das principais vozes críticas do capitalismo contemporâneo, cuja obra oferece ferramentas para compreender como crises e desastres podem ser usados estrategicamente para promover políticas neoliberais e desigualdades sociais. Klein, em livros como A Doutrina do Choque, descreve o que ela chama de "capitalismo de desastres", onde governos e empresas se aproveitam de momentos de crise ou confusão social para implementar reformas que favorecem as grandes corporações e o fortalecimento das elites, em detrimento das populações mais vulneráveis. Lembremos-nos do ex-ministro bolsonarista Ricardo Salles "passando a boiada".

    Trump, ao atacar a comunidade trans, não faz apenas uma crítica moralista; ele também está explorando um tipo de "capitalismo de desastres" político. Ao associar políticas de inclusão e diversidade com falhas ou acidentes, ele tenta desacreditar movimentos sociais que buscam justiça para pessoas trans e para outras minorias. Esse tipo de retórica cria uma crise social de medo e insegurança, que facilita a implementação de políticas regressivas que beneficiam certos grupos em detrimento da igualdade social e de direitos. Assim como no capitalismo de desastres, onde crises são utilizadas como pretexto para desregulamentação e privatizações, nesse contexto as políticas públicas de inclusão são retratadas como um "perigo" que deve ser revertido, gerando uma crise artificial de "valores" sejam eles quais ou quantos forem necessários.

    Ao traçar um paralelo com o trabalho de Naomi Klein, percebo que o capitalismo de desastres não é apenas uma estratégia econômica. Em um sentido mais amplo, ele se estende também à manipulação das narrativas sociais. As políticas de diversidade e inclusão, ao serem associadas a uma crise moral ou de segurança, servem como um campo fértil para reforçar uma agenda neoliberal que visa, em última instância, a manutenção de um status quo desigual como conhecemos bem no Brasil e vem sendo apresentado ao americano mediano. Essa manipulação das narrativas sociais, promovida por figuras como Trump, é uma forma de controlar a percepção pública e moldar as políticas públicas para atender aos interesses de grandes corporações e elites, como vimos em sua posse oligárquica, que flertava livremente com seus financiadores, as BigTechs digitais.

    A análise de Klein também é útil para entender como, em momentos de crise social e política, as desigualdades de gênero, raça e classe podem ser acentuadas e exploradas por aqueles que se beneficiam da manutenção das estruturas de poder dominantes. Em tempos de polarização, discursos como o de Trump não apenas desestabilizam a luta pelos direitos das minorias, mas também abrem caminho para uma agenda que busca deslegitimar as demandas por qualquer noção de justiça social.

    E, como nos lembra Klein, devemos estar atentos ao uso estratégico de crises - sejam elas naturais, políticas ou sociais - para promover reformas que, na realidade, perpetuam as desigualdades e aprofundam as divisões sociais.

    Assim, o desafio para a atualidade é claro: devemos resistir a essas narrativas que tentam usar as crises sociais para justificar políticas regressivas e, em vez disso, buscar uma política de inclusão real, que promova a equidade e a dignidade para todas as pessoas. As falas de Trump nos lembram que a luta por um mundo mais justo está diretamente ligada à nossa capacidade de questionar as narrativas que buscam dividir e excluir.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

    Relacionados