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Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

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O Dia Seguinte

Condenação de Bolsonaro é o equivalente, em termos simbólicos, ao acerto de contas que precisávamos ter feito antes em relação ao período autoritário

Jair Bolsonaro (Foto: Reuters)

O 11 de setembro de 2025 entrou para a história política do Brasil. Nesta data, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal condenou Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão em regime fechado, pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Foi um julgamento duro, técnico e histórico. Por mais de 24 horas, o país acompanhou, ao vivo, um voto a voto que restaurou a confiança de grande parte da sociedade na força das instituições e na capacidade da Justiça de enfrentar os que atentaram contra a democracia.

Trata-se de um marco civilizatório. O Brasil disse, de forma clara, que não há lugar para aventureiros que desejam destruir as bases da República. A condenação de Bolsonaro e de seus generais é o equivalente, em termos simbólicos, ao acerto de contas que precisávamos ter feito antes em relação ao período autoritário que nos privou da liberdade durante 21 anos (1964-1985). É o momento em que a democracia brasileira olha para si mesma e diz: não aceitaremos que se repita o 8 de janeiro, não aceitaremos que a violência substitua o voto. Ditadura nunca mais.

Uma luta que ainda não acabou

Mas, enquanto o país ainda respira o ar rarefeito desse dia histórico, o Congresso Nacional continua a discutir projetos de anistia para os envolvidos nos ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. O contraste é chocante: de um lado, o Supremo reafirma que o Estado Democrático de Direito é inegociável; de outro, parlamentares pressionam para perdoar aqueles que invadiram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF, destruindo patrimônio público e ameaçando a ordem constitucional.

O projeto de anistia, que já tramita em regime de urgência, é defendido pelo PL — partido de Bolsonaro — e por boa parte de sua base no Congresso. Seus defensores argumentam que muitos foram apenas “manifestantes pacíficos”, que “foram enganados” ou “não sabiam o que estavam fazendo”. Mas o que está em jogo é muito mais que a situação individual de cada réu: é o recado que o Brasil dará ao mundo sobre sua disposição de punir crimes contra o Estado democrático. Uma anistia ampla poderia significar a desmoralização das sentenças, enfraquecer o efeito pedagógico do julgamento e, na prática, sinalizar que atentar contra a democracia pode não ter consequências duradouras.

É verdade que há espaço para um debate sobre gradação de penas, sobre distinguir quem planejou do que apenas seguiu a massa. Mas a pressa para votar esse perdão coletivo, poucos dias depois da mais emblemática condenação de um ex-presidente na história republicana, soa como uma afronta. É um desafio direto ao STF, à Procuradoria-Geral da República e à própria sociedade civil que clamou por Justiça.

O que virá pela frente? Um Congresso que insiste na anistia? Um STF que poderá ser chamado a julgar a constitucionalidade dessa lei? Uma sociedade que terá de decidir se vai às ruas, desta vez, para defender a democracia em tempos de normalidade institucional? Essas são perguntas que abrem a segunda parte deste artigo — porque o 11 de setembro de 2025 esse dia histórico ainda não foi o fim de nada, foi o início de um novo capítulo.

O Dia Seguinte: o Futuro da Democracia em Disputa

Se o 11 de setembro foi um dia de vitória da democracia, o dia seguinte trouxe de volta o velho Brasil: o país onde o Parlamento tenta apagar o que o Judiciário escreveu. A pressa para votar o projeto de anistia mostra que o bolsonarismo não se rende facilmente — ele apenas muda de trincheira. O campo de batalha agora é o Congresso Nacional, e é lá que se decide se a condenação de Bolsonaro será um ponto final ou apenas uma vírgula.

Cenário 1: A Anistia Aprovada

Se a anistia for aprovada de forma ampla, estaremos diante de um choque institucional. O STF, provocado, poderá declarar inconstitucional parte ou todo o texto, sob o argumento de que crimes contra o Estado Democrático de Direito não podem ser perdoados sem julgamento individualizado. Será um teste extremo para a separação dos poderes. Um teste também para o governo, que terá de decidir se sanciona ou veta, se enfrenta ou negocia.

O impacto político seria imediato: Bolsonaro, mesmo condenado, ganharia novo fôlego simbólico. Seus aliados diriam que o Parlamento “corrigiu” um “exagero da Justiça”. Para uma parte da população, seria a confirmação de que no Brasil “tudo acaba em pizza”. Para outra parte, seria o estopim de novos protestos, desta vez não para atacar Brasília, mas para defendê-la.

Cenário 2: A Anistia Rejeitada ou Barrada

Se o projeto não passar — seja por derrota no plenário, seja por veto presidencial mantido —, o recado será outro: o país não aceita atenuar a responsabilidade de quem atentou contra a República. A decisão reforçará o efeito pedagógico da condenação e consolidará a autoridade do STF. Mas também aumentará a tensão com a direita radical, que buscará novas formas de mobilização, inclusive nas eleições de 2026, transformando os réus do 8 de janeiro em mártires.

Cenário 3: A “Anistia Parcial”

O Congresso pode tentar uma solução intermediária: perdoar apenas manifestantes de menor envolvimento, manter punições aos financiadores e articuladores do golpe e revisar algumas penas para torná-las proporcionais. Esse cenário seria uma tentativa de apaziguamento, mas não eliminará o risco de confronto. A linha entre justiça e impunidade continuaria tênue e qualquer passo em falso poderia reabrir a ferida.

O Papel da Sociedade

Nenhuma dessas saídas será pacífica. A sociedade não permanecerá em silêncio. Assim como em 2023, quando o Brasil foi às ruas para dizer “não” ao golpismo, será preciso que cidadãos, movimentos sociais, entidades acadêmicas e sindicatos façam sua parte. O recado deve ser claro: golpe não se perdoa, democracia não se negocia. A omissão pode custar caro.

O 11 de setembro ficará marcado como o dia em que o Supremo Tribunal Federal mostrou que ninguém está acima da lei. Mas o verdadeiro teste de estresse do sistema democrático ainda está por vir. O julgamento de Bolsonaro foi histórico, sim. Mas a história não se encerra na leitura das condenações de Bolsonaro e seus comparsas que tramaram o golpe Estado. Ela se prolonga no Parlamento, nas ruas, nas urnas e no imaginário coletivo.

O Brasil está diante de uma encruzilhada: pode reafirmar seu compromisso com o Estado Democrático de Direito ou pode abrir uma brecha perigosa para que novos aventureiros se sintam autorizados a tentar de novo. Mais do que nunca, é hora de vigilância. A democracia venceu uma batalha, mas a guerra pela sua preservação continua.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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