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Fernando Lionel Quiroga

É professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), na área de Fundamentos da Educação. Doutor em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

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O Cavalo de Tróia “ChatGPT” e o futuro do professor

(Foto: Amanda Perobelli/Reuters)
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Há muito tempo se tenta apagar a figura do professor. Dos pastelões americanos aos desenhos como “Capitão Cueca”, os professores, enfiados em roteiros grotescos, são ridicularizados por meio de piadas em contextos em que sempre acabam se dando mal. O motivo é simples e bem conhecido: como é a ele quem cabe a tarefa de ensinar a pensar, ler, interpretar, apreciar, contemplar; não é interessante para as pequenas elites e a conservação dos seus interesses. Nesta lógica, o professor deve ser achincalhado e ofendido. E somente depois disso, se ainda quiser, pode seguir resistindo. E, de preferência, calado, apático, neutro. 

Desde pelo menos o final dos anos 1960 a educação ocidental convive em meio a crises estruturais significativas. Não, obviamente, no sentido de promover a propalada emancipação da consciência. Não, tampouco, com o objetivo de evitar a barbárie do Holocausto, como alertava Theodor Adorno. A escola, como instituição social ou, como ensina Althusser, como “Aparelho Ideológico do Estado”, apresenta-se sob uma falsa aparência: é um lobo em pele de cordeiro. Da amplitude de debates que vão desde os processos de aprendizagem, métodos de ensino, função social da escola, papel do educador, modernização, tecnologias, o que assistimos no campo educacional brasileiro é a perpetuação das desigualdades sociais. 

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Desde aproximadamente a segunda metade do século passado, portanto, o que a educação vem fazendo é a conformação das consciências ou, se se preferir, a massificação e nivelamento das estruturas do pensamento. E isso não sem a ajuda de uma figura central, talhada para tal propósito: o professor.

Desde a crítica escolanovista, que visava superar o “intelectualismo” da escola tradicional por meio de uma abertura das dimensões de aprendizagem, ao cientificismo da educação, favorecido pela ideologia das metodologias de ensino, o que se percebe neste movimento é o esvaziamento gradativo e sistemático da figura do professor. Um esvaziamento de sua “alma” ou a própria "morte" do educador, como previu Marilena Chauí em um texto de 1982, ao chamar a atenção para as características do cientificismo da modernização e sua implicação na “morte da pedagogia” enquanto “arte de ensinar”. Segundo a filósofa, a escola moderna, “além de reprodutora de ideologia e das relações de classe, está destinada a criar em pouco tempo, a baixo custo e em baixo nível, um exército alfabetizado e letrado de reserva”. Algo semelhante do que observara Hannah Arendt em seu clássico ensaio “O que é educação”, ao sinalizar a influência do Pragmatismo e a incorporação da ciência na educação, que viria a convertê-la em uma ciência do ensino em geral, aumentando consideravelmente, portanto, a distância entre o professor e a matéria a ser ensinada. 

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Finalmente, sob outro pano de fundo, mas não menos importante, vale a pena acompanhar o argumento que Diane Ravitch - professora e ex-secretária-assistente de educação e conselheira durante o governo neoliberal de George H. W. Bush - narra em “Vida e Morte do Grande Sistema Escolar Americano”, alertando para os riscos da educação e da própria sustentação da democracia em face de um sistema educacional moldado aos interesses do mercado.

FInalmente, mais enfaticamente desde o advento da internet, assistimos, apoiada em um discurso democratizante, a uma crescente expansão do modelo de Educação a Distância (EaD) comandada pelos grandes conglomerados empresariais do ramo. Outro ataque frontal à carreira de professor, cujo peso e historicidade do próprio nome é reduzido de modo humilhante à denominação de “tutor”. 

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O denominador comum que vem perseguindo a carreira docente desde pelo menos 50 anos não é outra coisa que o esforço das elites em burlar o princípio democrático de uma educação para todos. Uma forma de cumprir o contrato democrático por meio de um simulacro. 

O ChatGPT parece ser o último trunfo das elites nesta direção. Diante dele, o hiato entre o ideal da “emancipação da consciência” tende a aumentar de modo substancial. Percebe-se um abismo interposto entre o que entendemos, desde a Grécia antiga, o que quer que seja a relação mestre-discípulo - princípio que chega até as democracias modernas pela relação professor e aluno -  que sucumbe em decorrência dos obstáculos projetados pelas elites. Seja impedindo a sua livre atuação por meio da ideologia cientificista, seja por não oferecer-lhe condições objetivas favoráveis a uma sólida formação cultural, submetendo-o a uma jornada de trabalho extenuante, seja por abandoná-lo à própria exaustão diante de tarefas paralelas, prescindíveis e extremamente burocráticas. Em um futuro-presente, a grande questão consistirá em saber qual papel caberá ao professor diante de um robô sabe-tudo que, além de sua astronômica capacidade de memória, será, ainda, incansável, polido e absolutamente neutro diante dos principais problemas que incidem na vida humana e que, por isso, são os que mais demandam indignação e direcionamento político.    

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O ChatGPT é a “menina dos olhos” dos Tink Tanks e das mídias tradicionais porque atende de modo substancial os anseios das elites: ele é o novo Cavalo de Troia da educação.   

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