O Fundamentalismo Político - o extermínio da crítica, o aprofundamento do fanatismo e a proliferação do ódio na sociedade
A ausência de crítica nos torna alvos fáceis dessa manipulação, usada para sustentar projetos de poder contrários aos nossos interesses.
Quando nós perdemos a capacidade de avaliação crítica de um governo e/ou de um político e/ou de um partido e/ou de um sindicato e/ou de qualquer que seja a organização social que nos representa, então deixamos de ser militantes e passamos a ser torcedores, participantes de um fã clube, algo muito parecido com uma torcida organizada, algo atualmente comumente chamado de “gado”.
Essa falta de crítica que assola a política gera o messianismo político na sociedade. Assim surgem os salvadores da pátria, os mitos e os falsos profetas que parecem estar do lado dos trabalhadores, mas que em verdade atuam para atender às demandas de outros senhores. Senhores estes que atuam justamente para cercear o direito inato do povo de ter uma vida digna.
Atualmente, devido a essa ausência de crítica e devido à imensa propaganda midiática, que aprisionou uma grande parte da população nas “bolhas sociais”, fez com que boa parte da militância desaparecesse. Esta designação, “bolhas sociais”, é extremamente adequada ao que vemos acontecendo nas redes sociais hoje em dia, pois é nisto que essas redes se tornaram: verdadeiras e intransponíveis prisões ideológicas.
Isso se tornou altamente perigoso, pois os “embolhados” (os que estão encarcerados digitalmente nas bolhas das redes sociais) têm seus mundos imaginários próprios, sua realidade paralela pessoal, falam somente uns para os outros e não para fora das bolhas. Os "embolhados" nem sequer frequentam locais fora de suas bolhas, não saem das bolhas nem para respirar um ar puro, estão sempre respirando o ar contaminado da fanatização ideológica.
E o perigo está justamente aí, quando há um afastamento da realidade, pois isso só faz engordar ainda mais as bolhas ideológicas. Os que estão fora das bolhas vivem uma realidade totalmente diferente da realidade paralela dos “embolhados”, pois as bolhas não alcançam a totalidade da população.
É assim que, em uma eleição, vence alguém que busca fazer algo pelos trabalhadores e, em outra, vence um candidato que trabalha para exterminar os direitos trabalhistas. Quem vota em A continuará a votar em A, quem vota em B continuará a votar em B, e os indecisos — os quais têm percepções diferentes dos convertidos das bolhas sociais — irão decidir a eleição com seus votos, pois a realidade destes é outra, totalmente diferente da realidade dos “embolhados”, que juram de pés juntos que sua realidade é uma verdade absoluta.
Quem decide as eleições são sempre os indecisos, os não convertidos, pois os convertidos continuam em suas prisões digitais falando para si próprios. Nada de eficaz é feito pelos “embolhados” que possa transmitir aos indecisos informações importantes que os permitam, de forma consciente, decidir o seu voto em prol dos trabalhadores.
E para piorar ainda mais, há um ódio crescente na sociedade. Além do Lado A e do Lado B das bolhas sociais — que se odeiam, pois atualmente não existem mais adversários políticos: o que há são inimigos políticos — inimigos não disputam, inimigos lutam uma guerra.
Isso me lembra muito quando havia muita violência em bailes funk nos anos 90; também me lembra o ganguismo do Movimento Punk de São Paulo dos anos 80, inspirado no filme Warriors da Noite, o qual propagou a ideia de guerra entre gangues no movimento punk brasileiro. Essa questão do ganguismo também foi retratada no filme Colors – As Cores da Violência, que tratou o caos provocado pelas gangues no Leste de Los Angeles.
O que vivemos atualmente com a polarização política é bem semelhante ao ganguismo nacional e internacional de outrora.
Mas além deste ódio das gangues dos “embolhados”, outros tipos de ódio se expandem e se intensificam na sociedade através da ação das bolhas sociais. Atualmente vemos um crescente ódio contra os negros, as mulheres, os LGBTs, os povos originários, os pobres, os favelados e periféricos, o imigrante nacional e internacional.
Esse ambiente de proliferação do ódio, somado à grande crise do capitalismo que o mundo vive — aprofundada nas últimas décadas pelo neoliberalismo — provê terreno propício para ideologias racistas e xenofóbicas. Por isso vemos o crescimento de movimentos neofascistas e neonazistas em várias partes do planeta. Essas ideologias se propagam e se intensificam justamente nessas prisões ideológicas: as bolhas sociais.
Somado a tudo isso, houve também um fenômeno lamentável no país: a institucionalização da política, que permitiu que grandes vácuos fossem criados na sociedade.
Assim, os políticos foram se afastando de suas bases sociais. E como não existem espaços vazios na política, esses espaços foram ocupados pelas igrejas adeptas da Teoria da Prosperidade.
E em quem você acha que um membro dessas igrejas irá votar? No político que só aparece a cada dois anos para pedir voto, afastado da comunidade, ou no pastor que está presente todos os dias, oferecendo acolhimento e suporte emocional? A resposta é evidente. E assim cresceu o fundamentalismo religioso no país.
O fundamentalismo religioso deu tão certo que surgiu um novo poder financeiro: o das empresas religiosas (“igrejas”), que financiam políticos para defender seus interesses, originando inclusive a Bancada Evangélica no Parlamento.
E o fundamentalismo não parou aí. Até o crime organizado aproveitou essa tendência e uniu o tráfico de drogas ao discurso religioso, como ocorre no Complexo de Israel e no Complexo de Jerusalém. Esse fenômeno intensificou o racismo religioso nos territórios dominados por esses grupos e em várias localidades do país. Relatos diários mostram ataques a templos e praticantes de religiões de matriz africana.
Ou seja: o ódio se espalha e se intensifica também por meio do fundamentalismo religioso.
Atualmente, vemos Revoluções Coloridas extremamente violentas eclodirem em diversos países, todas protagonizadas pela Geração Z (nascidos entre 1995 e 2010).
Essa geração é facilmente cooptada pelo ódio disseminado nas bolhas sociais. Somando-se isso à falta de oportunidades profissionais — resultado da crise econômica e da precarização do trabalho promovida pelo neoliberalismo — temos um ambiente perfeito para revoltas artificiais. Estamos em um paiol de pólvora que pode explodir a qualquer momento. E quem acende o pavio é justamente o ódio espalhado pelas bolhas.
A ausência de crítica nos torna alvos fáceis dessa manipulação, usada para sustentar projetos de poder contrários aos nossos interesses.
É assim que navega, com rumo incerto, o barco da política brasileira — em um mar cada vez mais revolto, marcado por tempestades internas e externas.
Diariamente corremos o risco de este barco afundar, caso não sejam tomadas ações estruturantes que melhorem a vida da população e fortaleçam a conscientização política.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

