O Globo tentou enquadrar a Amazônia no Projac, mas Belém enquadrou o mundo
O erro não foi escolher Belém. O erro foi um editorial raso confundir país com calçada, Amazônia com transtorno e COP com evento de gala
No dia 15 de novembro de 2025, o jornal O Globo publicou um editorial afirmando, de forma categórica, que “era previsível que Belém não tinha estrutura para sediar um evento dessa magnitude.” Ali estava o eixo da argumentação: a COP30 teria sido um equívoco brasileiro, fruto de voluntarismo político, falta de planejamento e desconhecimento técnico. Era, segundo o jornal, um erro anunciado — um fracasso escrito antes mesmo do início.
Mas bastava ler além da superfície para perceber que o problema não estava em Belém. O problema estava na lente com que o editorial via o Brasil: uma lente estreita, calibrada desde sempre para enxergar o país apenas quando o país se parece com o Rio de Janeiro ou São Paulo. Para essa lente, o restante do território nacional é apenas ruído, paisagem, cenário — um Brasil periférico que só existe quando serve de pano de fundo para pautas que interessam ao centro.
O texto de 15 de novembro não avaliou a COP. Avaliou a geografia emocional do editorialista.
E foi por isso que, ao terminar a leitura, a pergunta inevitável surgiu:
O que exatamente O Globo queria? Uma COP com cara de novela, onde o drama climático pudesse ser gravado em câmera lenta, com floresta cenográfica e atores vestidos de ribeirinhos?Nos Estúdios Globo — o antigo Projac, megacomplexo de 1,73 milhão de metros quadrados em Jacarepaguá onde o Brasil é recriado em escala de maquiagem — há cenários para Paris, Nova York, sertões domesticados e Amazônias impecáveis. Mas COP não se faz com carpintaria televisiva. COP se faz com o mundo real — com rios verdadeiros, calor verdadeiro, floresta verdadeira e desafios verdadeiros.O erro não foi escolher Belém.O erro é insistir que o Brasil só existe entre o Jardim Botânico e a Avenida Paulista, esse corredor afetivo que reduz um país-continente a dois bairros de predileção editorial.
E Belém sabia disso. Belém sempre soube.
Belém não precisava provar legitimidade — mas provou, com sobra
Logo na abertura da COP30, o secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou: “Belém é o lugar certo para que a comunidade internacional assuma compromissos reais com as florestas tropicais.” Não foi uma gentileza diplomática: foi o reconhecimento de que não existe debate climático possível sem que a Amazônia esteja no centro, não na periferia.Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, disse com clareza: “Estamos aqui com grandes expectativas — esta COP precisa entregar.”E fez questão de ressaltar que a escolha de Belém tinha simbolismo e força estratégica.
O príncipe William, representando o rei Charles III, abriu seu discurso em português e afirmou estar “honrado por estar na Amazônia”. Nenhum outro lugar, segundo ele, tornaria tão visível o desafio climático do século XXI.
E Emmanuel Macron, em fala na Universidade Federal do Pará, sintetizou o motivo pelo qual Belém era inevitável: “O que acontece aqui impacta a Europa, a África, o mundo inteiro.”As falas não foram acidentais. Foram respostas diretas e inequívocas à tese de O Globo.Não era previsível o fracasso — era previsível o acerto.
Se o editorial tivesse a honestidade que lhes faltou, teria mencionado o maior avanço financeiro da COP30: o Tropical Forests Forever Fund (TFFF).
Foi em Belém — e em nenhum outro lugar — que o mundo formalizou:
- US$ 3 bilhões da Noruega,
- € 500 milhões da França,
- £ 150 milhões do Reino Unido,
- além de aportes privados, bancos verdes, filantropias internacionais e compromissos adicionais ainda em negociação.
O fundo nasce com a meta de mobilizar US$ 4 bilhões anuais — e já existe articulação para ampliá-lo à casa dos US$ 8 bilhões, caso mais países tropicais, como Colômbia, Indonésia, Peru e República Democrática do Congo, se integrem plenamente ao mecanismo.
O princípio é simples, direto e revolucionário:quem mantém a floresta de pé recebe; quem devasta não recebe um centavo.Tudo monitorado por satélite, sem maquiagem política, sem relatórios fantasiosos, sem “flexibilizações” que historicamente abriram brechas para devastação.E foi Belém quem entregou essa arquitetura ao mundo.O editorial de O Globo ignorou esse feito monumental. Preferiu falar de hospedagem.
As outras vitórias que O Globo não viu — ou fingiu não ver
A COP30 em Belém consolidou cinco avanços estruturais, todos omitidos pelo editorial.
Primeiro, a presença política inédita: mais de trinta chefes de Estado e governo estiveram na Amazônia. Para um jornal que dizia que Belém não tinha “estrutura de magnitude”, o mundo parece ter discordado — e em peso.
Segundo, o impulso decisivo para energias limpas. De Belém saiu o consenso para triplicar energias renováveis e dobrar eficiência energética até 2030. Essa meta só ganhou adesão ampla porque foi negociada onde a urgência climática é concreta — não abstrata.
Terceiro, as alianças científicas. Universidades brasileiras firmaram parcerias com centros internacionais para monitorar carbono amazônico, restaurar florestas degradadas e modelar cenários climáticos.
Ciência não é detalhe — é bússola. E Belém virou bússola global.
Quarto, a centralidade de povos indígenas e ribeirinhos. Pela primeira vez, suas vozes não foram anexos simbólicos, mas normas orientadoras da conferência.
Quinto, e talvez mais importante, a Amazônia se tornou protagonista moral do mundo.Não como “paisagem bonita de drone”, como gosta certa imprensa, mas como território decisivo da sobrevivência planetária.
O erro não foi escolher Belém. O erro foi um editorial que confundiu país com calçada, Amazônia com transtorno e COP com evento de gala.
O Globo criticou Belém por não caber em seu imaginário — mas o problema está no imaginário, não em Belém.
Enquanto a COP escrevia história na floresta viva, o editorial permanecia preso ao seu Projac mental: impecável na estética, confortável na fantasia, incapaz de lidar com a realidade de um planeta que já não pode esperar.
Belém não envergonhou o Brasil.Belém engrandeceu o Brasil.
E talvez o verdadeiro “erro previsível” tenha sido o do próprio editorial, que insiste em ver Rio e São Paulo como raças nobres e todo o restante do país como Caramelo sem pedigree — útil para afeição, mas indigno de protagonismo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




